(03/04/17) MP NO DEBATE Particularidades atuais da quebra de sigilo bancário (parte 1)

Por Rogério Alvarez de Oliveira e Wanessa Gonçalves Alvarez
O sigilo bancário é uma garantia constitucional vinculada à intimidade e à vida privada e se caracteriza como direito fundamental inserido no artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, que resguarda a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, ressalvando a acessibilidade somente por ordem judicial, na hipótese e na forma estabelecida pela lei para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Referida garantia é resguardada como cláusula pétrea pelo artigo 60, parágrafo 4º do Texto Constitucional, não podendo sofrer alterações tendentes à sua redução por meio de emenda constitucional. Entretanto, tal norma deve ser lida em conjunto com o artigo 192 da mesma ordem constitucional, que dispõe a respeito da necessária regulamentação do sistema financeiro nacional por normativa complementar, o que ocorreu por meio da recepção material da Lei Ordinária Federal 4.595/1964, com status de lei complementar, e da edição das leis complementares 104 e 105, ambas de 2001.
A Lei 4.595/1964 dispõe sobre as instituições monetárias, bancárias e creditícias, além de criar o Conselho Monetário Nacional. Por sua vez, a LC 104/2001 deu nova redação ao artigo 198 do Código Tributário Nacional, vedando a divulgação de dados fiscais e bancários e estabelecendo ressalvas quanto à investigação ou à instrução criminal, quando no interesse da Justiça e ainda às representações fiscais para fins penais.
Mas o principal diploma hodierno sobre o sigilo bancário é a Lei Complementar 105/2001, que impõe às instituições financeiras a conservação do sigilo em suas operações ativas e passivas e dispõe, em seu artigo 1º, parágrafo 3º, sobre diversas hipóteses que não caracterizam violação do dever de sigilo, como a troca de informações entre instituições financeiras para fins cadastrais, a comunicação às autoridades competentes da suposta prática de ilícitos penais ou administrativos quando os recursos possuam origem criminosa, além da revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados.
A norma legal elenca diversas hipóteses em que é possível a quebra do sigilo bancário, diretamente (artigo 6º) ou por concessão de ordem judicial (artigo 1º, parágrafo 4º e outros). O parágrafo 4º do citado artigo 1º prescreve que a quebra de sigilo bancário poderá ser decretada para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial e especialmente nos crimes de terrorismo, tráfico ilícito de drogas, previstos na Lei Federal 7.492, praticados contra a administração pública, contra a ordem tributária e previdência social, lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores e praticados por organizações criminosas, nos moldes do artigo 5º, inciso XII do texto magno. Assim, difícil não constatar quão exemplificado é referido rol, que não exclui a quebra do sigilo bancário para outros fins não penais.
Importante esclarecer que um suposto alargamento inconstitucional do artigo 5º, incisos X e XII, da Carta Republicana, foi afastado pela corte constitucional que ratificou a constitucionalidade do artigo 5º da LC 105/2001, norma que impõe o dever de as instituições financeiras informarem periodicamente à Receita Federal as operações financeiras que exorbitem valores determinados (ADI 2390/DF, ADI 2.386/DF, ADI 2.397/DF e ADI 2.859/DF, rel. min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016).
Importa também ressaltar o Decreto Federal 3.724/2001, que regulamenta o artigo 6º da lei em referência (LC 105/2001) no âmbito federal e trata da possibilidade de exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras pelas autoridades e agentes fiscais tributários de todos os entes federativos quando existir processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, sendo tal análise considerada indispensável pela autoridade administrativa competente.
Sua constitucionalidade foi atestada pela corte suprema, sendo possível ao Fisco requisitar diretamente de instituições financeiras informações bancárias sobre os contribuintes sem a intervenção do Poder Judiciário, nos termos do Informativo 815 do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.390). Assim, as autoridades e os agentes fiscais tributários podem requisitar de instituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias de contribuintes. Entendeu a corte que não se trata efetivamente da quebra de sigilo bancário, mas de mera transferência sigilosa de informações das instituições financeiras ao Fisco, pois os dados seguem protegidos pelo sigilo fiscal, sendo alterado somente o órgão protetor.
