Publicado no Conjuur em 17/02/2016
Por Sérgio Rodas
Aquele que não integra o polo passivo em ação criminal não pode pedir providências em nome do réu. Com esse entendimento, o Ministério Público de São Paulo criticou a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público que suspendeu liminarmente o depoimento que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, dariam à Justiça paulista nesta quarta-feira (17/2).
Os dois seriam ouvidos sobre o apartamento tríplex, no Condomínio Solaris, em Guarujá. A suspeita do Ministério Público Federal é que houve tentativa de ocultar a identidade do dono do tríplex, que seria do ex-presidente, o que pode caracterizar crime de lavagem de dinheiro. Contudo, o conselheiro Valter Shuenquener de Araújo acatou reclamação do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e suspendeu o feito até que o plenário do CNMP delibere sobre o assunto.
Em seu pedido, o deputado alegou que o promotor Cassio Roberto Conserino fez um pré-julgamento de sua decisão ao oferecer conclusões sobre o caso em entrevista à revista Veja antes mesmo de ouvir os depoimentos. Além disso, ele argumentou que o promotor extrapolou as suas prerrogativas funcionais e que o caso não poderia ter sido distribuído à 2ª Promotoria Criminal, da qual Cesarino faz parte, e sim à 1ª Promotoria Criminal.
No Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, os promotores que investigam o caso — Conserino, Fernando Henrique de Moraes Araujo, José Reinaldo Guimarães Carneiro e José Carlos Guillem Blat — afirmaram que o CNMP foi “certamente induzido em erro” pelo pedido de Teixeira. De acordo com eles, o parlamentar não tem procuração de Lula e Marisa e, por isso, não poderia requerer medida em nome deles, salvo em procedimento separado.
Para fortalecer esse argumento, os membros do MP citaram decisão da 5ª Vara Criminal de São Paulo em processo contra o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Na ocasião, o órgão pediu o compartilhamento de provas de processo criminal da operação “lava jato” relativas a condutas de Vaccari Neto e a dados bancários e fiscais de parentes dele. No entanto, a juíza Cristina Ribeiro Leite Balbone Costa indeferiu o pedido com o fundamento de que a apuração de atos praticados por terceiros que não integram o polo passivo deve ser feita via procedimento próprio.
Os promotores também declararam não ter violado regras procedimentais do CNMP. Segundo eles, os atos seguiram o rito estabelecido no artigo 3º da Resolução 13/2006, que estabelece que, se a investigação criminal for instaurada de ofício, “o membro do MP poderá prosseguir na presidência do procedimento investigatório criminal até a distribuição da denúncia ou promoção de arquivamento em juízo”.
Dessa maneira, a suspensão dos depoimentos de Lula e Marisa “é medida que prejudica o trâmite da investigação criminal”, opinaram Conserino, Araujo, Carneiro e Blat. Eles ainda informaram que buscarão reverter tal decisão no CNMP “para que possam cumprir o objetivo de apurar os graves fatos envolvendo pessoas que se consideram acima e à margem da lei, algo que não pode ser subtraído da honesta sociedade civil brasileira”.
Interferência criticada

A decisão do CNMP também foi criticada pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa. Por meio de nota, ele ressaltou que a Constituição autoriza o conselho a exercer controle externo sobre a atividade administrativa do MP, porém, “exclui de seu âmbito a interferência nas funções de execução, entendimento já consolidado no âmbito daquele próprio colegiado”.
O procurador ainda afirma que aguarda “a deliberação colegiada do próprio CNMP sobre o tema, sem prejuízo das outras providências que se mostrarem necessárias”.
Em nota, o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) também se manifestou contra a decisão do CNMP, por representar “grave risco à ordem jurídica”. “O CNMP é organismo de fundamental importância para o Estado Democrático de Direito, criado por força da Emenda 45 à Constituição Federal, cabendo-lhe o importante papel constitucional de controle administrativo e financeiro do MP. É óbvio, no entanto, que não se inclui no universo de seus papéis o controle dos atos de execução de membros do MP, prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário, nos termos da Carta da República. Assim, a liminar consiste em decisão desrespeitosa ao princípio da separação de poderes.”
O MPD lembra ainda que vigora desde 2006 a Resolução 13 do CNMP, que disciplina o poder de investigação criminal do Ministério Público. Segundo a norma, cabe ao promotor — que tomar conhecimento de fato que seja definido como crime e para o qual tenha atribuição territorial funcional — baixar portaria e investigar até o oferecimento da denúncia.

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