O Sistema anacrônico das nomeações para o STF
A PEC da Bengala e a nomeação de mais um futuro Ministro para a Suprema Corte do país, trazem à baila um tema, por vezes, negligenciado. Esse sistema de nomeações de Ministros, pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, tem sido eficiente? Tem resguardado as necessidades da Justiça e os objetivos da Instituição? Qualquer pessoa, minimamente familiarizada com o assunto, responderá negativamente.
O momento atual é dos mais dramáticos, a ponto do Poder Legislativo haver resolvido retirar da atual Presidente o poder de nomear cinco futuros Ministros, cujos cargos ficariam vagos em razão da regra anterior de aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade – agora elevada para 75 anos, o que lhe valeu o epíteto jocoso de “PEC da Bengala”.
Esse sistema de nomeações dos Ministros do STF pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, remonta a primeira Constituição Republicana de 1891, que previa nos artigos 48, nº 12, e 56, o mesmo sistema atual.
Decorridos 124 anos e nada mudou. Pior, saímos do Século XIX para o Terceiro Milênio e não se avançou nesse tema, salvo o periódico dissabor quando da nomeação deste ou daquele novo Ministro.
Notável saber jurídico e reputação ilibada são requisitos importantes quando corretamente avaliados, mas, por si só, insuficientes para assegurar boas nomeações; ainda mais se o Senado abre mão de seu poder de veto, ordinariamente, não exercido.
A República pouco avançou em termos de divisão de poderes desde sua implantação. Continuamos com a existência de um Superpoder, o Executivo, representado pelo Presidente da República, que ainda dispõe de poderes imperiais.
É absolutamente inconcebível que entre Poderes que deveriam ser Independentes e Harmônicos (CF, art.2º), a Cúpula de um deles seja nomeada pelo outro. É inconcebível que, nos dias atuais, a Cúpula do Poder Judiciário continue sendo escolhida e nomeada pelo Chefe do Poder Executivo. E pior, que os membros dessa Cúpula sejam nomeados dentre cidadãos que sequer pertencem ao Poder Judiciário.
Os novos membros de uma corporação, em regra, começam pelos cargos iniciais. Precisam adquirir experiência, aprender o serviço, conhecer a instituição na qual trabalham, para somente depois pleitearem os postos de comando.
Admitir no comando quem não conhece o serviço, nem deu mostra de competência para o exercício da função, é de uma leviandade ímpar.
Como admitir que os Ministros da mais Alta Corte do país possam ser nomeados para o cargo sem demonstração inequívoca de conhecimento do funcionamento do Poder Judiciário, de excepcional competência (notável saber jurídico), e de compromisso com a causa pública (reputação ilibada)?
O excesso de concentração de poderes em mãos do Presidente da República é um tema a ser debatido e combatido.
A subordinação do Poder Judiciário ao Executivo é algo retrógrado, que remonta ao período monárquico, e de cujas ideias subjacentes ainda não nos livramos totalmente.
O Poder Executivo não exerce mais o Poder Moderador, existente no Império, e, portanto, não deveria caber mais nenhuma influência nos destinos do Poder Judiciário. Não no que toca à nomeação dos membros e servidores desse Poder.
Os fatos da história recente do país obrigam a uma discussão séria acerca desse tema na comunidade jurídica e no Parlamento.
Em suma, para concluir, é preciso repensar a forma de escolha dos membros dos Tribunais Superiores, especialmente o STF. E a sugestão é de que o Supremo seja integrado por membros do último degrau da Magistratura, ou seja, para ser Ministro, antes tem de ser Desembargador; e os novos Ministros devem ser escolhidos em eleição interna, pelos Desembargadores de todos os tribunais do país, podendo-se acolher a regra do quinto constitucional para Advogados e Membros do Ministério Público.
Esse sistema resguardaria a Independência do Poder Judiciário frente aos demais Poderes da República, o que é absolutamente essencial, para assegurar o fim da impunidade da classe política e restabelecer no seio da população o apreço por valores como ordem, cumprimento de deveres, Estado de Direito e Democracia.
Ricardo Prado Pires de Campos: Procurador de Justiça em São Paulo, Mestre em Direito das Relações Sociais e Membro do Ministério Público Democrático.

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