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Foto: Antoninho Perri/Ascom Unicamp

Doutor em Ética e Filosofia, Roberto Romano defende que o debate político precisa abandonar, com urgência, pressupostos discursos ideológicos e ser direcionado para a resolução dos problemas sociais. Em entrevista à MPD Dialógico edição 46 – Ética Crítica (acesse aqui versão completa da revista e edições anteriores), expõe que esta é uma questão fundamental para salvar a República porque, devido às crises econômica e institucional, “estamos num momento decisivo do país e qualquer exagero pode levar ao desmoronamento da sociedade”. Aos 69 anos, o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) argumenta que existe uma combinação entre comportamento ético e prática política, a qual se mostra como nociva e danosa ao Brasil. Segundo explica, o país vive um falso processo democrático cuja administração pública está estruturada numa arcaica e perigosa concentração de poder que não cumpre integralmente o seu papel de Estado. Além disso, entende que a corrupção é sistêmica e relacionada a uma sociedade violenta, não igualitária e envolvida com pressões econômicas e de poder. Duas vezes vencedor do Prêmio Defesa dos Direitos Humanos concedido pela Associação Juízes para Democracia (AJD), Romano sugere que algumas possíveis soluções são a democratização dos partidos e a promoção de “um diálogo cada vez maior ao contrário dessa guerra de ódio que se estabelece no cotidiano entre as facções políticas”.

MPD Dialógico: Até que ponto ética e política são como água e vinho e não se misturam?

Roberto Romano: Na verdade, elas se misturam perfeitamente, mas depende do que se indica por ética. A concepção comum sobre a ética a trata como um conjunto de doutrinas e valores corretos e que trazem, digamos, melhorias para a sociedade. Ética não é só isso, mas todo tipo de comportamento, pensamentos e doutrinas que trazem para a sociedade uma reiteração ou modificação da vida coletiva. Então, a ética política pode ser boa ou péssima. Existe sim ética na política brasileira. Trata-se de um amalgama de comportamentos nocivos e danosos, cuja prática vem desde longa data. Este é o primeiro ponto. É muito difícil, na análise ética, discriminar nos comportamentos o que neles existe de positivo, bom e belo para a vida social e o que existe de ruim. Muitas vezes as ações se misturam e um político pode fazer uma ação muito boa, mas aquela é somente uma parte da coisa visível e constatada, podendo ser que os motivos dele não sejam tão bons. Existem ações trincadas e de difícil análise. Muito raro que um partido político seja sempre bom. Em primeiro lugar, porque nele pode existir tendências não tão boas, que mimetizam um comportamento correto até por oportunismo. Talvez surjam, nos partidos, pessoas de comportamento péssimo que se aproximam dos bons políticos por vários interesses, do econômico ao eleitoral. A pesquisa no campo ético, portanto, precisa estar atenta aos matizes dos grupos e personalidades. Jamais pode enunciar que certo coletivo “é” bom ou ruim, sem paciente análise comportamental, de caráter, etc. Não raro, pessoas com boas intenções marcam sua atuação por um grave autoritarismo, o que proporciona inclusive a atividade de corruptos que se valem da boa fama daquelas pessoas retas. Durante a Revolução Francesa, com os jacobinos campeões da moralidade pública, Robespierre foi intitulado “o incorruptível” e ainda existiram bandidos que agiam ao lado e à sombra dos famosos líderes que lutavam contra a corrupção. E o próprio descaminho da Revolução deu-se nas hostes jacobinas, as que lutavam contra a antiga política corrompida. Foi dos jacobinos que surgiu o golpe decisivo que fulminou a Revolução, no termidor que restabeleceu a corrupção e o favorecimento dos que apoiavam o poder como política usual. O último discurso de Robespierre na Assembleia Nacional, depois de seu governo ortodoxo em termos morais, é elucidativo do problema: “Os bandidos venceram!”. Alain Badiou, importante analista da esquerda francesa, discorre sobre o fenômeno em um excelente artigo: “O que é um termidoriano?”. O escrito pode ser lido numa coletânea dirigida por K. Kintzler, La république et la terreur (Paris, Ed. Kimé, 1995). Outro livro importante que trata da corrupção no período jacobino é de Michel Benoit: 1793, la république de la tentation, une affaire de corruption sous la Ière Republique, (Paris, L’Armançon, 2008). Ninguém pode garantir que um partido, governo ou mesmo Estado (para não falar no coletivo religioso) seja hegemonicamente honesto ou desonesto. A pesquisa e análise exigem rigor epistemológico e prudência moral.

