29/02/2016

Por Márcio Berclaz

O Brasil é um dos poucos países do mundo que optou pelo federalismo como forma de organização política, ainda mais com a compreensão de que os municípios, com toda sua heterogeneidade, também integram este conjunto. Fazer com que os entes preservem sua autonomia sem prejuízo de uma unidade ou uma determinada direção comum oriunda de um poder central é um dos desafios deste modelo. União, Estados e Municípios precisam compor um país em condições de ampliar equivalências e reduzir divergências; diferenças devem ser niveladas em nome dos princípios e objetivos da República.

Se o federalismo assegura parcela de autonomia aos seus entes, evidente que é um desafio estabelecer convergências e traços nacionais para a leitura e compreensão das instituições dentro da sua complexa dinâmica. Esta lição há de valer para toda e qualquer instituição.

Nesse contexto, pretende-se lançar linhas introdutórias para abordagem e reflexão sobre um tema sensível, que é o orçamento do Ministério Público como instituição. Se, cada vez mais, a credibilidade e a importância do Ministério Público para o Estado Democrático de Direito são indiscutíveis, podendo ser percebidas diariamente pela população pelo acompanhamento do trabalho institucional pelos portais institucionais ou mesmo pelos meios de comunicação, é fundamental que subsista debate crítico sobre a forma e os critérios de financiamento dessas relevantes atividades.

Com mais razão do que outras instituições tradicionalmente integrantes da sociedade política (ex: (Poder Judiciário), urge que o Ministério Público, como instituição autônoma e de atuação autêntica e singular, tenha parâmetros mínimos orçamentários pré-definidos e pactuados a partir de critério fixo e de validade nacional, especialmente porque a instituição, fiscal que é dos poderes, e, em tese, do próprio Governador do Estado e do Legislativo local (ou mesmo do Presidente da República e do Congresso Nacional), não pode estar sujeita a barganha de favorecimento ou prejuízos decorrente de sua atuação finalística, ao sabor do governante ou dos legisladores de plantão.

É preciso extrair mais significado e buscar maior detalhamento da previsão do artigo 127, parágrafo terceiro, da Constituição, dos artigos 22 e 23 da Lei Complementar 75/93, bem como do disposto no artigos 3 e 4o da Lei 8.625/93; é preciso não só fazer cumprir e respeitar o disposto no artigo 168 da Constituição (os duocécimos, cujo repasse tempestivo é prerrogativa constitucional), mas ir além.

Ainda que o tema deva repercutir na necessidade de se aprimorar e debater o financiamento do Ministério Público da União, é inconcebível que, em cada Estado, exista uma realidade, inclusive um determinado critério de cálculo, a incluir isso ou aquilo (ex: FPE – Fundo de participação dos estados), seja por percentual determinado, seja por valores finais. Tanto a bonança como a miséria precisam ser equilibradas, especialmente considerando que, quanto maior o subdesenvolvimento econômico e social de um território, em tese, maior a necessidade concreta de fortalecimento e presença do Ministério Público como instituição, posto que maior o índice de violação de direitos humanos e fundamentais. Definitivamente, nem o sub nem o superfinanciamento de Ministérios Públicos Estaduais são saudáveis à elevada e operosa missão republicana e árdua da instituição; o orçamento do Ministério Público precisa contribuir melhor equilíbrio do quadro orçamentário. Da mesma forma que outras metas do artigo 3o da Constituicão, reduzir desigualdades regionais é objetivo que, por ser da República, obviamente também alcança o Ministério Público brasileiro.

Ademais, não raros foram ou ainda são os casos em que, por conta da alargada margem interpretativa existente e diante da existência de mais completo cenário normativo, houve benefício ou prejuízo ao orçamento devido ao Ministério Público por conta de omissões ou ações relacionadas ao próprio cumprimento do papel institucional. Não é desprezível o impacto negativo que tal contexto produz no desenvolvimento da própria política institucional ao ponto de, por vezes, prejudicar a própria essência da instituição no serviço público que deve prestar.

