04/04/2016

Publicado na Folha de S. Paulo

Há menos de um ano, os procuradores da República que integram a força-tarefa Lava Jato apresentaram ao procurador-geral e à Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal um conjunto de medidas para aprimorar a legislação de combate à corrupção.

Era o produto inicial da constatação de que, apesar dos esforços da investigação e dos resultados alcançados, havia diversas válvulas de impunidade na legislação, capazes de comprometer os trabalhos.

Penas desproporcionais à gravidade de atos de corrupção de alta lesividade, prescrição turbinada por regras de contagem lenientes e grande cadeia de recursos são janelas escancaradas à impunidade. É evidente a necessidade de modernizar o sistema, atendendo, inclusive, às diretrizes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da qual o Brasil é signatário.

O conjunto de ideias foi, então, alavancado. Nascia a campanha Dez Medidas contra a Corrupção, apresentada pelo Ministério Público à sociedade. O aprimoramento do sistema anticorrupção é uma expectativa não só do MP, mas de toda a nação. Por isso, estabeleceu-se uma estratégia de articulação com a sociedade. Em menos de um ano, ultrapassou-se em muito o mínimo necessário para a formulação de projetos de lei de iniciativa popular: dois milhões de assinaturas foram coletadas, numa formidável mobilização social.

Ao longo da campanha, diversos debates foram realizados. Algumas vozes, numa visão mais conservadora, apontaram apenas defeitos nos textos apresentados. Mas a grande maioria percebeu as dez medidas como uma oportunidade de aprimorar o sistema anticorrupção e de inserir o Brasil num patamar de excelência, ao lado de países mais desenvolvidos, e em sintonia com a Convenção de Mérida.

As investigações da Lava Jato, entres outras, evoluíram no mesmo período em que se desenvolveu a campanha. Também nesse período o país se viu mergulhado em uma séria crise política. Apesar da coincidência temporal traçada pelo curso da história, o Ministério Público não é artífice desse grave instante político, nem é protagonista da crise, não lhe cabendo interferir em quaisquer cenários relativos a ela.

O compromisso do MP é apenas com a regularidade das investigações e com a efetividade do processo, o que, em outras palavras, significa promover a ordem democrática, como manda a Constituição.

A defesa da ordem democrática passa pelo combate à corrupção, na linha do que estabelece a Convenção de Mérida, onde se lê que a corrupção ameaça a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer instituições e valores da democracia, ética e da Justiça.

O presente desafia o Ministério Público a assumir, como vem fazendo, postura firme e serena naquilo que constitui seu universo de atuação, sem descambar para as raias próprias de outros atores sociais.

A legitimação do MP será tanto mais evidente quanto mais inequívocos forem os sinais de que ele está apenas cumprindo seu dever constitucional, promovendo a responsabilização de quem pratica delitos, com isenção, isonomia, independência e serenidade. Daí resulta também o compromisso com a ampliação da capacidade de o Estado oferecer respostas efetivas no combate à corrupção.

Assim chegamos ao ponto culminante do projeto Dez Medidas, entregando à sociedade o resultado da campanha por ela mesma protagonizada: dois milhões de assinaturas de que somos depositários, para que ela própria o apresente ao Congresso como sinal da esperança coletiva de aperfeiçoamento do combate à corrupção.

Por NICOLAO DINO, 52, é subprocurador-geral da República e coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal

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