MPD Dialógico: Quais são, de fato, as raízes históricas da crise ética na política brasileira?

Romano: No momento, as análises sobre crise ética e política do Brasil não deixam as datas recentes, conjunturais e, muitas vezes, elas iniciam pelo resultado, quando deveriam se dirigir às origens. É preciso ter uma visão cronológica ampla para entender tais pontos importantes. O Brasil surge como coletividade no século 16 quando já se estabelecera na Europa e em Portugal o poder absoluto do rei. Tudo passava pela concentração de decisões, recursos financeiros inclusive, donde uma série de práticas se instaura no sentido de conseguir títulos, recursos pecuniários e poder. Esta era a prática de apoiar o rei. Outro elemento importante para acesso aos cargos e benefícios era a necessidade de encontrar padrinhos que ajudassem a chegar à fonte de benefícios, o próprio rei. Os historiadores do antigo regime descrevem muito bem esse tipo de prática. Era preciso ter uma espécie de corretor de favores. Com essa mediação é criado um favor. Quem recebe o benefício deve pagar ao rei e ao padrinho. Essa intricada forma absolutista domina o Brasil até hoje. Aqui, como não existe lealdade partidária, ocorre a lealdade de clãs oligárquicos – o político é leal a Renan Calheiros, José Sarney, Fernando Collor – organizadores e distribuidores de benefícios mútuos e não ideológicos.

MPD Dialógico: Como esta estrutura de favores se repete hoje?

Romano: O político importante favorece seus familiares, amigos e mesmo inimigos. Essa concentração de favores, verbas e títulos no poder central do rei e depois do imperador, continua no presidente. É uma péssima ética do favor. Em vez de procurar mecanismos impessoais e transparentes para qualquer ascensão política, o político está imerso na rede de favores. E, digamos, praticamente nenhum partido político foge desta estrutura. Esse é um grande facilitador da corrupção. Certo indivíduo ou grupo é ajudado a conquistar uma eleição e, na hora de ajudar por sua vez os que os socorreram, são duramente cobrados. É estabelecida uma lealdade perversa, sem nenhuma outra uma razão correta para aquele comportamento. A grande fábrica dos favores é a centralização do poder nos impostos, nas decisões das políticas públicas, com a inexistente autonomia dos estados e municípios. O prefeito precisa trocar favores com deputado estadual, deputado federal, senador para que estes políticos vendam esses favores para o Executivo, nas votações congressuais que interessem à presidência da república.

MPD Dialógico: Neste aspecto, quais são as semelhanças entre a crise política brasileira e de outros países?

Romano: A teoria política europeia tem estudado cada vez mais o apadrinhamento – uma prática que começou bastante forte nos Estados Unidos, no Século XIX, e existia na Inglaterra, Alemanha e Itália. Os partidos políticos disputam eleições e indicam, para as firmas estatais e privadas, funcionários que servem de sugadores de recursos para partidos e campanhas. Inclusive na Inglaterra do Século XIX, na localidade de Chatham, em 1842, os membros do partido vencedor mandaram cartas a Thomas Fremantle, dirigente partidário conservador que vencera as eleições, dele exigindo os cargos que estavam nas mãos dos perdedores. Quando fizeram a Operação Mãos Limpas na Itália, esta foi a prática mais comum existente – o partido político apadrinha sugadores de recursos. Para o assunto, mais que relevante no Brasil do vulgarmente chamado “Petrolão” e das delações premiadas que testemunham o conúbio entre partidos e empresas privadas ou públicas, os estudos que mencionei são estratégicos. Cito, entre vários, o artigo de Jens Ivo Engels: “La modernisation du clientélisme politique du XIX e e du XX e siècle. L ‘impact du capitalisme et des nouvelles formes d’organisation politique”in Monier, Frédéric (org.)Patronage et corruption politiques dans l ‘Europe contemporaine (Paris, Armand Colin, 2014). Também Bourne, John M.: Patronage and Society in Nineteenth Century England (London, Arnold Ed. 1986). Os trabalhos mais completos sobre o assunto são os produzidos por Sofsky, Wolfgang e Paris, Rainer: Figurationen sozialer Macht. Autorität – Stellvertretung – Koalition (Opladen, Leske und Budrich, 1991). A literatura é extensa, mas infelizmente pouco utilisada por análises brasileiras. Sobre a Itália e a Operação Mãos Limpas, cf. Briquet, Jean-Louis: “Les conditions de félicité d’une croisade morale. Lutte anticorruption et conflits dans l ‘Italie des années 1990 in Révue Internationale de Theorie du Droit et Sociologie Juridique número 72, 2009. Como se nota, o costume de colocar apadrinhados de partidos em empresas é antigo e internacional. No Brasil, pioramos a receita.

