Em artigo publicado neste espaço reservado ao Ministério Público Democrático (MPD) na edição de 18 de dezembro de 2017 — Segurança jurídica exige mais transparência do Supremo — comentei sobre a inconveniência da existência de turmas com visões diferentes na mais alta corte do país e, mais que isso, da proliferação de decisões monocráticas. Como é sabido, uma das mais importantes funções do Supremo Tribunal Federal é a uniformização de jurisprudência.
Volto ao tema.
A falta de uniformidade nas decisões do Supremo Tribunal Federal impede a existência de posições consolidadas, desmoraliza as decisões judiciais, traz insegurança jurídica e, mais que isso, incentiva decisões de instâncias inferiores em sentido contrário ao já decidido por quem tem como função uniformizar a jurisprudência.
Uma das tarefas mais difíceis para os operadores do Direito é tentar justificar ao leigo como é possível que situações absolutamente iguais possam ter soluções jurídicas distintas.
Em matéria criminal, a questão é dramática. Afinal, estamos tratando da liberdade de pessoas e a simples possibilidade de decisões diferentes para casos iguais é incompreensível.
Para se citar um caso paradigmático, a inexplicável situação do ex-ministro José Dirceu — condenado em primeira e segunda instância a penas altíssimas — colocado em liberdade por uma das turmas do Supremo Tribunal Federal sob o inusitado argumento da “plausibilidade do pedido”, em confronto com um número incontável de réus presos nas mesmas circunstâncias, deixa a todos estarrecidos.
Mas, não é preciso levar em conta casos especiais para se verificar a necessidade urgente de se adotar a mesma solução para casos iguais.
Em matéria de execução penal, o absurdo de decisões diferentes para situações iguais, influencia decisivamente na vida dos sentenciados.
Cito apenas dois exemplos.
A Constituição Federal considera insuscetível de graça, indulto e comutação, os crimes hediondos e os equiparados a hediondos.
Após muita discussão (as duas posições são defensáveis e não cabe aqui aprofundá-las), as mais altas cortes do país — Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal — definiram que o chamado tráfico privilegiado e a associação para o tráfico são crimes comuns e não equiparados a hediondos, pelo que, de acordo com esse entendimento, os sentenciados podem ser beneficiados pelo decreto presidencial de indulto.
Pois bem. Não poucos juízes e câmaras de tribunais estaduais decidem contrariamente ao pedido de indultos feitos por sentenciados que são obrigados a se socorrer de recursos aos tribunais superiores (o que, claro, muitas vezes não ocorre por serem réus pobres).
Ainda em matéria de execução penal, outra discussão que se coloca é se o lapso para progressão de regime deve ser contado da data em que o sentenciado teria direito à progressão ou da data em que a progressão foi reconhecida judicialmente.
Também aqui a posição do Supremo Tribunal Federal já se consolidou (a decisão que concede a progressão é de natureza declaratória e não constitutiva) e, mesmo assim, por várias vezes, não é acatada pelas instâncias inferiores.
Ora, quando alguém reivindica indulto ou progressão de regime, com fundamento em entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal, é justo que se revolte se tem o pedido indeferido.
O indeferimento se torna ainda mais injusto e preocupante quando se sabe que o sentenciado que tenha acesso a bons advogados terá o pedido afinal apreciado e deferido em Brasília (é justo que se diga que os Defensores Públicos dos estados federados lutam, com óbvias dificuldades, para que todos os casos subam para apreciação em grau de recurso especial ou extraordinário, mas também é justo que se diga que a luta é muitas vezes inglória e muitas vezes os sentenciados cumprem integralmente suas penas).
É preciso, pois, que o Supremo Tribunal Federal chame para si uma de suas principais funções e adote critérios mais sólidos em suas decisões, editando com mais frequência súmulas vinculantes e que tais decisões sejam acolhidas e respeitadas pelas instâncias inferiores.
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