19/09/2016

MP NO DEBATE

Planejamento estratégico tem armadilhas que geram frustração

Por Charles Hamilton Santos Lima
Bastante comum no setor privado, o planejamento estratégico passou a ser utilizado de modo sistemático pelo setor público em meados da década de 1990. A partir de então, diversos órgãos e instituições públicas passaram a adotá-lo como ferramenta de gestão. Entre os Ministérios Públicos estaduais, o de Pernambuco e o do Rio Grande do Sul registram, ainda no final dos anos 1990, as primeiras experiências.
Duas décadas depois, o panorama atual demonstra a sua larga utilização por todos os ramos do Ministério Público. Há referências ao planejamento estratégico nas leis orgânicas de pelos menos sete MPs (Acre, Pará, Mato Grosso, Goiás, Ceará, Amapá e Paraíba).
O Conselho Nacional do Ministério Público, sistematicamente, formula o Planejamento Estratégico Nacional do Ministério Público objetivando o fortalecimento institucional, com base na construção de uma agenda estratégica capaz de alinhar aos ramos do MP em torno de objetivos comuns, com foco na melhoria dos serviços prestados à sociedade.
Entretanto, embora haja tanta atenção e energia institucional dedicada ao planejamento estratégico, sente-se um certo desconforto no ar. Algumas observações feitas durante o Painel 9 do V Congresso Nacional do Ministério Público Democrático – Gestão do MP. Modernização, os antigos problemas e os novos desafios mostraram que, apesar de valioso, o instrumento do planejamento estratégico não vem atendendo tão adequadamente aos fins que se propõe, gerando frustração e ceticismo.
Mas afinal o que será que vem ocorrendo? Quais as razões que, direta ou indiretamente, contribuem para esses sentimentos? O cientista político Aaron Wildavsky já advertia que ao tentar ser tudo, o planejamento se tornava nada. Henry Mintzberg, na sua obra Ascensão e queda do Planejamento Estratégico, destaca quatro armadilhas do planejamento:
a) comprometimento (ou melhor, a sua falta) — seja do alto escalão, seja dos setores operacionais, e que, no casos dos MPs, ganha especial relevo por conta da independência funcional dos membros;
b) mudança— a inflexibilidade na formulação e na execução de alguns planos dificulta a sua adaptação em face de fatores emergentes e, desse modo, comprometem o alcance dos resultados pretendidos;
c) política — frequentemente e a pretexto de se manter a objetividade do processo de planejamento se desconsidera as injunções e os fatores políticos próprios da organização que, ao fim e ao cabo, muitas vezes terminam ressurgindo acima das metas definidas no planejamento;
d) controle – em alguns casos, observa-se uma verdadeira obsessão pelo controle o que gera uma aversão ao risco e à relutância em considerar a insurgência de ideias criativas e a adoção de mudanças de rumo. Enquanto, em outras situações, se segue sem controle ou acompanhamento durante a sua execução.
Por conta e risco, acrescentaria outros fatores:
a) falhas no diagnóstico para a formulação das ações estratégicas;
b) ausência de sincronia entre o planejamento estratégico e as finalidades e objetivos definidos nas leis orçamentárias.
No tocante às falhas no diagnóstico, é comum observar na formulação de planos estratégicos a adoção de ações e projetos sem, contudo, se ter todos os dados ou informações referentes às demandas presentes e/ou futuras do Ministério Público. Assim, no âmbito dos planejamentos estratégicos, criam-se ações e projetos que exigem tempo e atenção do membro do MP, mas não se leva em conta a existência de inquéritos (civis e policiais), processos judiciais, atendimento ao público, acumulações, designações e treinamentos e outras atividades que obrigam e limitam o promotor ou procurador de Justiça.
Essa desconsideração, leva, sem dúvida, a uma sobrecarga dos membros do MP e, em determinadas situações, comprometem a execução das metas definidas no planejamento estratégico. Essas falhas no diagnóstico decorrem, sobretudo, da ausência de um diálogo aprofundado com a sociedade. Prioriza-se aquilo que os atores internos acreditam ser o mais importante e que, em muitas ocasiões, não corresponde ao que de fato importa para a sociedade e ao que, concretamente, virá a ser cobrado da instituição.
Como adverte o colega Márcio Berclaz, há a necessidade de se ter a compreensão de um Ministério Público que precisa planejar suas atividades ouvindo, primeiro, nesta ordem, o povo, além de membros e servidores, não, por exemplo, contratando empresas privadas para dizer o óbvio ou repetir o que já consta da letra da Constituição, especialmente quando o “lucro” a ser obtido é sempre social.
Noutra mão, os objetivos elaborados no planejamento estratégico importam em alocação de recursos humanos e materiais para sua realização. Tais recursos, naturalmente, exigem a disponibilização de recursos financeiros. Porém, não raro, há uma ausência de sincronia entre o ciclo de planejamento e o ciclo orçamentário.
Esse descompasso, frequentemente, faz com que faltem os recursos necessários ao tempo devido para a implementação das ações e/ou projetos definidos no planejamento estratégico. Essas armadilhas, sem dúvida, comprometem a plena execução das ações planejadas ou, no mínimo, retardam ou diminuem o seu impacto.
Impõe-se, assim, que a instituição tenha a atenção necessária para reconhecer e superar essas armadilhas e seus efeitos. Só assim, o desconforto e a desconfiança com o planejamento estratégico serão mitigados e toda a potencialidade do instrumento poderá ser aproveitada pelo Ministério Público no desempenho de suas funções institucionais. Do contrário, o planejamento estratégico não passará de uma mera peça de retórica ou o cumprimento de uma formalidade. Será bonito, mas inútil.
Charles Hamilton Santos Lima é procurador de Justiça Regional da cidade de Caruaru (PE) e vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

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