MPD Dialógico: Portanto, como analisar a atual crise?

Romano: O tempo da notícia e da comunicação é rápido e curto. Ele não oferece as condições de analisar o fato na sua amplitude e proporcionalidade. Nossa cultura é a da rapidez e da superficialidade. Não temos tempo para digerir os fatos. Quando impera a diacronia no plano da corrupção, um escândalo não acabou e outro já aparece. Isso leva ao cansaço até mesmo das boas autoridades. Esse aspecto deveria ser compensado em pesquisas e também no trabalho do Ministério Público, por uma análise sincrônica, isto é, sistêmica. Os escândalos resultam de uma forma estrutural do nosso poder de Estado e de sociedade que funciona sempre ao mesmo tempo. No mesmo instante em que se descobre, investiga e pune o Petrolão, no município X ocorre uma licitação errada, feita de propósito. Há um sistema sincrônico de corrupção, propriedade comum de todos os partidos políticos. Quando um partido promete acabar com a corrupção e não muda a relação do poder federal com estados e municípios, ele próprio é engolido pelo sistema. Foi o que aconteceu com o PT ou setores do PSDB no Mensalão Mineiro. Buscamos sempre as causas imediatas, as questões diacrônicas, mas não trabalhamos essas relações com os poderes federais e com a estrutura de Estado. Por exemplo, a questão federativa é sempre maltratada. Não se analisa como se constituiu o Poder Executivo contra e sobre as províncias e, posteriormente, os estados. Esta pauta é quase intocada. Evidentemente os problemas éticos vão continuar. Mas se não muda essa estrutura, os estados e municípios ainda serão reféns da troca de favores. Esse mecanismo não é apenas falta de ética individual, é sistêmica.

MPD Dialógico: Como reverter este cenário político?

Romano: O estado tal como vemos hoje passa por um enfraquecimento planetário. A máquina estatal brasileira é anacrônica. Os cidadãos no Brasil não são consultados. François Hotmann, no Franco Galia, importante livro sobre os direitos dos cidadãos e os limites a serem impostos aos governantes, diz que quando se trata de discutir questões de Estado, deve ser ouvido quem arca com as despesas e os recursos, os contribuintes. Nos países europeus e Estados Unidos, existem alguns mecanismos de consulta, no Brasil, temos o monopólio do Governo Federal que impõe políticas públicas sem consulta. Algumas coisas são caricatas como Kit Primeiros Socorros, foram impostos e aposentadas porque iam contra até mesmo a realidade geográfica do país. Há diferença entre o Sul e a Amazônia, onde os carros cedem lugar aos barcos… Todas as políticas públicas de educação, ciência e tecnologia, segurança são impostas de Norte a Sul ignorando-se as diversidades regionais e culturais deste imenso país. Há uma uniformização absurda a qual requer uma burocracia imensa que a autonomia dos entes federados. A máquina estatal brasileira não está, pelo menos informada, dos benefícios trazidos pelas Revoluções Americana, Inglesa e Francesa. A responsabilização do legislador e do gestor público exigiria atenuar a concentração dos poderes da presidência federativa. Alguns juristas chegam a dizer que nosso país ainda é um império, ou uma presidência imperial. Veja-se o artigo do professor Fábio Konder Comparato, “Réquiem para uma Constituição”. Eu acrescento que o poder central age como vencedor que exige dos vencidos o butim de 70% dos recursos. Se tivéssemos uma estrutura federativa de fato, o município, lugar que mais gasta em toda Federação, o orçamento mais importante seria o municipal, depois o do estado e finalmente o do Governo Federal.

MPD Dialógico: Como o senhor avalia a legitimidade das manifestações de 2015?

