22 de julho de 2019
Por Mário de Magalhães Papaterra Limongi
O resultado das eleições do ano passado fez com que, seja no Congresso Nacional, seja nas assembleias legislativas, aumentasse o número de representantes da chamada “bancada da bala”. Diversos candidatos, com discursos voltados para o endurecimento da legislação penal, foram eleitos.
O resultado eleitoral deve ser respeitado e é razoável que se espere iniciativas dos eleitos a justificar a votação obtida.
Feitas essas considerações, analiso duas iniciativas que em nada colaboram para o aumento da segurança, representando, ao contrário, evidente retrocesso a avanços já consolidados.
Tramita pela Assembleia Legislativa de São Paulo projeto de lei de autoria do deputado Frederico d’Avila (PSL), ao que consta, com o apoio do chefe do Executivo, que visa extinguir a Ouvidoria da Polícia na Secretaria da Segurança Pública.
No Congresso Nacional, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) propôs projeto de lei que pretende anular a Resolução 213/15 do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu as audiências de custódia, criando a obrigatoriedade de apresentação de toda pessoa presa a um juiz de Direito no prazo máximo de 24 horas. A propósito do mesmo tema, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), afirmou ao site O Antagonista que sentiu falta, no pacote “anticrime” do ministro da Justiça, Sergio Moro, a extinção de tais audiências.
As duas iniciativas apresentam justificativas absolutamente equivocadas.
Na justificativa apresentada para a extinção da Ouvidoria, o deputado proponente fez constar que visa “corrigir uma injustiça imposta unicamente em desfavor dos policiais do estado” e que, “por diversas vezes, o papel da Ouvidoria tem sido o de injustamente acusar, desmoralizar e desestimular o policial no desempenho de suas funções”.
Na mesma linha, o deputado Coronel Tadeu afirmou que as audiências de custódia “são uma vergonha, uma desmoralização do trabalho das polícias”.
A toda evidência, a existência de ouvidorias e a realização de audiências de custódia não prejudicam o trabalho policial, pelo que as justificativas apresentadas para os projetos não se sustentam.
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo foi criada em 1997, no governo Mário Covas, e constitui importante canal de comunicação para que a população, destinatária final do serviço público, apresente críticas e sugestões ao trabalho policial.
O trabalho da polícia de São Paulo, embora possa ser melhorado, tem sido reconhecido pela expressiva diminuição de homicídios nos últimos anos e não consta que a existência da Ouvidoria tenha prejudicado “o policial no desempenho de suas funções”, como estranhamente consta da justificativa no projeto que prevê sua extinção.
Já as audiências de custódia foram regulamentadas pelo Conselho Nacional de Justiça diante da constatação, após várias rebeliões sangrentas em presídios em todo o território nacional, que o número de presos provisórios está muito além do razoável e que tal circunstância apenas colabora para o aumento da violência.
Ao contrário do afirmado pelo deputado Coronel Tadeu, andou bem o ministro Sergio Moro em não incluir em seu projeto qualquer modificação que vise extinguir as audiências de custódia.
Com certeza, o Ministério da Justiça não ignora a necessidade de medidas, entre as quais a preservação das audiências de custódia, que possibilitem a diminuição do número de presos provisórios.
Como é óbvio, o contato de presos perigosos, líderes de facções criminosas, com pessoas sem periculosidade, ainda recuperáveis, presos em flagrante por delitos menores, só aumenta a possibilidade de aumento da influência do crime organizado e, consequentemente, do aumento da violência.
Em verdade, as duas iniciativas partem de um pressuposto, muitas vezes repetido, segundo a qual as polícias têm a sua ação prejudicada pela existência de leis que beneficiam os infratores e inibem a ação policial.
O pressuposto não é correto e, ainda que se possa entender a necessidade de mudanças legislativas, certamente a extinção da Ouvidoria da polícia e o fim das audiências de custódia não colaborarão em nada para o aumento da segurança pública.
Uma polícia compromissada com a população não tem receio de mecanismos de controle, por isso se aguarda que os projetos em andamento não sejam aprovados.
Mário de Magalhães Papaterra Limongi é procurador de Justiça e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático.
Clique aqui e leia o original no Conjur.
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