GARANTIA FUNDAMENTAL
Fausto de Sanctis defende delação, mas não que delator desista de recorrer

7 de maio de 2015, 20h34
Por Felipe Luchete
Conhecido por atuar em operações de combate à lavagem de dinheiro, o desembargador federal Fausto De Sanctis disse nesta quinta-feira (7/5) que a delação premiada “veio para ficar” e que todas as críticas a essa ferramenta são “em vão”. Por outro lado, declarou que jamais obrigou algum delator a desistir de recursos na Justiça, como foram feitos nos acordos firmados no andamento da operação “lava jato”.
De Sanctis disse que nunca exigiu que delatores abrissem mão de recorrer.
O impedimento de que os recursos prossigam em tribunais superiores foi apontado como um dos problemas do instituto durante seminário sobre a Lei Anticorrupção, promovido em São Paulo pelo jornal Valor Econômico. Embora o acordo seja elaborado pelo Ministério Público, com aval da defesa, De Sanctis afirmou que é papel do Judiciário dar a última palavra sobre as cláusulas.
Quando juiz, ele conduziu processos ligados às operações satiagraha e castelo de areia. Hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, disse que a colaboração só virou alvo de reclamações depois que passou a ser aplicada em crimes financeiros, embora tenha entrado na legislação brasileira em 1996, reduzindo a pena de quem praticar extorsão mediante sequestro e acabar denunciado o caso às autoridades.
Segundo De Sanctis, advogados prestam “serviço útil à Justiça” e cumprem o Código de Ética ao orientar clientes a fazer delação premiada, pois contribuem com a busca da verdade. “É útil e estratégica também para a defesa. Quanto mais curto for o caminho [da Justiça] para o réu, melhor para o próprio acusado.” Ele ainda declarou que somente na “ética do bandido” faz sentido deixar de revelar dados de crimes.
O procurador regional da República Vladimir Aras, secretário de cooperação jurídica internacional do Ministério Público Federal, também defendeu a colaboração. Ele afirmou que essa medida já é prevista no sistema normativo internacional e que “ninguém do Ministério Público” espera ver a simples acusação verbal de um delator como instrumento suficiente para condenar alguém. Ainda negou que as prisões preventivas tenham sido usadas na “lava jato” para forçar réus a confessar.
Botelho aponta que delação tem sido usada como “forma fácil de investigar”.
Já o advogado Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), disse que a colaboração premiada tem sido usada como “forma fácil de investigar”. O criminalista afirmou não ver problema no instituto em si, mas na “delação à brasileira”. No caso da “lava jato”, disse que a força-tarefa passou a confiar no doleiro Alberto Youssef mesmo depois de ele ter descumprido acordo anterior e se mantido no crime.
Outro problema é impedir que os delatores continuem com recursos cobrando Habeas Corpus ou apontando ilegalidades no processo. “A delação à brasileira fere de morte o direito da defesa. Isso é gravíssimo”, defendeu Botelho. “Não há crime grave que só possa ser combatido com o desrespeito a garantias fundamentais da Constituição.”
Leniência
Os acordos de leniência, espécie de delação para pessoas jurídicas suspeitas de corrupção, também geraram debates durante o seminário, em diferentes momentos. Há controvérsia sobre a possibilidade de que a Controladoria-Geral da União negocie com empreiteiras investigadas na “lava jato” — ao menos uma corrente do Ministério Público alega que essa conversa em âmbito administrativo poderia prejudicar a punição penal dos envolvidos.
O ministro-chefe da CGU, Valdir Simão, defendeu que a pasta tem competência exclusiva para firmar esses acordos em âmbito federal e que eles não se estendem a pessoas físicas, não alcançam a esfera penal nem extinguem punições. Também apontou que existem critérios para conceder benefícios: as empresas interessadas precisam apresentar provas, interromper atos ilícitos e só podem se manifestar antes de concluído o relatório final do processo de responsabilização.
Simão esclareceu ainda que a leniência pode ser concedida retroativamente para atos anteriores à Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), mas as punições só valem para fatos ocorridos a partir de 29 de janeiro de 2014, quando o texto entrou em vigor. O ministro garantiu ainda o sigilo das negociações, exceto quando as próprias empresas têm interesse em demonstrar o interesse a seus investidores.
Para Adams, foco deve ser recuperação de valores oriundos da corrupção.
O advogado-geral da União, ministroLuís Inácio Adams, repetiu o discurso de que empresas investigadas podem fazer acordos com a CGU e de que é necessário pensar no impacto de condenações a empregados, investidores e bancos. “Não existe dualidade entre combater a corrupção ou salvar empresas”, afirmou. “A recuperação de valores [oriundos de corrupção] deve ser o objetivo central.”
As falas dos ministros foram criticadas pelo promotor Roberto Livianu, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático. Para ele, não se pode discutir acordos de leniência sem intermediação do MP, porque isso concentra poder nas mãos da CGU e de controladorias estaduais e municipais.
“As empresas querem segurança nos negócios, querem acordos que sejam sólidos juridicamente. Sem participar, o Ministério Público pode pedir na Justiça a anulação desses acordos. E aí teremos muito mais trabalho para o próprio Ministério Público e para as empresas”, defendeu Livianu. Ele disse que a leniência foi incluída de última hora no projeto da Lei Anticorrupção, sendo aprovada sem muito debate.
Livianu afirmou ainda que não cabe ao Estado auxiliar empresas investigadas a manterem as portas abertas.
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