22/02/2016

Por Wilson José Vinci Júnior e Luciana Vieira Dallaqua Vinci

Não se demanda muito esforço de qualquer cidadão para relatar exemplos de ineficiência estatal na prestação de serviços públicos, em diferentes áreas. É consenso entre os estudiosos da matéria que o Brasil já superou a fase quantitativa do serviço público, que mais se importava com a universalização do seu público-alvo, passando agora para a fase qualitativa da prestação, isto é, a preocupação atual reside na qualidade do serviço disponibilizado à população. E, em termos de qualidade, indubitavelmente estamos longe da eficiência disposta no artigo 37 da Constituição Federal.

Vários fatores concorrem para a ineficiência na prestação do serviço público. Dentre eles, podem ser citados a falta de servidores em número adequado ao volume de trabalho existente, o baixo estímulo à contínua qualificação desses servidores, a precária estrutura física oferecida pelo Estado para o cumprimento daquela atividade (onde, não raras vezes, os servidores são obrigados a comprar materiais de escritório e de limpeza com a sua própria remuneração, se quiserem ter um ambiente minimamente salubre para se trabalhar), o excesso de formalismos inúteis à execução da atividade, além do estereótipo formado no seio social de que o “funcionário público não trabalha” (o que, obviamente, não contribui para a melhoria do serviço público).

Em que pesem tais adversidades, o que se observa na prática é que a grande maioria dos servidores públicos é formada por pessoas abnegadas, que lutam diariamente para oferecer uma boa prestação de serviço público à combalida população brasileira, muitas vezes em prejuízo da própria vida pessoal (a título de exemplo, mediante o trabalho em horas extras que nunca serão pagas pelo Estado) e do salário que recebem (para comprar produtos indispensáveis ao bom andamento do serviço público, mas que não são fornecidos pelo Estado). Atitudes como essas não são visíveis à população em geral e nem se traduzem em boas “manchetes de jornais”. Daí porque o estereótipo de que “funcionário público não trabalha” está, infelizmente, em constante presença no imaginário popular.

Todavia, não se pode negar também que o caos formado na estrutura do serviço público pode se traduzir em “liberdade” para aquele servidor que não seja muito afeito ao labor. Isso porque, em uma situação já caótica, não há como o Estado cobrar do servidor público um esforço sobre-humano para que este último supra as deficiências que o próprio Poder Público deveria sanar.

Dirão os críticos, em uma análise simplista, que se o servidor público não estiver satisfeito com as condições de trabalho, basta que ele peça exoneração. Não se desconhece que muitos verdadeiramente o fazem. No entanto, também é correto afirmar que tal conduta não resolve o problema da ineficiência na prestação de alguns serviços públicos, mas ao contrário, o agrava: propicia-se que, por vezes, permaneçam nos cargos aqueles que não possuam outras alternativas profissionais, caindo por terra um dos objetivos precípuos da seleção por concurso público, que é a escolha dos mais capacitados. Ou caso permaneçam pessoas qualificadas e comprometidas, estas se sentem desmotivadas pela ausência de estrutura, de reconhecimento ao trabalho que desempenham e de perspectiva de crescimento na carreira pública.

Ademais, não se espera que o próximo servidor público a ser convocado na lista de aprovados no concurso público esteja disposto a “pagar para trabalhar”, suprindo com o seu salário a falta de cartuchos para impressora e galões de água mineral que o Estado deveria fornecer para o bom desempenho da atividade.

Essa realidade chocante faz com que, muitas vezes, servidores recém empossados se frustrem com o tão almejado cargo público, a ponto, até mesmo, de entrar em depressão. Quiçá a falta de visualização da realidade seja, em parte, atribuível aos próprios candidatos que, não raras vezes, glamorizam o cargo público que estão a disputar.

Evidentemente, toda generalização não reflete a verdade. Há, sim, algumas entidades e órgãos públicos bem estruturados, enquanto outros sofrem mais com a falta de materiais básicos (que o diga a saúde pública brasileira…). E aqui cabe uma provocação: será que o Estado não está distribuindo erroneamente a verba pública entre os diferentes órgãos públicos?

A eficiência na prestação das atividades estatais é princípio consagrado expressamente pela Constituição da República desde a Emenda Constitucional 19/1998. Indaga-se: isso significa que a Administração Pública somente passou a ter o dever de ser eficiente a partir do ano de 1998? É claro que não. Por uma leitura sistemática da Carta Magna, desde o seu advento em 5 de outubro de 1988, já se poderia extrair do seu texto um princípio implícito da “boa administração pública”.

Portanto, a previsão normativa da eficiência no serviço público já está há longo tempo presente em nosso ordenamento jurídico. A grande questão, a exemplo de vários outros problemas existentes no Brasil, não é a suposta “falta de lei”, mas sim a sua concretização.

E qual seria a solução? Ao invés de se fomentar uma disputa maniqueísta entre servidor público e população, como se um fosse adversário do outro, ambos deveriam se unir para exigir do Poder Público melhores condições de prestação das atividades estatais. E isso passa pelo exercício da cidadania, ainda incipiente em nosso país. Não se desconhece que a nossa democracia seja relativamente “jovem”, porém é característica cultural do brasileiro evitar o exercício prático da cidadania, como se a res publica pertencesse a outras pessoas que não a ele próprio.

O exercício da cidadania aumenta conforme o grau de educação de um povo. Além disso, o exercício da cidadania começa nas pequenas coisas, como não estacionar o veículo irregularmente em vagas destinadas às pessoas com necessidades especiais ou idosos, não “furar fila”, não subornar o agente de trânsito que está prestes a lavrar uma multa, não apoiar determinado político em troca de um cargo comissionado, dentre outras condutas que, no íntimo de sua consciência, todos sabem se são corretas ou não. Afinal, uma sociedade corrupta não gerará um político honesto. E, em se tratando de servidor público que cometa algum ato ilícito, há a existência tanto de órgãos de controle interno como entidades de controle externo aptas a reprimir a conduta contrária ao Direito.

Em outras palavras, não é necessário pensarmos em fórmulas mirabolantes para “salvar o mundo”: se cada cidadão fizer a sua parte nas pequenas atitudes do cotidiano, certamente teremos uma sociedade melhor para se viver, com uma prestação de serviços públicos digna do alto valor arrecadado pelos numerosos tributos que pagamos.

Wilson José Vinci Júnior é procurador federal, membro da Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET) e mestrando em Direito pela PUC-SP.

Luciana Vieira Dallaqua Vinci é promotora de Justiça, membro do Ministério Público Democrático (MPD) e da Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET), além de mestranda em Direito pela PUC-SP.