(10/04/17) MP NO DEBATE Particularidades atuais da quebra de sigilo bancário (parte 2)

Por Rogério Alvarez de Oliveira e Wanessa Gonçalves Alvarez
Dando prosseguimento à análise do tema, importante esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que é lícita a requisição direta de informações bancárias de contas de titularidade de órgãos e entidades públicas com o fito de proteger o patrimônio público (STJ, 5ª Turma, HC 308.493-CE, j. em 20/10/2015).
No âmbito de inquérito civil, que caracteriza investigação administrativa, de caráter inquisitorial, unilateral e facultativo, instaurado e presidido pelo Ministério Público e destinado a apurar a ocorrência de danos efetivos ou potenciais a direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, nos termos da Resolução 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público e do Ato Normativo 484 do Ministério Público do Estado de São Paulo, a concessão da informação bancária sem a oitiva sumária da outra parte é imprescindível para a eficácia das investigações.
É importante esclarecer que o Ministério Público pode requisitar dados bancários diretamente às instituições financeiras, ou seja, independentemente de ordem judicial, quando a investigação ou procedimento administrativo versar sobre desvios de verbas públicas, haja vista que o mero ingresso desses valores em contas particulares não evanesce a origem pública dos valores, segundo o entendimento da corte suprema no MS 21.729-4/DF.
No mesmo sentido decidiu o STJ no Habeas Corpus 308.493/CE, quando entendeu que “não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público de informações bancárias de titularidade de prefeitura municipal para fins de apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública”.
No mesmo julgado, citou precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidos pelo sigilo bancário a que alude a lei complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal”. Em ambos os casos, prevaleceram os princípios da publicidade e da moralidade, que impõem o dever de transparência.
No Código de Processo Civil de 1973, a quebra de sigilo bancária era requerida por meio de medida cautelar de exibição de documentos, com fundamento nos artigos 844 e 845 do texto processual, que poderia ser autônoma, preparatória ou incidental. A medida constituía mera diligência investigatória, ou seja, não havia a composição triangular e jurisdicional do processo, ao menos quando a medida era preparatória, o que afastava quaisquer objeções quanto ao contraditório.
Daniel Amorim Assumpção Neves abordou o assunto, afirmando que “o Código de Processo Civil não obriga, de antemão, que todas as provas a ser produzidas antecipadamente sigam, necessariamente, o caminho jurisdicional. Em tema que foge completamente ao foco do presente estudo, e bem por isso deixará de ser analisado, parece plenamente possível, dentro do respeito a algumas garantias fundamentais, a produção de provas de forma atípica fora do processo, como ocorre no Inquérito Civil (…). O tema, pouco explorado pela doutrina nacional, dependeria de uma análise exaustiva, o que, infelizmente, desvirtuaria do tema principal agora enfrentado, valendo observação apenas como incentivo a uma discussão mais profunda por parte dos processualistas pátrios”.
Ocorre que, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, tem-se cogitado a aplicação do disposto no artigo 10, que veda decisões surpresas em quaisquer circunstâncias, in verbis: “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Ora, o dispositivo é importante e parte da ideia de democratização do processo com a participação efetiva de todos as partes, entretanto, tal mandamento se encontra na parte geral do novel código e sua aplicação à quebra de sigilo bancário preparatória não se compatibiliza com o artigo 9º, que também impõe o prévio contraditório, mas traz ressalvas, em seu parágrafo único, quanto à tutela provisória de urgência, à tutela de evidência prevista no artigo 311, incisos II e III e à decisão prevista no artigo 701.
No CPC de 2015, a produção antecipada de provas se encontra no artigo 381, no capítulo que trata dos meios de provas e dispõe sobre sua admissão quando houver fundado receio de que se torne impossível a verificação de determinados fatos, quando a prova seja suscetível de viabilizar a autocomposição, e, ainda, quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar ajuizamento de ação, sendo que na última hipótese se subsume o pleito preparatório de quebra do sigilo bancário.
O cerne da questão é o que prescreve o artigo 382, parágrafo 1º, do citado código, onde se lê que “o juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a citação de interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, salvo se inexistente caráter contencioso”. Ora, a ação de produção antecipada de provas, como ensinam Fredie Didier Júnior, Paula Braga e Rafael de Oliveira, esgota-se na produção da prova — tão somente. Não há qualquer pretensão de que o magistrado reconheça, certifique ou ateste a veracidade de fatos e circunstâncias, mas, apenas, que a prova seja produzida regularmente.
Tal dispositivo ratifica a desnecessidade de oitiva sumária da outra parte, haja vista a própria natureza jurídica do processo autônomo de produção de provas, que possui característica de jurisdição voluntária. A litigiosidade é potencial e, portanto, o contraditório deve ser realizado de forma diferida. Como ensina Flávio Monteiro de Barros, “é perfeitamente possível que, antes de ordenar a citação, o juiz conceda liminarmente a ordem, como ocorre na tutela de urgência pleiteada pelo autor, para se determinar a realização sumária de prova”.
É necessário observar que a produção da prova pode servir, aliás, como contraestímulo ao ajuizamento da ação principal, evitando a propositura de ação infundada. Como esclarece Yarshell, “referida ação possui duplicidade peculiar, pois a procedência da demanda possui o mesmo significado para as partes”. Vale ressaltar que a ação de exibição de documentos foi realocada, pois hodiernamente consta no rol dos meios de prova, o que confirma a desnecessidade de citação da outra parte.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.134.665 / SP, relatado pelo ministro Luiz Fux, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, “devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos”.
Portanto, constatado pela corte suprema que o Ministério Público pode requisitar dados bancários diretamente às instituições financeiras quando se tratar de investigações que busquem o ressarcimento ao erário, com mais razão deve ser possibilitado, quando negado referido acesso, o ajuizamento de ação visando à quebra de sigilo bancário de investigados sem a participação sumária de outra parte, postergando-se o contraditório, tendo em vista o prejuízo que a citação prévia do investigado poderia acarretar às investigações, já que, apesar da quebra de sigilo bancário se referir a informações e fatos pretéritos, tal ciência sumária pode acarretar em alerta do demandado resultando na remessa de valores para o exterior e no remanejamento e transferência de bens a terceiros, prejudicando a regular persecução de atos ilícitos.
— Barros, Flávio Monteiro. Manual de Processo Civil. Editora MB. 2016.

— Didier Júnior, Fredie. Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira. 11 Ed. Salvador. Ed. Jus Podivm, p. 142. 2016.

— Neves, Daniel Amorim Assumpção. Ações Probatórias Autônomas. p. 21. 2008, Saraiva.

— Souza, Antonio Fernandes de Barros e Silva de (procurador-geral da República) e Araújo, Lindôra Maria de (procuradora da República e diretora-geral da Escola Superior do Ministério Público da União). Quebra de Sigilos Bancário e Fiscal – MPF e MP-DFT”, 2006, Brasília.

— Yarshell, Flavio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. P. 301. 2009. Malheiros.
Rogério Alvarez de Oliveira é promotor de Justiça e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático.
Wanessa Gonçalves Alvarez é analista de Promotoria
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Imagem: Arquivo/Web