De nada adianta uma retórica e afirmada autonomia orçamentária garantida à instituição se não houver uma preocupação nacional para que a gestão deste orçamento, respeitados os limites quantitativos e qualitativos (alguns de difícil transposição), atente para parâmetros gerais que permitam, inclusive, fortalecer o caráter nacional e solidário do Ministério Público brasileiro, que em último grau é uma única instituição.

Tal qual ocorre com um regime federativo que, em nome de uma unidade, por vezes, exige uma atividade distributiva para nivelamento de equivalências, é preciso que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), como colegiado sabedor dos problemas gerados pela heterogeneidade do quadro financeiro dos MPs Estaduais brasileiros, esteja preocupado não só em apontar problemas e deficiências dos Ministérios Públicos Estaduais, mas, sobretudo, empenhado para, além de cobrar eficiência e qualidade na gestão orçamentária administrativo-financeira, estabelecer estratégias que permitam financiamento solidário e integrado das atividades do Ministério Público brasileiro. Assim, então, a superar limites historicamente postos para determinadas unidades, seja contribuindo para a formação e construção do consenso nacional que se mostrar factível, seja mediante a criação de um fundo ministerial nacional solidário para o qual cada unidade contribua de acordo com a sua capacidade e receba colaboração ou partilha de acordo com sua necessidade, incentivando alternativas criativas que permitam a criação de forças tarefas nacionais, entre outros exemplos.

O Ministério Público, de Alagoas, do Mato Grosso, do Rio de Janeiro, do Piauí ou do Rio Grande do Sul, é um só, tendo o mesmo papel e atribuições, tal como definido pelos artigos 127 e 129 da Constituição; há a mesma necessidade de membros, de órgãos auxiliares, da construção de sedes, de recursos materiais e perícias para as atividades, etc.

Ainda que existam variações orçamentárias (por mais que o próprio orçamento seja ciclo cuja previsão depende da realização no plano fático), e que por vezes os acréscimos negociados e ajustados sejam importantes para a própria sobrevivência institucional, ao Ministério Público, com mais ênfase do que em relação às outras instituições, impõe-se segurança e parâmetros mínimos objetivos e pré-definidos para o cálculo do montante orçamentário devido, os quais devem, inclusive, servir para potencializar o seu papel de agir como instituição (no combate à sonegação fiscal e à corrupção como prioridades, por exemplo). Somente assim poderá a instituição agir para cobrar que assim se proceda em relação aos demais poderes e instituições, que não agem para si, mas para servir ao povo brasileiro.

Para além disso, o tema do orçamento do Ministério Público, antes de ser obra de meia dúzia de tecnocratas ministeriais ou de políticos interessados em retaliar a instituição pelos seus acertos na defesa do regime democrático, mais do que ser objeto de uma apropriação consciente e ainda distante da própria classe de seus trabalhadores como sujeitos (membros e servidores), precisa ser alvo de preocupação e atenção da sociedade brasileira, inclusive com discussão dos critérios adotados para financiamento de prioridades, o que deveria contar com altivo e permanente acompanhamento dos meios de comunicação social. Se o discurso de legitimação institucional afirma a instituição como defensora do povo (em último grau sempre detentor da “potentia” e do poder em si, como ensina a Política da Libertação de Enrique Dussel), este mesmo povo, em algum grau e com periodicidade permanente, precisa ser chamado para conhecer, discutir, participar e deliberar sobre as ações, programas e projetos que merecerão financiamento prioritário.

Márcio Berclaz é Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Direito das Relações Sociais pela UFPR (2013/2017), Mestre em Direito do Estado também pela UFPR (2011/2013). Integrante do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (www.gnmp.com.br) e do Movimento do Ministério Público Democrático (www.mpd.org.br). Membro do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL) da UFPR. Autor dos livros “Ministério Público em Ação (4a edição – Editora Jusvpodium, 2014) e “A dimensão político-jurídica dos conselhos sociais no Brasil: uma leitura a partir da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico (Editora Lumen Juris, 2013).