PEC 89: uma afronta ao Estado Democrático de Direito.
O Deputado Hugo Leal, do PROS/RJ, integrante da base aliada do Governo Federal, que se vê em situação dificílima em face das investigações decorrentes da operação Lava Jato, apresentou Proposta de Emenda à Constituição Federal (n. 89) que propõe a criação de juizados de instrução criminal sob a presidência de Delegados de Polícia.
Montesquieu concebeu em 1748 um sistema tripartido de freios e contrapesos, dos poderes se autocontrolando, cabendo aos magistrados dar concretude à vontade abstrata da Lei e neste espírito a Constituição Federal consagra como garantia fundamental a inafastabilidade da apreciação judicial de lesões a direitos.
Os verdadeiros juizados de instrução existentes em países europeus como a França e Itália tem em sua concepção a figura de juiz de instrução presidente, integrante da Magistratura, sendo elementar que a atividade de polícia judiciária auxilia o sistema de justiça.
No sistema, é bom lembrar, Delegados de Polícia são subordinados ao Poder Executivo. Portanto, é obvio que não podem os Delegados de Polícia exercer atos inerentes ao exercício da Magistratura, hipótese que viola o núcleo da Constituição Federal – separação dos poderes.
Além disso, a PEC 89 propõe indesejável retrocesso ao sistema inquisitorial em detrimento do contraditório, podendo ferir direitos processuais fundamentais. A PEC 89 também subverte a Constituição Federal ao desconsiderar o papel constitucional do MP, que é, o titular da ação penal pública, dotado de poder de investigação criminal.
Inclusive, é importante lembrar, no plano internacional, a construção do Estatuto de Roma, do qual se originou o Tribunal Penal Internacional, que considera o poder de investigação criminal do MP uma das maiores conquistas para a civilização, reconhecido pelo Congresso Nacional, por 430×9 ao rejeitar em 2013 a PEC 37, que propunha o monopólio do poder de investigação criminal para a Polícia e reafirmado em maio último pelo STF ao julgar o RE 593727, com Repercussão Geral, reconhecendo e declarando por 10×1 o poder de investigação criminal do Ministério Público.
A PEC 89, portanto, representa grave afronta ao direito fundamental ao julgamento, os compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário e as recentes deliberações do Congresso e STF, propondo a criação de supostos juizados de instrução criminal sob a presidência de Delegados de Polícia, subvertendo princípios elementares do sistema político brasileiro e do devido processo legal, propondo inadequada concentração de poderes, afrontosa também às prerrogativas dos advogados e direitos dos investigados e representa histórico e indesejado retrocesso para a persecução penal no Brasil.
Roberto Livianu, é promotor de Justiça em São Paulo, doutor em Direito Pela USP, idealizador e coordenador da campanha #NãoAceitoCorrupção e presidente do MPD.