Por Ricardo Prado
Professor de Direito Penal, ex-Promotor e Procurador da Justiça

Vivemos a época da internet de banda larga, o vídeo que não abre em um click logo é descartado e substituído pelo próximo. Não há tempo a perder.

A vida sempre foi vivida de forma intensa por uma parcela da humanidade, mas agora, isso se tornou uma conduta coletiva. O ser humano atual quer viver na velocidade da luz, ou ao menos, na velocidade da banda larga. Estamos ficando impacientes. Apressados.

O problema é que o comportamento da frente da tela do celular transborda para outros ambientes, o trânsito inclusive.

Boa parte das pessoas parece estar sempre atrasada, sempre correndo, sempre com pressa para chegar. “José, para onde?” .

Em 30 de julho de 2022, um estudante atravessava a avenida Lúcio Costa, na orla da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando foi atropelado por uma motocicleta. Com o impacto, o jovem de 16 anos de idade perdeu uma perna no local, e faleceu quando chegava ao hospital. Sua mãe a tudo presenciou. O motorista da moto não possuía habilitação, embora declare que sabia pilotar há muitos anos, e conduzia seu veículo em velocidade muito superior a permitida para o local. O motorista foi preso cautelarmente, responde a processo por homicídio doloso (dolo eventual), e embora tenha obtido a liberdade provisória oito meses após ser preso,

deverá enfrentar vários anos de tormento até que a Justiça chegue à sentença final (notícia publicada pelo jornal O Globo em 10/05/2023).Por quais razões as pessoas não evitam esses acontecimentos?O que leva um jovem, do mundo da moda, a dirigir uma motocicleta muito acima da velocidade permitida numa área de grande tráfego de veículos e de pessoas. Não sabia que era perigoso? Achava que não iria acontecer? Acreditou ser um exímio piloto e que sempre conseguiria evitar o pior, mesmo não sendo habilitado?

Incrível como essas tragédias se repetem. A imprensa não cansa de noticiar, mas os motoristas não cansam de desrespeitar a sinalização, de violar as normas do trânsito, e de repetirem comportamentos sabidamente perigosos, alguns perigosíssimos.

É inacreditável o número de pessoas que guiam falando no celular, motoqueiros dirigindo motos e manuseando o celular.

Não é por acaso que as mortes no trânsito continuam em número assustador apesar de todas as campanhas de conscientização. Esse ano, “MAIO AMARELO” completa 10 anos.

É verdade, algum efeito as campanhas têm conseguido, afinal, a frota de veículos não para de crescer, e o número de acidentes não tem acompanhado esse crescimento vertiginoso do número de veículos em circulação. Saímos de quase 30 milhões de veículos em 2000 para 64 milhões em 2010, e 107 milhões em 2020. Em março deste ano, já eram mais de 115 milhões de veículos em circulação. O volume de motocicletas explodiu no período, passando de 3,5 milhões em 2000 para mais de 26 milhões em 2023 (estatísticas do SENATRAN).

Os números dos acidentes, das internações e das mortes infelizmente, também, são muito significativos. Mais de 33 mil pessoas morreram no trânsito brasileiro em 2021 (fonte: portal do trânsito). E apesar das inúmeras alterações na legislação, aumentando penas para os crimes de trânsito, elevando os valores das multas, distribuindo câmeras pelas avenidas e rodovias, ainda assim, os números insistem em se manter nas alturas, caindo lentamente apesar dos grandes esforços nesse sentido.

As principais causas das tragédias no trânsito são: a falta de atenção (o celular tem contribuído muito negativamente nesse ponto); a desobediência à sinalização; velocidade incompatível com o local, dirigir sob a influência de álcool, defeito mecânico de veículo, desobediência em relação à distância de segurança, dormir no volante, animais na pista, ultrapassagem indevida e defeito na via.

Como se vê, a grande maioria dos eventos pode ser evitado, pois, decorrem da conduta humana. A falta de atenção, a velocidade incompatível com o local, desobediência em relação à distância de segurança, dormir no volante e ultrapassagens indevidas são todas decorrentes da pressa. Não podemos perder tempo no trânsito, assim, aproveitamos para olhar o celular enquanto guiamos ou enquanto atravessamos as ruas. Precisamos andar colado no carro da frente para aproveitar a brecha, assim que possível, e chegar mais cedo. A velocidade nunca é a estabelecida pelas normas legais, mas aquela que nós julgamos ser a adequada, mesmo sem termos formação em engenharia suficiente para calcularmos os valores adequados. Só se respeita limite de velocidade onde há radar. Não havendo radar, para muitos motoristas o limite deixa de existir.

Além de nossa impaciência no trânsito, outro fator compromete significativamente os resultados: nossa falta de aderência às normas legais. As regras parecem ter sido feitas apenas para os outros, não para nós. O ser humano parece julgar que ele próprio sempre é o melhor juiz para tudo. Entendemos de Direito, de Medicina, de Engenharia, de Educação, e de uma infinidade de coisas, mesmo sem nunca ter estudado a fundo essas matérias. E de trânsito então, são todos especialistas. Mas obedecer às normas estabelecidas, isso não.
Resultado: ultrapassa onde não pode; fica tão próximo do carro da frente que na primeira brecada, pronto, oficina na certa, hospital muitas vezes. Respeitar o sinal vermelho então, só em último caso, se o carro da frente já tiver parado, porque se der para “aproveitar o semáforo” não há dúvida, afinal, precisamos chegar logo.

Impaciência e desobediência às normas legais respondem pela grande maioria dos eventos traumáticos ocorridos no trânsito. Milhares de vidas ceifadas prematuramente, multidões levadas diariamente aos hospitais, muitas pessoas com danos comprometedores de sua qualidade de vida para sempre.

Antes de guiar, saia mais cedo, foque sua atenção na condução do veículo e no trânsito a sua volta, respeite as regras e a sinalização. Descanse antes, se for viajar, e esqueça o celular enquanto estiver ao volante (somente o GPS pode ser usado e mesmo assim fixado no painel, sem manipulação). O ideal é um copiloto quando necessário dirigir e olhar o caminho, prática que virou comum atualmente. Antigamente olhávamos o mapa e decorávamos o caminho antes de se sentar ao volante, mas hoje em dia, não temos tempo para essa conduta, quem precisa olhar mapas quando se tem um celular.

Use corretamente o celular, pois, “No trânsito, escolha a Vida!” (campanha Maio Amarelo de 2023).