MP NO DEBATE
Permitir eleição de promotores para PGJ aperfeiçoa e democratiza instituição

Por Roberto Livianu

Na semana passada, apurou-se, em consulta feita aos membros do Ministério Público de São Paulo, que a grande maioria dos votantes é favorável à elegibilidade de promotores de Justiça para o cargo de Procurador-Geral de Justiça.

Mesmo em mês de férias (julho) e com um feriado no meio do período da consulta, onde o voto foi facultativo, praticamente 50% dos membros do MP-SP votaram, e dos votantes, quase 75% foram favoráveis à ampliação aos Promotores de Justiça da capacidade eleitoral passiva.

Hoje, no Brasil, apenas cinco unidades da federação restringem aos procuradores de Justiça o direito de postular a Procuradoria-Geral de Justiça. Além de São Paulo, Roraima, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. É importante registrar que muitos promotores que já ocuparam a PGJ fizeram excelentes gestões. Inclusive o Conselho Nacional do Ministério Público já teve um promotor ocupando o cargo de corregedor nacional, o atual PGJ-SC, Sandro Neis.

Por outro lado, o Brasil e o mundo vêm acompanhando com perplexidade progressiva os desdobramentos da operação “lava jato”, com suas impactantes e reveladoras colaborações premiadas, prisões de poderosos, apreensões de carros de luxo, obras de arte e somas de dinheiro de bilhões de dólares que teriam sido desviados da maior empresa pública do país — a Petrobras.

Neste grave caso de corrupção, o mais emblemático de todos e histórico pelo vulto dos personagens e valores é digno de registro o trabalho exemplar, digno, corajoso e dedicado do Ministério Público Federal, magistratura e polícia. Mas cotidianamente nos estados da federação também se trava uma luta ferrenha para defender o patrimônio público, sendo esta uma das mais importantes missões do Ministério Público brasileiro, sem sombra de dúvida.

O MP, que coordena estas investigações, é quem avalia as provas reunidas, promovendo as responsabilidades movendo as ações penais e ações civis públicas. Sempre importante lembrar que no comando de cada MP estadual, há a liderança do Procurador-Geral de Justiça, que é nomeado pelo governador do estado.

Há hoje eleições com voto plurinominal de cada membro do MP estadual, com a composição de listas tríplices. Mas ao final, o governador do estado escolhe qualquer nome da lista, mesmo que hipoteticamente tenha tido apenas o seu próprio voto.

Tendo em vista que, na prática concreta nacional, dificilmente há mais de três candidatos, a escolha do derrotado pelo chefe do Executivo pode significar desrespeito total à vontade do promotor eleitor e a escolha de alguém sem a mínima legitimidade interna, o que pode comprometer a eficiência da gestão do procurador-geral de Justiça.

A Constituição da República incumbiu o Ministério Público em 1988 de concretizar a cidadania, defendendo o patrimônio público, urbanístico, ambiental, cultural, histórico, a infância e juventude, os idosos, indígenas, pessoas com deficiência entre tantos interesses sociais fundamentais.

Mais do que isso, o MP foi incumbido de defender a ordem jurídica e o regime democrático. Por este motivo, muitas pessoas o chamam de quarto poder.

Parece obviamente essencial que para proteger a ordem jurídica e o regime democrático, é necessário ser totalmente independente.

A Constituição Federal, ao querer instituir contrapeso político na escolha dos dirigentes do MP para evitar o corporativismo, acabou concentrando demais o poder nas mãos do chefe do Executivo, que é fiscalizado pelo PGJ.

Não há fórmula perfeita imune a críticas, mas parece muito mais adequado dar mais peso ao voto dos membros dos MPs, em eleições com voto facultativo e uninominal com posterior sabatina desconcentradora do poder pelo Legislativo.

O caráter uninominal do voto permitiria aferir com muito maior acuidade e precisão a intenção efetiva do membro do MP eleitor.

A facultatividade, na mesma direção, é instrumento idôneo para garantir a espontaneidade do sufrágio e evitar o uso abusivo da máquina, que, por incrível que possa parecer ainda ocorre inclusive em grandes e populosos estados da federação.

Um único mandato de três anos sem reeleição seria muito saudável para minimizar o risco de enraizamento no poder por parte dos procuradores-gerais de Justiça.

Mas, fundamentalmente, a transferência do poder final de escolha das mãos de um indivíduo — chefe do Executivo para todos os integrantes do Legislativo (assembleias legislativas) seria positiva modificação democrática que diluiria poder.

Permitiria uma saudável sabatina, aberta ao público, na qual os procuradores-gerais de Justiça dos estados poderiam expor suas principais metas, ser indagados e esclarecer dúvidas ao grupo de mandatários que representa o povo e ao próprio povo diretamente, dando vida aos ideais de Bobbio, que define a democracia como “o governo do poder público em público”.

Nesta mesma direção e com a mesma metodologia, poderia ser aperfeiçoado o sistema de escolha do PGR.

A transparência no exercício do poder é o divisor de águas entre os regimes totalitários e das cortes absolutistas e os governos democráticos, e por isto, um governo verdadeiramente democrático se distingue dos governos imperiais, ditatoriais ou tirânicos por sua visibilidade e transparência.

Platão já ensinou que podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, mas que a real tragédia da vida acontece quando os homens têm medo da luz.

É tempo de aperfeiçoamento do MP para garantir maior grau de independência, que deve ser feito por modificação constitucional, nos níveis federal e estadual.

Não temamos a luz, pois a riqueza do debate público no Parlamento conferirá transparência ao exercício do poder e será muito melhor para a sociedade que a força de uma única caneta solitária que não precisa justificar sua escolha.

Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, doutor em Direito Pela USP e idealizador e coordenador da campanha Não Aceito Corrupção.

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