12/09/2016
Brasil: a crónica de um congresso do Ministério Público Democrático


Embora apoiando as investigações da operação “Lavajato”, muitos eram os congressistas que encaravam reservadamente o processo de “impeachment”

Por António Cluny
1.Tive, recentemente, a oportunidade de participar no V Congresso do movimento do Ministério Público Democrático (MPD) brasileiro.
Diferentemente de outras associações, o MPD assume-se como uma associação não corporativa e de intervenção crítica na busca do aprofundamento do modelo constitucional do MP brasileiro.
A Constituição de 1988 conferiu ao MP brasileiro um vasto leque de atribuições e a legislação apetrechou-o com instrumentos jurídicos e processuais, no âmbito da jurisdição civil e administrativa, que lhe permitem concretizar, efetivamente, essas obrigações.
Constituindo-se como um verdadeiro catalisador da sociedade civil, no âmbito da afirmação e defesa dos direitos sociais, ambientais e culturais, o MP tem, com efeito, desenvolvido uma ação incontestável na efetivação dos direitos constitucionais do povo brasileiro.
2. O MPD, interpretando a vontade dos constituintes, procurou sempre aprofundar as estratégias e procedimentos jurídicos e processuais, capazes de permitir aos «promotores» – assim se designa a maioria dos membros do MP brasileiro – exercer criteriosamente a sua função de apoio ao desenvolvimento e sedimentação da cidadania.
Claro está que, num tal fórum cívico, não podia ser estranho o facto de a participação dos congressistas ser intensa e livre, tanto na expressão das ideias e das críticas, como, inclusive, no plano da formulação de projetos.
Contrariamente ao que por cá vai agora acontecendo – onde os congressos judiciais se vêm convertendo, cada vez mais, numa espécie de missa cantada, mas sem intervenção real dos participantes -, o V Congresso do MPD revelou uma atitude geral de liberdade na crítica à intervenção do MP e às suas dificuldades para, por vezes, conseguir concretizar as suas competências constitucionais.
Para isso, concorreram, também, os inúmeros e corajosos convites dirigidos a personalidades exteriores ao MP, que, acompanhando e tendo, além disso, aprofundado conhecimento da vida desta instituição, não se eximiram, pois, de interpelar diretamente as chefias do MP, os procuradores e promotores presentes.
3. Num tal cenário, não podiam, portanto, os congressistas ficar alheios à atualidade política do Brasil.
Fácil foi, por isso, constatar que, embora, em geral, apoiassem as investigações judiciais contra a corrupção no âmbito da chamada operação «Lavajato», muitos eram, também, os que, separando planos, encaravam mais reservadamente o processo de impeachment contra Dilma Roussef.
Nos tempos livres e mesmo durante as sessões, direta ou apenas implicitamente, o tema de tal processo esteve presente e foi sendo abordado de diversos pontos de vista.
Não foi, contudo, fácil aos congressistas explicar aos portugueses e a um magistrado italiano, também presente, a natureza desse processo.
Este, dirigido embora pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, é, de facto, decidido por senadores que, não sendo verdadeiros juízes nem jurados independentes, têm, como é óbvio, interesse político no desfecho do «julgamento».
Esta mistura de protagonistas institucionais integrantes de poderes de estado diferentes, num processo que, ademais, não se consegue perceber se se centra num juízo jurídico ou político, só pode, de facto, conduzir a confusões perigosas para a democracia.
Pretendeu-se, afinal, julgar política ou juridicamente a ação de Dilma?
Esta foi a questão para a qual não obtivemos resposta óbvia.
António Cluny é procurador-adjunto de Portugal, ex-presidente da Medel e representante português perante a Eurojust
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