Romano: Na verdade eu começaria com as manifestações de 2013. Existe uma falsa ideia que o povo brasileiro é pacífico e não protesta por direitos. No século XIX, ocorreu a Revolução Farroupilha, além da Balaiada e de Canudos, todas esmagadas pelo monopólio da força física. Portanto, temos a manifestação de setores inteligentes contra forças do poder. Tais fatos se transformam em mito nas escolas, mas não se atenta para o aspecto político mais amplo. No século XX, a Ditadura Vargas ensinou o medo e não pacifismo para a população. A Ditadura de 64 também abusou da força física e do monopólio legal. Ao longo da história, o povo brasileiro foi às ruas para lutar contra o arbítrio e a tirania, mas acabou esmagado. Estamos longe de uma democratização política de fato. Com a queda da ditadura civil militar de 1964, houve a volta de civis ao poder. Essa é uma troca no plano político que não responde totalmente às aspirações populares. Tomemos por exemplo a inflação. Ela vem do abuso econômico e físico exercido na ditadura e ultrapassou limites terríveis no Governo Sarney. Ela continuou no período Collor. O desespero causado pela inflação é um grande instrumento de atemorização. Com o Plano Real, houve um alívio da cidadania. O que a fez escolher os dirigentes que garantiram aquele Plano, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio da Silva. O medo do retorno da inflação falou mais alto do que as ideologias políticas. Outras medidas governamentais pouco ajudaram a mudar a estrutura do poder e o abuso, entre nós, da norma jurídica e da força física. A Polícia continua torturando, os planos econômicos são impostos de cima para baixo. Se levarmos em conta as prescrições já seculares de Gabriel Naudé, nas Considerações políticas sobre o golpe de Estado (1640), todos os “planos econômicos” brasileiros foram golpes de estado, porque feitos no segredo e impostos ao país, sem a possibilidade de serem barrados. À medida que os serviços públicos pioram, um número crescente de cidadãos se organiza e se mostra cada vez mais insatisfeitos com o Estado e a estrutura política brasileira. E surgem manifestações de rua. Elas começam em 2013 com reivindicações de serviços básicos como transporte, educação, saúde, segurança. Em 2013, o povo saiu da anestesia gerada pelo Plano Real, que venceu a inflação temporariamente, mas que não ajudou a mudar o modo de governo e o andamento das políticas públicas no país. Claro que notícias como corrupção são elementos a serem acrescidos à gênese das manifestações. Ainda aquela falsa opinião de quem está na rua é de direita ou esquerda. Um erro basilar de análise política é restringir o debate sobre o caráter ideológico dos manifestantes, se eles são de esquerda ou direita. Mesmo que exista uma coloração de direita, o fato é que a grande massa está mesmo insatisfeita com o fisco brasileiro, a ausência de mudanças no campo, a precária oferta de serviços públicos, a ausência de segurança. As últimas notícias trazem à consciência o que todo brasileiro negro, pobre, ou pertencente a minorias conhece: a polícia do Brasil é uma das mais violentas do planeta.

MPD Dialógico: O que o senhor diria aos que defendem intervenção militar?

Romano: Isto é o produto do servilismo imposto pelas armas a partir do Século XIX. São pessoas intimidadas que têm a confiança no fuzil como garantia da Lei e da Ordem. Elas se enganam profundamente. Quanto mais o Estado abusa do poder, menos segurança coletiva existe. Uma propaganda insidiosa e anônima insiste em apresentar o brasileiro como povo corrupto. Mas, se pensarmos três minutos veremos que, num país de 500 anos, quem sempre teve a arma, e pode usá-la contra o cidadão desarmado, tem a força. O pagamento de propina entra nessa lógica do servilismo, pois é algo ensinado e reiterado para a população brasileira. É tão enraizada entre nós essa ideia do monopólio da força física. Quando foi instituído o Ato Institucional No5, alguém disse que o presidente da República recebia poderes tremendos e que ele poderia abusar. Como um bajulador afirmou que Arthur da Costa e Silva jamais abusaria daquele diploma, o vice-presidente Pedro Aleixo deu a famosa resposta: “o presidente não abusará, mas e o guarda da esquina?”. Ele perdeu a chance de substituir Costa e Silva em seu impedimento por doença, devido a semelhante resposta lúcida e corajosa. O monopólio da força física começa no alto, com o presidente, mas se efetua no revolver do policial, do guarda civil e até mesmo dos chamados “seguranças” que matam não raro impunemente. Assim, quando um polícia exige sua carteira e o ameaça de prisão, sugerindo algum “pedágio” para o livrar das penalidades, temos a corrupção do Estado e o terror armado contra o cidadão. Lembro novamente: no século XX duas ditaduras aumentaram o medo e o servilismo do povo. Por tal motivo é admirável o ressurgimento das manifestações públicas, mesmo sob forte repressão policial como ocorreu em 2013 e depois antes da Copa.

