A grande dificuldade é que o problema parece maior do que nós. Ou a corrupção é inerente a natureza humana ou nosso organismo social padece de uma doença degenerativa crônica que nos assola a todos, em maior ou menor grau

Por Ricardo Prado Pires de Campos, 31/10/2024, 11h10

Antigamente, quando não havia internet, nem redes sociais, nós éramos levados a crer que as pessoas eram honestas, muitas frequentavam as Igrejas, algumas era benfeitoras e faziam doações para causas públicas; sim, havia os desonestos ou velhacos, como se dizia, mas eram poucos e identificáveis. Ninguém queria ser qualificado dessa forma.

Hoje em dia, com as redes sociais divulgando as maracutaias em tempo real, a sensação que prevalece é bem diferente.

Quando ingressei profissionalmente no mundo jurídico, não se ouvia falar de corrupção no sistema de Justiça, salvo nos degraus de baixo; trabalhei anos acreditando que o sistema funcionava honestamente, e acredito que muitos dos profissionais que conheço continuam honestos e procuram desempenhar suas funções da melhor forma possível. Meus amigos e conhecidos não são perfeitos, mas acreditam na Justiça como valor social e trabalham arduamente para que ela ocorra diuturnamente.

Todavia, os anos foram correndo, comecei a ouvir boatos sobre vendas de sentenças. Não havia provas, ainda, não se sabia se era verdade, mas a simples possibilidade, já preocupava.

De alguns anos para cá, esse assunto passou a frequentar a manchete de todos os jornais. Notícia de venda de decisões nos Estados e até na União, inclusive em Tribunais Superiores. Aquela crença de que quando a pessoa ganha bem não precisa se corromper, bem, realmente não precisa, mas simplesmente se corrompe. Não todos, é verdade, mas muitos. Muitos mais do que imaginávamos.

Boatos de pagamento de um milhão para obter um habeas corpus, acabou gerando a aposentadoria compulsória de um antigo ministro do STJ. Isso já faz algumas décadas.

O problema é que, de lá para cá, a situação não melhorou. Tempos depois, houve uma segunda aposentadoria compulsória. Os ministros flagrados em atos ilícitos eram obrigados a aposentar, mas não consta que tenham sido processados criminalmente.

Nos andares de baixo, se a pessoa sai da linha, os chicotes da Justiça bradam fortes; mas nos andares mais altos, não se ouve o mesmo som.

Vez ou outra, apareciam as anistias, decretadas pelo Poderes da República, quando algum figurão acabava envolvido em processo criminal. Lembro de um ex-presidente do Congresso que acabou anistiado, pois, havia feito uso indevido da gráfica do Senado para imprimir material de propaganda pessoal. Seus pares acharam que era coisa pouca, e o livraram de responder ao processo nos termos da lei.

O pior, e que esse não era um problema isolado. Se notícias de corrupção, no âmbito do Judiciário, circulavam a boca pequena entre os advogados; no âmbito dos demais poderes, esse assunto já era público faz muito. As acusações de desvio de dinheiro público, especialmente em épocas de eleição, eram abundantes.

Alguns acreditam que esse tipo de acusação acaba com a carreira do político. No entanto, com o passar dos tempos, elas se tornaram tão comuns que, hoje em dia, parecem não fazer mais diferença. As torcidas organizadas dos partidos sempre possuem um argumento, ou um truque de marketing, para desqualificar a acusação. Quando não desqualificam o próprio acusador.

O problema, todavia, parece não estar apenas no Judiciário e nos Legislativos, com as tais emendas PIX. As acusações de corrupção atingiram grande parcela dos ocupantes dos Palácios governamentais; e não pouparam sequer àqueles que se tornaram os grandes campeões de votos junto à população brasileira.

A Justiça Eleitoral tem lutado, faz tempo, contra uma chaga nacional: a compra de votos.

Costumam dizer que o eleitor troca voto por cesta básica, por um tanque cheio de combustível, e até pelo pagamento da conta de luz. Surgiu até campanha condenando a venda de voto, o que é ilícito para a Justiça Eleitoral. Mas e o político que troca seu voto por um cargo de secretário ou ministro, isso pode? E o empresário que troca seu apoio por uma isenção tributária? E o funcionário que o faz por uma promoção? É só a troca por dinheiro vivo que é desonesta, as demais são todas permitidas? Estamos mais uma vez, copiando os métodos da terra de Tio Sam.

E para aqueles que outrora acreditavam num mundo que era regido por princípios de ética, o que resta fazer? Quando se vê pessoas, alçadas aos cargos mais relevantes da Nação, acusadas de “malfeitos”, eufemismo criado para não dizer “atos ilegais e criminosos”, o que resta para o cidadão comum? Fazer de conta que nada disso nos diz respeito? Continuar levando nossas vidas, em nossos pequenos mundos, como se nada disso fosse real; apenas diversão para as redes sociais?

A grande dificuldade é que o problema parece maior do que nós. Ou a corrupção é inerente a natureza humana ou nosso organismo social padece de uma doença degenerativa crônica que nos assola a todos, em maior ou menor grau.

Houve um momento, na história da Nação, em que parecia que o Brasil faria uma grande limpeza na vida pública, e que havíamos atingido a classificação das grandes nações, onde a lei é igual para todos. Nem atingimos o estágio das grandes nações, bem como não existe nenhuma, onde a lei seja igual para todos. Vivemos de sonhos.
Agora, alguns políticos começam a reclamar de infiltração do crime organizado na política. Algum tempo atrás, estavam dizendo que a Justiça estava criminalizando a política. Bem, parece que agora são os próprios políticos que estão reconhecendo que sua atividade está em risco.

O pior é que não existe Salvadores para a pátria. Todos os que se candidataram ao posto, até aqueles que se diziam ungidos por Deus, acabaram tendo suas digitais estampadas nas notícias dos jornais.

O capitalismo é o sistema econômico mais eficiente encontrado até agora, embora padeça de alguns grandes problemas. E a crença de que o dinheiro compra tudo, parece estar colapsando o ideal de uma sociedade construída com base na ética.

Somos todos movidos apenas pelo dinheiro, e pelo que ele pode comprar? Ou, ainda, há espaço para outros valores em nossas vidas?

Com a palavra, os leitores.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica