O direito à moradia é um vetor de dignidade humana e insere-se no mínimo existencial. Sua base convencional está no art. 25 da Declaração Internacional de Direitos Humanos de 1948 no art. 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. Demais disso, está expressamente assegurado como direito social no artigo 6º, caput, da Constituição
Por Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, 07/11/2024 10h40, Atualização: 07/11/2024 11h30
É importante discutir a quem cabe a responsabilidade por vícios construtivos, em se tratando de moradias populares.
Essa situação abrange a um só tempo: garantia do direito fundamental e social à moradia para população de baixa renda; garantia da adequada prestação de serviços de relevância pública; defesa metaindividual (tutela democrática e efetiva de conflitos massificados).
Nesse contexto, a legitimidade do Ministério Público encontra guarida nos artigos 127 e 129, incisos III e IX da Constituição Federal.
O direito à moradia é um vetor de dignidade humana e insere-se no mínimo existencial, condicionando o exercício adequado dos demais direitos. Sua base convencional está no art. 25 da Declaração Internacional de Direitos Humanos de 1948 no art. 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. Demais disso, está expressamente assegurado como direito social no artigo 6º, caput, da Constituição.
Nesse sentido:
“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Obrigação de fazer. Decisão saneadora afastou as preliminares de ilegitimidade ativa e passiva, indeferiu a denunciação à lide, bem como o reconhecimento da prescrição e o afastamento do Código de Defesa do Consumidor. Insurgência da requerida CDHU. Aplicação do CDC. Relação de consumo caracterizada. Inexistência de caráter lucrativo não modifica a natureza da relação. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos relacionados ao SFH. Entendimento do STJ. Legitimidade ativa. Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor. Inteligência do artigo 5º, Inciso I da Lei 7.347/85 e artigos 81 e 82, inciso I do Código de Defesa do Consumidor. Vícios construtivos que comprometem a higidez do empreendimento. Demanda ajuizada para prevenir danos à vida e à segurança dos moradores. Legitimidade passiva e denunciação da lide. CDHU atuou como contratante dos serviços. Responsabilidade de fiscalização das obras. Aplica-se ao caso o disposto nos artigos 7º, parágrafo único e 14, ambos do CDC. Responsabilidade solidária. Cabe ao autor da demanda eleger a ocupação do polo passivo. Denunciação da lide é vedada pelo disposto no artigo 88 do CDC. Eventual direito de regresso, em caso de procedência da demanda, deverá ser exercido pelas vias próprias. Prescrição. Prazo para se insurgir contra defeitos da obra é de 10 anos, nos termos do artigo 205, caput, do Código Civil. Existência de vício oculto. Termo inicial deve ser contado a partir da evidência dos defeitos. Entendimento do artigo 26, §3º do CDC. A instauração de inquérito Civil obsta a decadência, conforme o disposto no artigo 26, §2º, Inciso III do CDC. Prescrição não configurada. Resultado. Agravo não provido.”[1]
Conforme entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO ESTRUTURAIS E DE EXECUÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO DEMONSTRADA. EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECONHECIMENTO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PRESCRIÇÃO. VINTE ANOS. SÚMULA 194/STJ. AFERIÇÃO DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA CONSTRUTORA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AFERIÇÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. RECURSO QUE DEIXA DE IMPUGNAR ESPECIFICAMENTE OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO ORA AGRAVADA. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 932, III, E 1.021, § 1º, DO CPC/2015 E DA SÚMULA 182 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Não demonstrada a violação ao art. 535 do CPC/1973, quanto à alegada omissão pela não apreciação acerca da tese da ilegitimidade, sob a ótica da inexistência de contraditório, e ainda quanto ao pleito, em caráter subsidiário, para que fosse ressalvada a possibilidade de discutir novamente essas questões em cada caso futuro, por ocasião das liquidações individuais de sentença, pois tais teses foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. “A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos individuais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transindividuais – (REsp 706.791/PE, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02/03/2009)” – (REsp 1142630/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 07/12/2010, DJe 01/02/2011).
3. “Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra.”
– (Súmula 194, Segunda Seção, julgado em 24/09/1997, DJ 03/10/1997, p. 49345)
4. A aferição da condição de ser parte legítima, no presente caso, em razão da responsabilidade da construtora na execução do projeto de construção, à luz das obrigações contratuais e das provas constantes nos autos, incide no óbice das Súmulas 5 e 7/STJ.
5. “A conversão do pedido de obrigação de fazer em indenização por perdas e danos não configura julgamento extra petita, nos termos do art. 461, § 1º, do CPC, ainda que não haja pedido explícito nesse sentido.”- (REsp 1043813/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 27/09/2011)
6. O acolhimento de acolhimento da tese de impedimento na participação da produção das provas exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, atraindo o óbice da Súmula 7 do STJ.
7. Agravo interno não provido”[2].
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. MORADIA. LEGITIMIDADE ATIVA SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. NÃO INCIDÊNCIA.
1. O Plenário do STJ decidiu que, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC” (Enunciado Administrativo n. 3).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos de relevante interesse social, notadamente em favor dos mutuários vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação (ex vi do art. 6º e 127 da CF/1988).
