Roberto Livianu: “Querem cortar as asas do Ministério Público e da magistratura”
O promotor e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático afirma que a PEC 89 é uma reação da Câmara às investigações de parlamentares
PEDRO MARCONDES DE MOURA
O promotor paulista Roberto Livianu está empenhado em uma missão. Não se trata de uma investigação. No comando do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), entidade nacional que reúne promotores, dedica-se, desde julho, a convencer deputados a engavetar a PEC 89. A Proposta de Emenda à Constituição cria a figura do juiz de instrução penal – que comandaria as investigações. A nova função, se aprovada, poderá ser exercida por delegados. “Isto agride o principio básico da Constituição da separação entre os poderes. Coloca um delegado estadual, subordinado ao governador em última instância, e um delegado federal, subordinado à presidência da República, para exercer funções próprias do Judiciário”, diz Livianu. Para ele, trata-se de uma tentativa de políticos fragilizados pela Operação Lava Jato de retaliar o Judiciário. “Estão querendo cortar as asas do Ministério Público e da magistratura.”
Em entrevista a ÉPOCA, além da PEC 89, Livianu fala sobre a repercussão da Operação Lava Jato – para ele, uma investigação “histórica” –, as promoções no Ministério Público e a escolha dos procuradores-gerais.
ÉPOCA – Há uma Proposta de Emenda à Constituição na Câmara que propõe a criação da função do juiz de instrução: a PEC 89. Delegados seriam designados para estas vagas. Qual é a sua opinião sobre a PEC?
Livianu – É visceralmente inconstitucional. Agride o principio básico da Constituição da separação, independência e autocontrole entre os poderes. Ela coloca um delegado estadual, subordinado ao governador em última instância, e um delegado federal, subordinado à presidência da República, para exercer funções próprias do Judiciário.
ÉPOCA – Na Itália, o juiz de instrução não trouxe rapidez na punição dos crimes?
Livianu – É importante frisar que lá o juiz de instrução tem de ser um magistrado. Juízes e promotores também ingressam juntos na carreira. Um promotor pode se tornar juiz e vice-versa. Não há esta interferência do Executivo no Judiciário como esta PEC quer. Realmente, é um modelo que dá certo em muitos países da Europa. Oferece um trâmite mais eficiente na instrução criminal, com uma única fase presidida pelo juiz de instrução. É diferente do que existe hoje aqui no Brasil, em que, a polícia, em parceria com o Ministério Público, investiga. Depois, oferece-se a denúncia. Recebida, aí, começa a fase judicial.
ÉPOCA – Caso a PEC prospere, o delegado não passaria a integrar o Judiciário ao ser tornar juiz de instrução? Portanto, ele não se tornaria independente do poder Executivo?
Livianu – Transferir uma pessoa de poder numa canetada é uma aberração. Deve-se passar em concurso e mostrar qualificação para ingressar na magistratura. Esta PEC permite aquilo que é o sonho do Executivo em qualquer lugar do mundo: controlar também as investigações.
ÉPOCA – A Lava Jato, entre outras operações, não mostra uma autonomia, na prática, das polícias estaduais e da Polícia Federal?
Livianu – Olha, eu louvo a importância da polícia e acho que tem de ocorrer parceria, mas cada um no seu quadrado. Até porque o Ministério Público não precisa de uma investigação policial para denunciar alguém. Um exemplo é o famoso caso do esquadrão da morte na ditadura. Lá quem matava era a própria polícia. Se o Helio Bicudo (promotor paulista) não tivesse investigado e denunciado, mesmo sem investigação policial, não ocorreria a punição dos culpados.
ÉPOCA – Por falar em autonomia do MP e do MPFm, ela é comprometida pelo atual modelo de nomeação dos procuradores-gerais de Justiça dos Estados e o da República?
Livianu – Acho que o modelo de nomeação precisa mudar. Hoje, os governadores e o presidente podem escolher em uma canetada no fundo do gabinete o procurador-geral de Justiça dos Estados ou da República. O mais complicado é que são justamente eles que têm a atribuição fiscalizá-los. Três anos atrás, por exemplo, o governador Geraldo Alckmin nomeou, em São Paulo, o derrotado na lista tríplice. Não é plausível que o Executivo tenha tanto poder. Defendo uma reforma política do Ministério Público. Um dos principais itens, inclusive, é a forma de escolha dos procuradores-gerais de Justiça.
ÉPOCA – Qual é o modelo de escolha que o senhor defende?
Livianu – A categoria faria uma eleição com voto uninominal facultativo. O mais votado seria sabatinado pelo poder Legislativo. Submeter o mais votado a uma sabatina pública no parlamento é democrático e transparente. Defendo um único mandato de três anos sem recondução consecutiva. Além disto, defendo que todos os Estados permitam também que promotores e não apenas procuradores de Justiça possam concorrem ao cargo de procurador-geral de Justiça. O mesmo sistema poder ser utilizado em nível federal para a escolha do Procurador-Geral da República.
ÉPOCA – A promoção ao cargo de procurador de Justiça segue critérios como a antiguidade e o merecimento. Liberar qualquer promotor a concorrer ao posto de procurador-geral de Justiça não possibilitaria a chegada ao cargo máximo do Ministério Público de, por exemplo, alguém recém-ingresso ou sem experiência?
Livianu – Tem de se exigir uma maturidade institucional. Teria de possuir um tempo de carreira mínimo, que poderia ser de dez anos, e uma idade mínima de 35 anos. Mas não tem sentido que um promotor experiente e com uma carreira brilhante, muitas vezes, se aposente sem nunca ter podido concorrer ao cargo de procurador-geral de Justiça. A liberação da candidatura de promotores traz benefícios para a instituição. Amplia o leque e democratiza.
ÉPOCA – Existe uma relação direta entre o aumento das investigações contra parlamentares e projetos que alteraram o Judiciário?
Livianu – Claro, é uma reação até compreensível. Hoje, existem mais de dois mil projetos tramitando em Brasília para retirar poderes do Ministério Público. O que isto significa? É um sinal que o Ministério Público anda trabalhando muito.
ÉPOCA – Há então uma associação direta entre a PEC 89 e a Lava Jato?
Livianu – A PEC surgiu no olho do furacão da Lava Jato no meio de julho. Estão querendo cortar as asas do Ministério Público e da magistratura. Estão querendo desmontar a eficiência destas instituições, reconhecidas pela população.
ÉPOCA – O Ministério Público alcançou sua evidência máxima com a Operação Lava Jato. Como o senhor analisa esta investigação?
Roberto Livianu – É histórica. Nunca gente detentora de tanto poder foi pega pelo trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal. O juiz Sergio Moro é um personagem em evidência e louvo o trabalho que faz. Mas quem levou os casos ao juiz Moro? Foram os procuradores da República. Por que as prisões desses políticos e empreiteiros não são revogadas? Porque a colheita das provas está sendo benfeita. É um dos trabalhos do MP reconhecidos pela sociedade. Se pegar a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas sobre a credibilidade das instituições, o Ministério Público está lá em cima há anos.
ÉPOCA – Mas isto não ocorre, como dizem advogados, devido a uma certa espetacularização nas ações do Ministério Público e do Ministério Público Federal?
Livianu – Em algumas investigações, acontece. Na Lava Jato, não vi. Os procuradores estão tendo uma postura comedida. Agora, é natural que eles sejam admirados por pedir a prisão e acusar pessoas antes intocáveis. Temos de ter também outra coisa clara: na Constituição há o princípio da publicidade. O sigilo nas apurações é exceção. Foi-se o tempo em que os promotores, os juízes e os delegados viviam um tanto quanto encastelados. Até porque, se não falarem, a população vai achar que há algo estranho ou não explicado. Prestar contas é um dever.
ÉPOCA – Esta publicidade dos casos não pode levar a uma mácula na imagem de investigados se depois inocentados?
Livianu – Acho que, por isto, tem de ter cuidado para não desrespeitar a regra do sigilo e da intimidade.
ÉPOCA – A Constituição garante que as pessoas possam recorrer de condenações. Então, não há uma arbitrariedade em tornar públicos detalhes de um caso quando ainda existe a possibilidade de absolvição?
Livianu – Óbvio que a presunção existe, mas precisamos achar um jeito de administrar esta questão sob pena de virarmos a república da impunidade. Tem um momento que a decisão judicial precisa produzir consequências. Se o primeiro grau condenou, o segundo grau condenou, não é plausível que fiquem impunes.
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