É natural que, em razão da gravidade da crise moral que avilta a política nacional, comunidades proponham urgente mudança, qualquer que seja, mesmo sem a necessária reflexão acerca do resultado que desejam. É como se mudar fosse imperioso, mesmo para pior.
Antes de tudo, é necessário constatar que, muito ao contrário do que alegam os que, embora com boa-fé, defendem a possibilidade de candidatura avulsa, no processo eleitoral oficial, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ao menos expressamente, não assegura esse pretenso direito e nem exclui a previsão de exigência legal, em cada Estado signatário, de prévia filiação partidária para o seu exercício.
De fato, o que estabelece essa Carta de 1969, no seu artigo 23, é que todos os cidadãos têm o direito de “participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos e de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores”.
Aliás, esse Estatuto apenas reproduziu o que já previa o artigo 21, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Não é sem razão que diversos Estados em avançado estágio de democracia continuam exigindo de candidatos a cargos eletivos a vinculação partidária. De tão conhecidos, dispensável citar exemplos.
De qualquer modo, é forçoso compreender que uma das principais características do regime republicano é a impessoalidade da administração pública. Na República não se elege a pessoa por suas dignidades pessoais. Elege-se, sim, a ideia de política pública que a vontade geral do eleitorado, aferida pelo sufrágio da maioria, pretende seja implementada pelo titular do mandato conferido.
Se fosse possível escolher um candidato por suas supostas virtudes pessoais, certamente o eleitor levaria em conta sua honestidade e competência. É que sem a primeira não haveria garantia de cumprimento das promessas feitas pelo candidato em sua campanha eleitoral e nem da probidade no trato de suas atribuições e do dinheiro público sob sua responsabilidade. Sem a segunda, a boa fé do candidato não passaria de boa intenção. A falta de vocação, empenho e qualificação no trabalho tiraria do candidato, da mesma forma, as necessárias condições para o cumprimento de suas promessas eleitorais. E o péssimo resultado seria o mesmo.
O ser humano, por narcisista, não expõe seus próprios defeitos, fazendo questão de ostentar apenas as supostas virtudes, algumas vezes com propagandas enganosas. Os criminosos mais conhecidos da atualidade eram há muito pouco tempo os grandes premiados pela sociedade, considerados acima de qualquer suspeita, em razão das qualidades pessoais que exibiam. Impossível, pois, ao eleitor em grandes sociedades conhecer pessoalmente os candidatos, a ponto de poder avaliar sua honorabilidade.
O certo é que, pelo que se vê, o que importa mesmo é que o candidato seja fiel ao compromisso que assumiu com o eleitorado, cumprindo item por item as suas promessas de campanha. O mais relevante é que o eleitor saiba definir a identidade do candidato, por suas ideias e não por suas características subjetivas. E as democracias modernas ainda não encontraram até hoje instrumento mais eficaz na busca desse objetivo do que o partido político, não sem motivo definido pela lei brasileira como ente destinado “a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo” (Lei 9.096/1995, artigo1º).
Não basta que o candidato se apresente como honesto e competente, se não se sujeitar a certo regime disciplinar que o penalize em caso de descumprimento dos compromissos eleitorais assumidos. E é justamente o Partido Político o instrumento capaz de institucionalizar, sobretudo através da fidelidade partidária, a submissão do candidato eleito à vontade popular, obrigando-o, por consequência, a implementar a ideia de políticas públicas escolhida pelo voto da maioria.
Não se trata aqui do Partido que se constitui e obtém registro ilicitamente, sem preencher os pressupostos básicos de existência legítima, hoje infelizmente a maioria, que na verdade não passa de mero balcão de negócios, de propriedade privada vitalícia, para a venda de fichas de filiação, legenda para candidaturas e espaço de propaganda eleitoral, chegando até mesmo a servir de base para organizações criminosas.
Trata-se, sim, daquele que tem nome e objeto lícitos, apresenta ideologia distinta dos demais e não apenas uma duplicação ou plágio de ideias comuns; daquele que expõe objetiva e claramente as políticas públicas que promete implementar caso chegue ao poder e se responsabiliza por atos de desonestidade e incompetência dos filiados; daquele que dispõe de regime disciplinar para punir a infidelidade partidária e de democrática estrutura interna, ou seja, trata-se do verdadeiro Partido Político, único que deveria merecer registro na Justiça Eleitoral, por funcionar concretamente como autenticador da representação popular.
Assim, antes de se admitir candidatura avulsa, seria melhor que se exigisse do Ministério Público e do Judiciário que expurgassem da política nacional os ilegítimos partidos.
Airton Florentino de Barros é advogado e professor de Direito Empresarial. Foi procurador de Justiça em São Paulo e também fundador e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
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