Por Márcio Berclaz
Quem explica o “tempo” do Supremo Tribunal Federal, ou mais especificamente do Relator Ministro Teori Zavascki, no julgamento do pedido cautelar de afastamento do Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)? Foi este o tempo “devido” ou de algum modo justificado, seja pelo recesso forense – ressalte-se: apenas de 20 de dezembro a 01 de janeiro – seja pelo nem sempre usual contraditório prévio estabelecido, ainda que se tratasse de tutela de natureza cautelar?
A questão não era urgente e, portanto, passível de ser apreciada em regime de plantão judicial mesmo no período do recesso? E mesmo que excluído o recesso, da última conclusão ao Relator em meados fevereiro até o começo de maio, especialmente considerando o contexto e a natureza dos fatos envolvidos, não teria decorrido tempo demasiado para a análise do caso?
Por que o Supremo conseguiu extrema agilidade de dias para pautar questões como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 378 do rito do impeachment – proposta em 03/12/15 e julgada de modo definitivo em 17/12/15 -, a ADPF n. 402 proposta pela agremiação partidária Rede Sustentabilidade – proposta em 03/05/16 e pautada para 05/05/16 -, a discussão da nomeação de Lula Ministro, e demorou mais de cinco meses para julgar o pedido liminar de afastamento cautelar de Eduardo Cunha como Presidente da Câmara?
Quando depende do Relator dizer que o processo está pronto para julgamento e, por outro lado, quando o Presidente da Corte pode adotar medidas diretas ou indiretas para mudar esse quadro caso? Conforme sugerido pelos meios de comunicação, foi preciso que o Relator pensasse que seria “atropelado” por outro pedido similar para colocar, enfim, o caso em pauta? Foi isso mesmo?
Qual foi o principal motivo para a liminar dada, segundo indicado, às pressas e de última hora quando, desde a sua postulação, a Procuradoria-Geral da República já indicava a urgência? Esperar que o Congresso examinasse a possibilidade de afastar ou cassar o mandato do Deputado “interna corporis”? Aguardar a abertura do impeachment para que não se dizesse que a Corte Suprema teria interferido no processo? A indiscutível iminência do impeachment colocando Eduardo Cunha como sucessor do provável novo Presidente interino? A pressão da mídia ou popular ou outra razão desconhecida e não propriamente justificada? Veja-se quanta especulação é possível a partir desta lamentável ocorrência.
Indo na raiz da questão, teria um Ministro do Supremo Tribunal Federal mais prazo do que qualquer juiz de direito, federal ou do trabalho para apreciar uma cautelar ou tutela de urgência? Ou todo o juiz pode receber uma cautelar com pedido de liminar no recesso e só apreciá-la quase cinco meses depois?
É possível que o simples fato de se ocupar a presidência de um poder (ou mesmo a relatoria de um processo) qualquer outorgue prerrogativas quase ilimitados e sem qualquer tipo de controle ou com ampla margem de discrição? A propósito, a respeito desse mesmo tema, ainda que sob outro enfoque.
Algo poderia ter sido feito pelo titular da Presidência do STF, a quem cabe zelar pelas prerrogativas da Corte, representá-la perante demais poderes e autoridades e dirigir trabalhos para mudar o quadro dos acontecimentos, lembrando que ao ocupante deste relevante cargo, tudo nos termos do Regimento Interno, também cabe decidir processos urgentes durante férias ou recesso ou delegar isso a outro Ministro?
Estamos diante de um assunto relativo aos limites do poder, de direito constitucional, portanto. A autonomia de quem preside qualquer poder como mero representante não pode ser ilimitada! A democracia não convive e não pode ficar a mercê de casuísmos (que dão margem a variadas hipóteses interpretativas), especialmente quando, a partir de critérios objetivos, discute-se o papel e o funcionamento das instituições e, inclusive, a interferência de um poder sobre o outro, em tempos em que se reacende o debate entre direito, poder e democracia na intercessão do político com o jurídico.
Eventuais temperos políticos necessários ao jurídico ou na própria interpretação e aplicação da Constituição devem ser sustentados e fundamentados juridicamente (por exemplo, o constitucionalismo dialógico de Roberto Gargarella, que propõe um diálogo constitucional).
O fato ocorrido, independente do gosto ou não, do acerto ou não pelo resultado dado – para o que concorrem outros debates (como a possibilidade ou não da prisão de Eduardo Cunha não postulada pela PGR, a possibilidade de mero afastamento da Presidência ou, como ocorreu, afastamento da Presidência e do mandato propriamente dito – não estaria a indicar necessidade de maior debate crítico sobre o Regimento Interno do STF aprovado em 1980, em especial o artigo 21 e seus poderes desmedidos e ilimitados para o Relator de julgamento colegiado?
Se não for caso de emenda (já existiram mais de 49 Emendas desde a abertura do regimento) ou ato regimental, não será, hipótese a ser disciplinada, pelo menos, mediante resolução?
Enfim, será que o Regimento Interno do STF dispõe de critérios objetivos para evitar que o lamentável episódio se repita?
Essa mesma questão não deveria ser pesquisada e debatida em relação aos demais orgãos colegiados? Qual o limite do “poder de agenda” e pauta do Relator de qualquer processo submetido à órgão colegiado?
No mínimo, especificamente para esse caso concreto, precisa-se saber o motivo e o porquê da demora ou com razão estará Salah Khaled Junior, ao afirmar que “o tempo do Judiciário é de exceção”. Como bem alerta Lenio Streck, em texto específico sobre a questão, “cuidado, o que hoje parece ‘bonito’ amanhã poderá ser ‘feio’ (…)”. O argumento da “excepcionalidade” é sempre um problema.
O mais curioso é que o questionamento foi feito pelo próprio requerido da medida, o mais beneficiado pela demora – “Se era urgente, por que esperaram seis meses para julgar o pedido de afastamento?”. Diga-se, por justiça, que dado de 2014 indicava que o Ministro Teori Zavascki era o Ministro mais célere na apreciação de uma liminar, precisando em média de 15 dias, havendo, com base na mesma pesquisa, outros dados que o qualificam como um dos julgadores mais céleres e eficientes do STF.
Na pior das hipótese – repetindo questionamento já feito inicialmente, considerando que o artigo 16 do Regimento Interno diz que “os Ministros têm as prerrogativas, garantias, direitos e incompatibilidades inerentes ao exercício da magistratura”, ao admitir a chancela do ocorrido, qualquer magistrada ou magistrado poderá agir da mesma forma. Poderá qualquer juiz dizer que não tem prazo e que está examinando? Se há uma relação conflituosa do STF com o tempo, certamente o mesmo não deixa de ocorrer com o acervo todo e qualquer órgão colegiado ou membro do Poder Judiciário.
Márcio Berclaz é Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Direito das Relações Sociais pela UFPR (2013/2017), Mestre em Direito do Estado também pela UFPR. Integrante do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público e do Movimento do Ministério Público Democrático. Membro do Núcleo de Estudos Filosóficos da UFPR.

Autor dos livros: “Ministério Público em Ação” (4a edição – Editora Jusvpodium, 2014) e “A dimensão político-jurídica dos conselhos sociais no Brasil: uma leitura a partir da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico” (Editora Lumen Juris, 2013).