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O MPF no combate ao tráfico e exploração sexual de mulheres brasileiras
Por Fernanda Teixeira Souza Domingos
Com a recente edição da Lei n.13.344, de 06 de outubro de 2016, foram revogados os artigos 231 e 231-A do Código Penal que dispunham, respectivamente, sobre o tráfico internacional e o tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, tendo sido substituídos pelo artigo 149-A, que, em consonância com o Protocolo Adicional à Convenção de Palermo Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, internalizado no ordenamento pátrio pelo Decreto nº 5.017, de 12/03/2004, estabelece como crime as condutas de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com as finalidades de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo; submissão a condições análogas à de escravos; submissão a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal ou exploração sexual.
O tráfico internacional de pessoas, isto é, a retirada da vítima do território nacional passou a ser causa de aumento de um terço até a metade, agravando sobremaneira o delito cuja pena agora varia de 4 a 8 anos e multa.
Os artigos 231 e 231-A, ora revogados, já haviam substituído antiga redação que criminalizava somente o tráfico de mulheres para fins de prostituição, passando a tratar da exploração sexual de pessoa, aumentando portanto o leque das vítimas ao reconhecer a triste realidade do tráfico para exploração sexual de qualquer ser humano.
A nova lei, sem diminuir a importância do combate ao tráfico de pessoa para fins de exploração sexual, criminalizou o tráfico de pessoa para as demais finalidades, empoderando os agentes públicos de combate a esses delitos ao fornecer-lhes instrumento jurídico mais amplo possibilitando a punição pelas diversas condutas envolvidas na atividade do tráfico de pessoas.
No que toca ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, como já mencionado, houve considerável aumento na penalização, posto que as penas passaram de 2 a 6 anos, no caso do tráfico interno, para 4 a 8 anos, e para o tráfico internacional de pessoas, as penas passaram de 3 a 8 anos para 4 a 8 anos com a causa de aumento da retirada do território nacional aumentando a pena de um terço até a metade, isto é, podendo chegar a 12 anos nos casos mais graves.
Ao Ministério Público Federal cabe investigar e processar os casos do tráfico internacional de pessoas devido à transnacionalidade do delito, nos termos do artigo 109, inciso V da Constituição Federal, cuja execução se inicia em território nacional e produz resultado no exterior, tendo a conduta sido objeto de tratado internacional, no caso o Protocolo Adicional à Convenção de Palermo. Note-se que a introdução da vítima de tráfico de pessoa em território nacional não enseja a causa de aumento.
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, não é demais lembrar que conquanto a legislação tenha prestigiado a proteção da pessoa, especialmente no que toca ao tráfico para a exploração sexual, esse é um delito substancialmente de gênero.
Quem lida com a matéria na prática pode, empiricamente, afirmar que estão entre os mais vulneráveis ao tráfico internacional para exploração sexual as mulheres, as crianças e os homossexuais e transgêneros.
Segundo pesquisa da ENAFRON – Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas na área de Fronteira, 75% das vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual era composto por mulheres, adolescentes e crianças entre os anos de 2007 e 2010. Esse dado revelado pelo relatório do UNODOC de 2012 aponta que esse crime tem especial conotação de gênero, sendo as vítimas em sua maioria mulheres.
O Relatório Nacional sobre tráfico de pessoas do Ministério da Justiça- dados de 2013, elaborado em uma parceria da Secretaria Nacional de Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, data de 2013 e reúne informações de diferentes instituições e organizações, principalmente do sistema de justiça e de segurança pública, sendo o sistema de saúde também fonte relevante de dados. Os dados oriundos das diversas fontes deixavam entrever em 2013, que no tráfico de pessoas com a finalidade de exploração sexual, as mulheres eram as principais vítimas.
O relatório do UNODOC de 2016 sobre tráfico de pessoas mostra claramente que o tráfico para fins de exploraçãosexual é o que alcança maior porcentagem durante os anos de 2007 a 2014, variando entre 59% a 54% no período, dentre as outras formas de tráfico de pessoas. O relatório global ainda mostra que na América do Sul a maior porcentagem ´das vítimas traficadas é do gênero feminino, sendo 61% de mulheres e 39% de meninas, certamente porque nessa região a finalidade precípua do tráfico de pessoas é para a exploração sexual.
O Ministério Público Federal criou em dezembro de 2012 o Grupo de Trabalho sobre Tráfico de Pessoas que se dedicou a examinar esse delito, culminando com a elaboração de um Roteiro de atuação sobre o Tráfico Internacional de Pessoas visando a aperfeiçoar a atuação dos procuradores da república, sugerindo uma forma de atuação centrada na vitima, na tentativa de minimizar os danos sucessivos aos quais esta fica submetida ressaltando a necessidade de humanizar o processo penal e compreendendo que o consentimento dado em situação de extrema vulnerabilidade deve ser desconsiderado.
