Por Carlos Diogo Santos

São três os motivos que fazem o Brasil estar mergulhado na incerteza política: uma Justiça de primeiro mundo, políticos de quarto mundo e uma sociedade bipolarizada em direita e esquerda
Se a bandeira verde e amarela representasse apenas Brasília e não o país inteiro, o melhor seria recolhê-las a todas, agora, para trocar a atual inscrição por “Desordem e Retrocesso”. Nas últimas horas, o Brasil tem vivido debaixo de fogo por três motivos: tem uma Justiça de primeiro mundo, políticos de quarto mundo e uma sociedade bipolarizada em direita e esquerda. Nas ruas, são muitas pessoas a viver cada guerra interna como se de uma vitória nacional se tratasse – esquecendo-se que a cada uma o país fica mais frágil.
Não estou com isto a defender que Dilma não devia ter caído ou que Temer não tem de sair, bem pelo contrário. O que estou a dizer é que não vejo na queda de nenhum deles qualquer motivo para festejar, não vejo qualquer vitória da Nação ou de fações, a não ser a da Justiça. Mas essa vitória – essencial em democracia – já está a ter um preço nas condições de vida das pessoas.
Muitos dizem que a Operação Lava Jato está a por em causa o futuro político, mas a questão é a de saber se o futuro que se queria era o das luvas, o dos subornos, o da ilegalidade, o dos políticos que não têm legitimidade para governar – sim, quem depois de legitimado comete crimes deixa de o estar.
Michel Temer, por exemplo, sabia que a máquina da Lava Jato estava em andamento e mesmo assim terá aceitado manter-se no esquema de corrupção, autorizando que fossem pagos subornos ao antigo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (grande impulsionador do impeachment de Dilma Rousseff) para que este se mantivesse calado.
Bem sabemos que um animal enraivecido – como é o caso de Cunha desde que foi detido – leva tudo e todos à frente. E Temer também o sabe: “Tem que manter isso [os subornos], viu?”, comentou em Março o atual presidente do Brasil com Joesley Batista, um empresário que aceitou agora colaborar com a Justiça para ver reduzida a sua pena. Joesley entregou inclusivamente as gravações dessas conversas com Temer.
O Brasil está em chamas e prevê-se que Temer seja obrigado a sair em breve – nem poderia ser de outra forma. Desde que este novo escândalo rebentou do outro lado do Atlântico foram várias as pessoas conhecidas com quem falei para perceber a dimensão do problema. Uma delas foi o procurador Roberto Livianu, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, que em poucas palavras tocou nas feridas. Pedi-lhe que me autorizasse a contar aqui o essencial da nossa conversa.
Limpeza das velhas raposas No início perguntei-lhe como é que o Ministério Público lidava com o facto de esta investigação ter consequências astronómicas para o Brasil. A resposta não se fez esperar: “o trabalho da Lava Jato tem sido o de tornar real o princípio de que todos são iguais perante a lei de forma inédita”. E continuou: “Estamos concretizando a Constituição Federal”.
Quanto à incerteza política em que esta mega investigação tem mergulhado o país, o procurador brasileiro afirmou que a “limpeza” há muito que era necessária, para “enterrar as velhas raposas da política”: “O Brasil tem um conjunto dessas velhas raposas, até porque não há limite de mandatos no poder legislativo – o que é nefasto”.
E essa limpeza não pode ser feita apenas pela Justiça, é preciso também que os brasileiros a façam na hora de votar e é imperativo um novo sistema político, acrescentou o presidente do instituto que tem tido um papel muito ativo na luta contra a corrupção naquele país.
“É preciso uma reforma política e os partidos políticos também apodreceram, porque têm um comportamento de empresas, sentem-se acima de tudo, agem ao arrepio da lei e proliferam de forma absurda. Temos 35 partidos, que na prática são grupos que preencheram condições legais. Com isso, conseguem tempo na propaganda, conseguem coligações e ainda condições para fazer chantagens. Fazem como os gangues”, referiu Livianu, rejeitando que a Lava Jato seja resultante da coragem do juiz Sérgio Moro ou dos procuradores.
“A Lava Jato existe por haver cara de pau dos canalhas que ocupam cargos de poder no país. Então o MP está cumprindo o seu papel”, atirou, garantindo que a prisão de Eduardo Cunha e o cerco montado a Aécio (do PSDB) é a maior prova de que o “MP sempre agiu de forma apartidária e técnica”, sem haver qualquer perseguição direcionada ao PT de Lula e Dilma.
Outro procurador com quem falei ontem e que pediu para não o identificar dado o momento conturbado do país também frisou que o Ministério Público brasileiro é totalmente independente do governo, o que lhe garante autonomia total para atuar.
Os brasileiros devem orgulhar-se por isso da sua Justiça, sem grandes festejos de fações políticas. Devem estar todos juntos contra a corrupção – deve ser por isso que as panelas e os gritos se devem fazer ouvir. E se assim for, não têm razões para se preocupar com a sua bandeira, essa manterá o lema Ordem e Progresso.
*Estudante MBA Atlântico

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