07/12/2016
Valor Econômico
Para Juízes, abuso de autoridade permitirá pressões
Por Raphael Di Cunto/ Brasília
05/12/2016
A despeito do desmanche que a Câmara dos Deputados promoveu nas “10 Medidas Contra a Corrupção”, deixando no máximo, três das ações originais, a emenda para punir magistrados e promotores por abuso de autoridade é justificada pelo PDT como uma forma de coibir práticas ilícitas das duas categorias que não era devidamente penalizadas e, por isso, avalia o partido, davam margem à impunidade.
Representantes das duas instituições discordam. Afirmam que a proposta tornou desproporcionais as penas, além de muito vagas as condutas que poderão levar promotores e juízes à prisão. Poderão ir para cadeia, por exemplo, por comentar um processo ainda não julgado. Acusam o texto de ser propositalmente aberto para permitir pressões contra investigações que envolvam “os proderosos”.
Autor da emenda, o líder do PDT na Câmara, deputado Weverton Rocha (MA), alega que não inovou. O pertido divulgou estudos para mostrar que o texto juntou trechos da Constituição Federal, de leis e de regimentos que regulam o funcionamento da magistratura e do MP. “Dizem que a emenda prejudica a Lava-Jato sem nem mesmo a ler, sem saber que ela apenas atribui penas reais a condutas que já são tipificadas como ilegais”, disse.
Na tribuna da Câmara, Rocha deu exemplos do que considera o tratamento diferenciado que merece punição: juízes que, apesar das irregularidades, são punidos apenas com aposentadoria e proventos integrais. “O povo paga R$ 20 mil para deixar em casa um juiz que ajudou quadrilha de traficante ou que mandou uma jovem para uma cela com 20 homens onde ela foi estuprada”.
A emenda, contudo, não prevê a perda de cargo, nem acaba com as aposentadorias remuneradas, o que está previsto em lei complementar – as “10 Medidas” são uma lei ordinária. O projeto só permite uma punição: prisão deis meses a dois anos.
A prisão poderia ocorrer casos magistrados infringissem uma das 9 condutas elencadas no texto, como exercer dois cargos públicos ao mesmo tempo que não o de professor, ser “desidioso no cumprimento de deveres” ou receber custas ou participação em processo. Para o promotores são 12 condutas, entre elas instaurar procedimento de investigação contra alguém sem que existam indícios mínimos e atuar com motivação político-partidária.
“O que é ser desidioso? Com as varas abarrotadas de processos, um juiz pode julgar centenas de casos num mês, mas virar alvo de denúncia de alguém que não teve o processo analisado”, afirmou o vice-presidente do Ministério Público Democrático (MPD), Ricardo Prado. “Outro problema é atuar com “interesses políticos”. todo político que é investigado diz que é alvo de perseguição, do PT ao PSDB, e agora teremos que responder por isso. O que querem é a imunidade dos poderosos”.
Para José Robalinho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o texto transforma situações que teriam punições administrativas, como ocupar dois cargos públicos, em tipos penais, que podem levar à cadeia. Além disso, teria condutas “absolutamente vagas”. “Numa matéria penal, a conduta tem que ser definida, mas o projeto é completamente improvisado, com alterações fundamentais escritas a caneta”, afirmou.
O PDT utilizou uma versão do primeiro parecer do relator do projeto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que classificava essas condutas como crime de responsabilidade, passível de perda de cargo. Este tipo de crime, contudo, está previsto na Constituição apenas para chefes de Poderes – é alei que embasou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A inclusão de procuradores e magistrados poderia ser declarada inconstitucional, o que fez o PDT trocar, a caneta, para “abuso de autoridade”. O plenário só tinha condições de aprovar ou rejeitar a emenda, sem fazer modificações.
Weverton diz que o PDT estava aberto ao diálogo, mas os procuradores se recusaram a debater o texto. “O problema é legislador tem que fazer a explicação técnica porque os técnicos resolveram fazer política “, afirmou. ele defende que o Senado terá a possibilidade de aperfeiçoar a lei. “Estamos construindo um referencial, que é dizer: a partir de agora um membro do Judiciário que fizer mau uso de sua função vai responder por isso. O que aperfeiçoa as leis são as interpretações dos tribunais”, disse.
As queixas contra integrantes do MP e magistrados poderão ser feitas por qualquer cidadão. Um promotor avaliará a reclamação e decidirá se apresenta denúncia, mas, caso ele não entre com a ação no prazo legal, o próprio cidadão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou uma organização de direitos humanos poderão fazer a denúncia. O julgamento será pelo tribunal da jurisdição a que o promotor ou juiz está vinculado.
Outro alvo de preocupação é a mudança na Lei de Improbidade Administrativa para prever que o promotor que apresentar ação de improbidade contra agente público poderá ser punido com prisão de seis meses a dois anos e multa, além de ressarcimento por danos materiais e morais, se a denúncia ocorrer “de maneira temerária”. Hoje a lei só pune quem fizer a denúncia sabendo que o acusado é inocente. Proposta parecida surgiu em 2007, pelas mãos do deputado Paulo Maluf (PP-SP), e foi batizada de “Lei da Mordaça”.
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, vê problema em outra emenda, do PMDB, que tornará crime a violação de parte das prerrogativas dos advogados, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica e telefônica, com penas dobradas se ocorrer condução coercitiva ou prisão arbitrária.
“O que eles querem é criar um instrumento para reprimir a magistratura, o Ministério Público e a policia. E não algo para reprimir abusos contra o cidadão. Tanto é que os tipos penais caem perfeitamente nos procedimentos da Lava-Jato: condução coercitiva, abertura de investigações, prisão preventiva”, disse.
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