O Combate ao Tráfico de Pessoas passou a ser desde então tratado como tema prioritário pelo Ministério Público Federal, face ao compromisso internacional firmado pelo Brasil. Findo o prazo do Grupo de Trabalho, o tema passou a ser tratado, a partir de agosto de 2016, tanto pela perspectiva do Grupo de apoio ao combate à escravidão contemporânea, quanto pela perspectiva do Grupo de Trabalho sobre crimes das regiões de Fronteiras, criado pela Portaria n 218, de 9 de novembro de 2016, com o objetivo de articular estratégias para combater a criminalidade existente nas fronteiras do País, dentre elas o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, além do contrabando e descaminho. Isto porquê as rotas migratórias transfronteiriças são também aquelas por onde as pessoas traficadas são transportadas, muitas vezes sem que haja irregularidade migratória, o que torna mais complexo aos agentes envolvidos no combate a essa prática perceber os sinais de traficância humana.
Também a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do MPF, desempenha importante papel na articulação com outros órgãos nacionais e internacionais para o fim de identificar as ações de prevenção ao tráfico de pessoas e de atenção às vítimas, complementando as ações de repressão e responsabilização da atuação criminal, estando contemplados os três grandes eixos de atuação no combate ao tráfico de pessoas, especialmente aquele com finalidade de exploração sexual do qual o gênero feminino tem se mostrado o mais atingido em nosso País.
Os três eixos de atuação vêm previstos no Protocolo Adicional à Convenção de Palermo e integram a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Assim, o Ministério Público Federal tem importante papel no âmbito repressivo ao procurar difundir uma atuação que passa a enxergar a vítima “não apenas como fonte de prova, mas como pessoa, verdadeira titular de direitos.” Com a nova legislação, também o eixo repressivo ganhou a possibilidade de formação de equipes conjuntas de investigação da polícia e do Ministério Público brasileiros com seus congêneres em outros países além de ver incrementados os instrumentos de investigação com acesso facilitado a dados pelos agentes de investigação.
Quanto aos eixos de prevenção e proteção e assistência das vítimas, embora dependam de ações do Poder Executivo na implementação das políticas públicas que darão cumprimento ao disposto na lei, como, dentre outras medidas, no aspecto da assistência, o acolhimento em abrigo provisório, a preservação da intimidade e da identidade, prevenção à revitimização no atendimento e nos procedimentos investigatórios e judiciais, e, no aspecto da prevenção, a implementação de medidas intersetoriais e integradas nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança pública, justiça, turismo, assistência social, desenvolvimento rural, esportes, comunicação, cultura e direitos humanos são todas medidas onde o MPF deve atuar como articulador dessas políticas entre os diversos órgãos e instituições envolvidas como já vem fazendo em sua atuação na área da Tutela Coletiva.
Com o arcabouço legislativo aprimorado, o combate ao tráfico de pessoas e notadamente aquele com a finalidade de exploração sexual, ganha importantes instrumentos com os quais a atuação do Ministério Público em rede e cooperação doméstica e internacional terá possibilidades de maior efetividade. Porém, ainda é premente a necessidade de dados mais precisos sobre essa criminalidade a fim de subsidiar as ações de prevenção, repressão e assistência, especialmente ações voltadas às maiores vítimas em nosso País, que sabemos serem as mulheres.
Bibliografia
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SNJ – Secretaria Nacional de Justiça. Pesquisa ENAFRON – Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas na área de Fronteira.
Disponível em http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos-pesquisas/pesquisa_-enafron_202x266mm_1710_19h00_web.pdf
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SNJ – Secretaria Nacional de Justiça. Tráfico de Pessoas: Uma abordagem para os Direitos Humanos. Brasília, 2013. Edição do Autor.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão. Ministério Público Federal. Roteiro deAtuação : Tráfico Internacional de Pessoas.2014.
SOUSA, Tania Teixeira Laky de. Tráfico Internacional de Mulheres: Nova Face de uma Velha Escravidão. São Paulo, 2013.
UNODOC. 2016_Global Report on Trafficking in People.
Texto confeccionado por: Fernanda Teixeira Souza Domingos. Diretora de Cidadania e Direitos Humanos do Movimento do Ministério Público Democrático e procuradora da República em São Paulo com atuação na área de cidadania, enfrentamento à redução à condição análoga a de escravo, ao tráfico de pessoas e combate aos crimes cibernéticos violadores de direitos humanos.
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Imagem: Arquivo/Web