Igualmente, os estados e municípios, por meio de suas autoridades fiscais tributárias, podem requisitar informações financeiras nos moldes do artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, desde que regulamentem referida norma, como feito no âmbito federal por meio do Decreto Federal 3.724/2001, respeitando as condicionantes de prévia notificação do contribuinte quanto à instauração de procedimentos, sujeição do pedido a superior hierárquico e mecanismos de apuração e fiscalização, sujeitando-se à punição quaisquer desvios com pena de reclusão nos termos da lei complementar (artigo 10).
Cabe salientar que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a LC 105/2001 deve instrumentalizar o combate à sonegação fiscal e que o direito fundamental ao sigilo financeiro não deve se sobrepor à solidariedade social. O entendimento da corte no sentido de constitucionalidade da requisição direta de dados pela Receita Federal traduz relevante avanço hábil a coibir diversos ilícitos, como a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro (ADIs 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859 e do RE 601.314 – repercussão geral).
O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, já possuía semelhante entendimento desde o julgamento de recurso especial repetitivo sobre o tema (Resp 1.134.665/SP), relatado pelo ministro Luiz Fux, quando ratificou a possibilidade de solicitação direta pela autoridade fiscal às instituições financeiras, desde que no âmbito de processo administrativo fiscal, para fins de constituição de credito tributário.
Assim, além da exceção disposta no artigo 5º, inciso XII, do Carta Republicana, a mencionada lei complementar regulamenta a possibilidade de compartilhamento de informações financeiras por diversas formas, diretamente ou meio de ordem judicial, seja em processo criminal ou cível, o que demonstra que a caracterização do sigilo como direito fundamental não o impõe como mandamento absoluto, sendo necessário sopesá-lo quando em conflito com outros direitos, ao menos este foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 70.814-5/SP, relatado pelo ministro Celso de Mello, quando fora relativizado o sigilo de correspondência de presos.
Ratificada a constitucionalidade da LC 105/2001 e do decreto que regulamenta seu artigo 6º, constata-se que a legislação de regência concedeu prevalência ao interesse público frente ao direito individual de proteção ao sigilo bancário. Parte-se, portanto, para a ideia de que, além de constitucional, referida quebra de sigilo bancário, quando instada em procedimento preparatório, será eficaz se realizada inaudita altera parte, ou seja, sem a aplicação prévia do contraditório, pois, analogamente à prática do flagrante diferido, é necessário aguardar o momento mais oportuno sob o ponto de vista de colheita de provas para publicizar a investigação, sendo realizado o contraditório de forma postergada, sob pena de transferência e remanejamento de bens. Reforça tal entendimento o fato de que as informações bancárias colhidas referem-se a fatos passados.
— Barros, Flávio Monteiro. Manual de Processo Civil. Editora MB. 2016.

— Didier Júnior, Fredie. Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira. 11 Ed. Salvador. Ed. Jus Podivm, p. 142. 2016.

— Mirabete, Júlio Fabbrini. Execução Penal, Fls. 146/147. 2 Edição. 1998. Editora Atlas.

— Neves, Daniel Amorim Assumpção. Ações Probatórias Autônomas. p. 21. 2008, Saraiva.

— Souza, Antonio Fernandes de Barros e Silva (procurador-geral da República) e Araújo, Lindôra Maria de (procuradora da República e diretora-geral da Escola Superior do Ministério Público da União). Quebra de Sigilos Bancário e Fiscal – MPF e MP-DFT, 2006, Brasília.

— Yarshell, Flavio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. P. 301. 2009. Malheiros.
Rogério Alvarez de Oliveira é promotor de Justiça e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático.
Wanessa Gonçalves Alvarez é analista de Promotoria
Clique aqui para ler o original no Conjur
Imagem: Arquivo/web