3. Hipótese em que o Ministério Público Federal promoveu ação civil pública contra a União, a Companhia de Habitação Popular de Campinas (COHAB) e a Caixa Econômica Federal, em defesa dos interesses de oitenta e três mutuários prejudicados pela negativa de quitação dos saldos residuais dos contratos com os recursos que deveriam ter sido efetivamente recolhidos ao FCVS e, consequentemente, pela recusa da liberação da hipoteca e outorga de escritura definitiva do imóvel.
4. Não há necessidade de interpretar cláusula contratual ou examinar provas para constatar que o Parquet Federal pretende apenas regularizar a situação de cada mutuário, nos termos da legislação de regência (normas do SFH e FCVS), a fim de assegurar-lhes o direito à moradia.
5. Agravo interno desprovido”[3].
Não há dúvidas quanto à caracterização da relação de consumo e consequente incidência das normas de ordem pública do Código de Defesa do Consumidor, justificando-se a solidariedade estabelecida entre todos os integrantes da cadeia de consumo[4].
Ressalte-se que não é possível excluir a empreendedora e vendedora do empreendimento, ou seja, a dona da obra e que, portanto, responde solidariamente perante os adquirentes pela solidez da obra e também dos materiais empregados nas unidades que vendeu aos integrantes do conjunto habitacional.
Nesse sentido:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. CONJUNTO HABITACIONAL. Insurgência contra sentença de procedência. Sentença mantida. 1. PRESCRIÇÃO. Inocorrência. Prazo prescricional decenal. Aplica-se à pretensão reparatória de vícios construtivos prazo prescricional decenal. Precedente. 2. LEGITIMIDADE DE PARTES. Teoria da asserção. Legitimidade de partes deve ser aferida a partir de juízo hipotético com informações da inicial. Ambas as rés poderiam, em teoria, vir a ser responsabilizadas na forma da inicial. Legitimidade passiva configurada. 3. RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS. CDHU responsável pela construção e Município responsável pela fiscalização dos imóveis. Responsabilidade solidária perante os mutuários contemplados com a moradia popular, resultante da Lei Municipal que autorizou a celebração de contrato e do próprio contrato para produção de moradias celebrado pelas rés (art. 264, CC). 4. PRAZO PARA EXECUÇÃO DAS OBRAS. Adequação, ausente demonstração de insuficiência do prazo concedido, considerando a necessidade de cumprimentos de sentença individuais para cada uma das moradias. RECURSO DESPROVIDO”[5].
“Apelação. Vícios da construção. Ação de indenização por danos morais e materiais. Sentença de procedência da demanda. Recursos da CDHU e da construtora. Preliminares afastadas. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Hipótese de responsabilidade solidária (art. 25, §1º, CDC). Aplicação do CDC. Vícios constatados em robusta prova pericial judicial. Dever de reparar os danos materiais. Indenização que deve incluir o “BID – bonificação de despesas indiretas”. Precedentes. Danos morais configurados. Indenização devida. Quantum fixado em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença mantida. Recursos não providos”[6].
“Obrigação de fazer c/c indenização por danos morais. Vícios construtivos. Ilegitimidade passiva da CDHU afastada. Empresa que detém a obrigatoriedade de fiscalizar a obra. Contrato claro nesse aspecto. Prescrição a ser observada que é a decenal (artigo 205 do Código Civil). Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Solidariedade estabelecida entre todos os integrantes da cadeia de consumo, sem que seja adequada, nesse momento processual, individualizar condutas. Dano moral caracterizado e aqui arbitrado em R$ 6.000,00, conforme pedido inicial. Preliminar rejeitada, recurso dos Corréus não providos e provido o recurso adesivo do Autor”[7].
“AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. A natureza jurídica da CDHU não obsta o reconhecimento da relação de consumo, uma vez que esta ocupa a posição de fornecedora na relação jurídica objeto da lide. Justifica-se, portanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Pedido da CDHU de denunciação da empresa construtora à lide. Alegação de litisconsórcio passivo necessário. A hipótese concreta dos autos encerra apenas a responsabilidade solidária entre as pessoas jurídicas. É faculdade do requerente litigar contra um ou todos que estejam na cadeia de fornecimento, sem prejuízo do direito de regresso em face da construtora na via própria. A denunciação à lide não prospera em razão de vedação legal (Art. 88 do CDC). Tal proibição processual se justifica para proporcionar tutela célere e efetiva ao consumidor. Precedentes desta 1ª Câmara. Recurso desprovido”[8].
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Vícios de Construção – CDHU – Decisão agravada que afastou a ilegitimidade passiva da CDHU, bem como rejeitou o pedido de inclusão do Município de Jaci no polo passivo da demanda – Insurgência da Agravante – Não acolhimento – Relação de Consumo constatada – Inteligência do art. 3º do CDC, fato este que independe da finalidade lucrativa, ou não, da Ré – Inexistência de litisconsórcio passivo necessário – A despeito da Municipalidade ter assumido a responsabilidade pela solidez da obra, atuou sob orientação e fiscalização da CDHU – Responsabilidade Solidária (Art. 25, § 1º, do CDC) – Consumidor que tem a faculdade de escolher ingressar com a demanda somente contra a CDHU – Precedentes – DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO”[9].
Nestas condições, ao responsabilizar todos os integrantes da cadeia de consumo a sanarem os vícios dos imóveis comercializados, no caso, moradias populares, deve-se estabelecer prazo para conclusão, sob pena de multa diária de valor razoável, lembrando que ela deve ser fixada em patamar suficiente para que os devedores tenham receio de descumprir a obrigação estabelecida.
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