Estadão: Ministério Público discute formas de frear desmonte de lei ambiental
19/05/2016
FOTO: A lama de rejeitos de minério que vazou da barragem da Samarco chega ao mar em novembro passado. Ambientalistas temem que falta de licenciamento promova “novas Marianas”. Crédito: Gabriela Biló / Estadão
GIOVANA GIRARDI 19 Maio 2016 | 18:28

Promotores apontam inconstitucionalidade da proposta que tenta flexibilizar o processo de licenciamento. Para eles, é uma mutilação e um retrocesso da proteção ao ambiente A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, em tramitação no Congresso, que prevê flexibilização do licenciamento ambiental, pode acabar “mutilando” o próprio processo do licenciamento e, desse modo, é inconstitucional, uma vez que fere o princípio de proibição ao retrocesso – neste caso, da proteção ao ambiente, também previsto na Carta.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, em tramitação no Congresso, que prevê flexibilização do licenciamento ambiental, pode acabar “mutilando” o próprio processo do licenciamento e, desse modo, é inconstitucional, uma vez que fere o princípio de proibição ao retrocesso – neste caso, da proteção ao ambiente, também previsto na Carta.
Essa é a leitura de membros do Ministério Público de São Paulo, que realizam nesta sexta-feira, com organizações ambientalistas, um debate em São Paulo sobre a questão. A PEC, aprovada em abril na Comissão de Constituição e Justiça do Senado*, foi encaminhada para apreciação do plenário da Casa. Se aprovada, ela vai incluir um parágrafo que estabelece que a simples apresentação de estudo prévio de impacto ambiental (EPIA, ou, como ficou mais conhecido, EIA), por parte do empreendedor, já autorizará o início da obra. Esta “não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”, diz a PEC. A proposta é de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e teve como relator o senador Blairo Maggi (PR-MT), que assumiu o Ministério da Agricultura na gestão do presidente em exercício Michel Temer.
Na prática, explica o promotor Ivan Carneiro Castanheiro, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) de Piracicaba, isso significa que uma determinada obra só seria impedida depois de ocorrido algum problema. “Mas aí o dano já ocorreu. E a natureza não se recompõe num passe de mágica ou instantaneamente. Às vezes é dano é irreversível”, afirmou ao Estado.Os três núcleos do Gaema instauraram um inquérito civil para acompanhar as propostas de flexibilização do licenciamento, a fim de poder agir rapidamente se a proposta for aprovada. O órgão estadual e o Ministério Público federal estão atuando conjuntamente em relação à PEC. Ambos editaram notas técnicas apontando por que a consideram inconstitucional. O MPF também tem promovido tuitaços contra a proposta.
A Constituição prevê a existência do EIA para obras com efetivo ou potencial impacto. É o empreendedor que apresenta esse estudo, que então vai ser avaliado pelo órgão ambiental e outros órgãos que podem ter alguma interface com o local, como Iphan, em caso de patrimônio histórico, Funai, em caso de ser em terra indígena, e o Instituto Chico Mendes, em caso de ser uma Unidade de Conservação federal. É a partir dele que se identifica os impactos e as formas de mitigá-lo ou compensá-lo.
“Estão tentando limitar a incidência desse dispositivo, tornando suficiente a sua simples apresentação, como se isso substituísse o sistema de licenciamento”, explicou Castanheiro. “Se for emendada, a Constituição estaria chancelando um estudo contratado pelo empreendedor, o que o torna suspeito por si só. Mas o EPIA é na verdade um pré-requisito do licenciamento ambiental. É o início do processo. Então na prática a PEC está sim acabando com o licenciamento ambiental porque cria uma aprovação automática com a mera apresentação do EPIA. Por isso é inconstitucional, porque regride num grau de proteção ambiental.”
Mariana. Ambientalistas têm manifestado que eliminar o processo de licenciamento ambiental poderia levar a “novas Marianas”, em referência ao rompimento da barragem da Samarco. “A proposta é imoral e insana. Libera a execução de obras sem medir seus impactos. Se entrar em vigor, funcionará como uma fábrica de tragédias, a exemplo do que ocorreu em Mariana”, declarou Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, logo após logo após a aprovação na CCJ.
Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, que estará no evento desta sexta, a proposta “denota profunda má-fé e uma tentativa de manipular a Constituição”. Segundo ele, “é como se o protocolo para obter uma habilitação já permitisse sair dirigindo um caminhão.”
Serviço: O debate ocorre nesta sexta, 20, às 9h30, no auditório do Ministério Público Democrático: rua Riachuelo, 217, centro de São Paulo.
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