Por Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser
17/08/2023 | 05h00

O conceito de poluição é bastante amplo, “abrangendo todos os meios de adulterações do meio-ambiente (solo, água e ar), tornando-o prejudicial à saúde, ao bem-estar das populações, ou alterações que causem dano à flora e à fauna”[1].

É importante destacar que o conceito legal de poluição estampado na Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, afirma, em seu art. 3º, inciso III, ser “poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com padrões ambientais estabelecidos”.

No âmbito do Estado de São Paulo, encontramos a Lei nº 997, de 31 de maio de 1976, a qual considera poluição “a presença, o lançamento ou a liberação nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas em decorrência desta Lei, ou que tornem ou possam tornar as águas, o ar ou solo: I – impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde; II – inconvenientes ao bem estar público; III – danosos aos materiais, à fauna e flora; IV – prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade”.

A deterioração da qualidade de vida, causada pela poluição sonora, está sendo continuamente agravada em grandes e médios centros urbanos, merecendo, por isso, atenção constante da Administração Pública.

Ressalte-se que a emissão de ruídos e sons acima do suportável pelo ser humano, causa-lhe sérios malefícios à saúde, como insônia, problemas nervosos e uma série de outros males conhecidos.

A propósito do tema, é importante destacar a lição de GILBERTO PASSOS DE FREITAS[2]:

“A poluição sonora, que tem sido analisada dentro do tema poluição do ar, constitui um dos mais graves problemas da atualidade. O excesso de ruídos é nocivo, desastroso. Suas consequências no organismo humano de ordem física e psíquica são por demais conhecidas. Provoca distúrbios no sistema nervoso, cardiovascular e auditivo. Esta nocividade está em função de sua duração, da sua repetição e, em especial, da sua intensidade, aferida em decibéis. O mundo do direito não está alheio aos atos lesivos provocados pelo ruído, na medida em que ele atinge a saúde do homem”.

Som é o fenômeno da ciência natural consistente na emissão de ondas decorrentes da vibração dos corpos em meio elástico. Sonorizar é o ato de produzir som; soar. Sonora é o adjetivo do latim sonoru, que qualifica o substantivo, como aquele que produz ou reforça o som.

Portanto, som é forma de energia que se propaga no ar, dotado de intensidade variável (volume). Poderá se imputar de poluente o som capaz de ser enquadrado em uma das hipóteses legais acima citadas, ou seja, capazes de causar prejuízos à saúde, inconvenientes ao bem estar público, dentre outras.

Pode-se afirmar, assim, que qualquer volume de som que extrapole os limites legais, é poluição sonora.

ÉDIS MILARÉ[3] ensina que “a poluição sonora é hoje um mal que atinge os habitantes da cidade, consistindo em ruído capaz de produzir incômodo ao bem-estar ou malefícios à saúde”.

Para LUIZ PAULO SIRVINSKAS[4], “poluição sonora é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividade que direta ou indiretamente lance matéria ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos, prejudicando a saúde e o bem estar da comunidade” para continuar, na mesma obra.

Evidentemente, de acordo com o volume do som, tem-se uma área determinada ou um número determinado de pessoas afetadas. Contudo, não se pode confundir essa limitação espacial ou pessoal com o próprio conceito de poluição.

Tais pessoas diretamente afetadas são meras vítimas da poluição sonora, tal como pode ocorrer com a emissão de fumaça por certa fábrica, sem que se negue a poluição atmosférica.

A emissão de sons fora dos padrões legais é poluição sonora e, como tal, afeta o meio ambiente, direito difuso por excelência. Afeta o meio ambiente porque fere o direito à saúde, à tranquilidade, ao sossego, ao lazer e ao descanso das pessoas em relação ao meio em que vivem ou exercem suas atividades.

Os níveis de emissão sonora enquadram-se no que dispõe a Resolução do CONAMA n° 01, de 08.03.90, em seus itens I e II, por não estarem de acordo com os limites máximos estabelecidos na Norma NBR-10.151[5].

Assim, aquele que não cumprir a legislação pertinente, no sentido de reduzir a emissão de sons e ruídos em níveis inferiores aos tolerados numa sociedade civilizada e previstos na Norma NBR – 10.151 da ABNT, deve, evidentemente, ser compelido judicialmente a cessar com esse procedimento, bem como a realizar medidas práticas neste sentido, visando evitar a dispersão de ruídos para o meio externo.

A respeito do tema, destaco decisões envolvendo templos religiosos:

“EMENTA: Direito de vizinhança. Poluição sonora. Culto religioso. Obrigação de não fazer. Ação julgada procedente. Assistência judiciária. Indeferimento. Possibilidade da concessão de assistência judiciária à pessoa jurídica sem fins lucrativos, mas condicionada à demonstração de impossibilidade material. Ausência de elementos para concessão do benefício. Uso anormal da propriedade. Ruídos excessivos em horário de repouso. Demonstração. Preservação da liberdade religiosa e do seu exercício, mas necessidade de observância de limites. Recursos desprovidos.

Nada impede que entidade sem fins lucrativos possa gozar dos benefícios da Justiça Gratuita, mas, no caso, não há elementos objetivos que indiquem impossibilidade de suportar as custas e despesas do processo.

A liberdade religiosa, embora assegurada constitucionalmente, não pode prejudicar o sossego alheio e as normas de tolerância. Bem por isso, havendo demonstração de que os cultos religiosos se realizam com uso de instrumentos de percussão após às 22 horas, perturbando o sossego dos vizinhos com ruídos excessivos, a ação de obrigação de não fazer foi corretamente julgada procedente, não necessitando de provas outras além daquela produzida”[6].

“Ação Civil Pública – Dano ambiental – Poluição sonora – Culto religioso – Liminar deferida – Alegação de ilegitimidade passiva – Ações ambientais que podem ser direcionadas aos responsáveis diretos ou indiretos pelos danos – Responsabilidade objetiva solidária – Interpretação da Lei nº 6.938/81, art. 3º, IV e art. 14, § 1º – Decisão mantida – Recurso improvido”[7].

Dessa maneira, mostra-se insustentável a continuidade de atividades, que causam ruídos excessivos e prejudiciais à pessoas.

A degradação ao meio ambiente gera um dano a toda coletividade, não somente pela poluição causada, mas quando atinge sentimentos da própria coletividade a tal ponto que possa causar revolta e ofender direitos difusos e coletivos.

[1] Paulo Affonso Leme MACHADO, Apontamentos sobre a Repressão Legal da Poluição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais volume 458, p. 279.

[2] Direito ambiental em evolução – Do crime de poluição, Juruá, 1998, p. 135.

[3] Direito do Ambiente, 5ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 279.

[4] Manual de Direito Ambiental, São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 158.

[5]“Resolução CONAMA nº 01, de 08.03.90: I – A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta resolução. II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior aos ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela Norma NBR 10.151 – Avaliação de ruídos em áreas habitadas visando o conforto da comunidade, da ABNT”.

[6]TJSP, Apelação Cível nº 0011438-20.2008.8.26.0268, Comarca: Itapecerica da Serra, 32ª Câmara de Direito Privado, j. em 09.06.2011.

[7]TJSP, Agravo de Instrumento nº 2267009-39.2015.8.26.0000, Comarca: Pirassununga, Relator: Des. Miguel Petroni Neto, v.u., j. em 06.10.2016.

*Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, procuradora de Justiça / Ministério Público do Estado de São Paulo e associada do Movimento do Ministério Público Democrático  (MPD)

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica