25/04/2016
Por Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira
Nos tempos atuais, nos quais diariamente a sociedade toma conhecimento de atos de improbidade administrativa, os profissionais do Direito devem procurar estabelecer, objetivamente, os requisitos que devem ser demonstrados para eventual condenação do apontado ímprobo.
Nesse contexto, busca-se analisar a improbidade administrativa que decorreria da dispensa indevida de licitação, objeto de previsão do artigo 10 da Lei 8.429/92.
Após a configuração do ilícito, previsto no caput da disposição citada, a lei arrola, exemplificativamente, algumas condutas que constituem improbidade administrativa, dentre as quais a de “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente” (inciso VIII).
Os tribunais, de forma majoritária, vem decidindo que esta modalidade de improbidade administrativa só se configura quando demonstrada a existência de prejuízo financeiro, prejuízo concreto ao erário. Então, à falta de prova de superfaturamento, segundo esse entendimento, não se aperfeiçoaria o ilícito.
No entanto, existem decisões recentes (por exemplo, STJ, AgRg no REsp 1.288.585/RJ, de 16/2/16 e AgRg no REsp 1512393/SP) que entendem que a demonstração de dano financeiro efetivo não é necessária em casos de dispensa indevida de licitação. O dano seria in re ipsa, na medida em que o poder público, quando não promove a licitação, sendo ela obrigatória, deixa de contratar a melhor proposta.
E, com efeito, para a configuração da improbidade administrativa prevista no artigo 10, VIII, da Lei 8.429/92 é desnecessária a comprovação de dano efetivo ao erário.
Primeiro, porque a lei assim afirma.
De fato, após descrever, no artigo 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, a modalidade ora em discussão, estabelecendo que “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens” constitui improbidade administrativa que causa dano ao erário, a mesma lei arrola, nos incisos, diversas condutas, dentre as quais a de dispensar indevidamente a licitação.
Fosse necessária a demonstração do dano efetivo e essa conduta não teria sido prevista. Bastaria a disposição do caput mencionado, que prevê como improbidade administrativa o ato que causa dano ao erário. Então, se além dessa conduta, descrita de forma genérica, houve a descrição da conduta específica de dispensar indevidamente a licitação, não se pode entender que, aqui, há necessidade de demonstração do prejuízo efetivo.
Porém, outro argumento mostra-se mais forte e decisivo.
Sabe-se que a licitação tem o objetivo de, assegurando igualdade entre os interessados, obter a melhor proposta para a administração.
A licitação não foi prevista para a escolha de alguma proposta que não apresente preço excessivo, mesmo porque o superfaturamento acarreta a desclassificação das propostas (artigo 48, II, da Lei 8.666/93). A licitação objetiva a melhor proposta, vale dizer, a que represente menos custo para a administração, a oferta mais barata (aqui se considera que a licitação mais comum é a de menor preço, não obstante existam outros tipos, que não são objeto destes comentários).
Para a obtenção dessa melhor proposta, a alma da licitação é a competitividade. Ou seja, a administração chama os interessados em contratar determinado objeto, determinando que as propostas sejam mantidas em sigilo (e, não por acaso, a quebra deste sigilo (artigo 94 da Lei de Licitações). Presume-se que aqueles que acodem ao chamado buscarão apresentar o menor preço possível para vencer o certame, sabendo que os demais concorrentes também terão a mesma conduta. Dessa competição resulta a melhor proposta para a administração. Não uma proposta que apresente, simplesmente, um preço de mercado.
O preço de mercado constitui uma faixa de valores praticada no ramo, que vai desde um valor menor até um maior. Essa variação decorre dentre os quais a maior ou menor eficiência do fornecedor — que determina a agregação, ao preço do produto ou serviço, de maiores ou de menores custos indiretos — assim como a maior ou menor pretensão de lucro e à estratégia de vendas, tudo obedecendo à lei da oferta e da procura.
A vida em sociedade e a necessidade de aquisição de produtos e serviços em mercados caracterizados pela livre iniciativa mostram essa realidade de variação de preços em determinados patamares mínimo e máximo, dependendo do fornecedor.
Comprar a preço de mercado não significa comprar com o melhor preço, com o preço mais baixo. Significa, apenas, comprar a preço praticado por alguns fornecedores que, não necessariamente, terão a mesma eficiência de outros, ou a mesma estratégia, ou, ainda, a mesma pretensão de lucro.
Logo, exigir a prova de dano ao erário em casos de dispensa indevida de licitação conspira contra uma das finalidades deste instituto, expressa no artigo 3º da Lei 8.666/93, de selecionar a proposta mais vantajosa para a administração. Lembre-se, nesse passo, que a Constituição Federal, dentre as diversas normas que regem a administração pública, exige que os gastos públicos sejam marcados pela economicidade, como resulta claro da leitura do artigo 70, caput, da Constituição Federal, que indica esse princípio, dentre outros, para a realização da fiscalização a cargo dos tribunais de Contas.
Não se tem economicidade sem a obtenção da melhor proposta para a administração.
Assim, em conclusão, na hipótese de dispensa indevida de licitação, o dano ao erário deve ser considerado in re ipsa, sem a necessidade de demonstração de efetivo prejuízo financeiro.
Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e integrante do Ministério Público Democrático.