MPD Dialógico: Afinal, a sociedade brasileira é corrupta?

Romano: Eu diria que existe o jeitinho, mas é errônea a ideia que acadêmicos e jornalistas passam sobre a sociedade brasileira, como se sua essência fosse corrupta. Aqui temos práticas corruptas sim, como em toda sociedade. Quer sociedade mais hipócrita e corrupta do que a Suíça? Quando se falou muito, após pesquisa equivocada do IBOPE, sobre a vida nacional como uma das mais corrompidas do planeta, insistir junto aos jornalistas para o erro da avaliação. Certo dia, um jornalista começava com aquele enunciado como se fosse dogma. Disse-lhe: “alto lá! Tenho comigo, agora mesmo, um relatório sobre certa licitação fraudulenta em município… da Suécia”. Ouvi um resmungo e logo a entrevista foi finalizadas. A China a cada instante fuzila algum corrupto, sem falar nos Estados Unidos que tem muita corrupção, a Rússia, a Itália, etc. É preciso visão planetária para perceber o que nós realmente somos: uma sociedade violenta, regida pelo favor, não igualitária, p marcada pelas pressões do poder econômico e social, preconceituosa, inimiga das minorias, inimiga dos homossexuais, insensível ao sofrimento das mulheres e crianças batidas e violentadas pelos maridos e pais. Nossa ética não é bonita, vivemos a ética política do favor, da imposição, do não diálogo com o cidadão, que prioriza o Estado em detrimento da cidadania. Um exemplo de desrespeito ao cidadão e que demonstra uma absoluta dissimilaridade não democrática é quando o governante se torna mais importante que o governado. Quando apareceram denúncias de uso, por Sarney, de helicóptero que deveria servir à saúde da população (no itinerário de sua ilha da fantasia ao Palácio), o senhor Luís Inácio da Silva disse que ele não era um “homem comum”. Numa república e ainda mais, numa república democrática, não existem homens incomuns, ou nobres. Estaríamos longe de designar os poderosos e ricos como “boni viri” a exemplo da aristocrática Roma.

MPD Dialógico: Como renovar a política nacional sem falsas promessas?

Romano: O Brasil vai sair da UTI à medida que a população se manifeste, se precaveja, se prepare e exerça seu papel. Ela tem feito isso com algumas modificações importantes. Em 2013, existia no Congresso uma série de propostas como, por exemplo, a alteração da Lei da Improbidade Administrativa e a terrível PEC-37 que retirava do Ministério Público o poder de investigação. As manifestações daquele ano ajudaram a impedir essas desgraças. Por ação da cidadania, se conseguiu a Lei da Ficha Limpa. Portanto, pouco a pouco se adequa a administração pública à correta ética. Mas, ainda é preciso exigir a democratização dos partidos políticos porque eles são oligarquizados, constituem propriedade de grupos ou pessoas que lá estão há anos, conhecem todos os segredos partidários e não respondem aos militantes de base. Por último, o único recurso que a cidadania brasileira tem reside nela mesmo. Ela tem alguns instrumentos que ajudam muito na guerra contra o péssimo uso da res publica, batalha como o Ministério Público, que tem cumprido muito bem seu papel e não o teria feito sem a autonomia conferida em 1988.

MPD Dialógico: Como espera que seja o futuro do país em curto prazo dadas as crises institucional e econômica de hoje?

Romano: Vejo com preocupação o que ocorre no Brasil. Precisamos de um diálogo cada vez maior, ao contrário dessa guerrilha de ódio estabelecida no cotidiano entre as facções políticas. Precisamos que o debate político seja canalizado para os problemas nacionais, atenuando o lado supostamente ideológico, porque estamos diante do velho desafio, conhecido desde a Roma antiga, de salvar a República. Estamos num momento decisivo do país e qualquer exagero pode levar ao desmoronamento da sociedade. Estamos entrando num caminho que pode não ter volta.