10/10/2016
MP no Debate
Notificação prévia prejudica a razoável duração do processo de improbidade

Por Renato Kim Barbosa
A notificação prévia nas ações de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa foi instituída pela Medida Provisória 2.225-45/2001, a qual incluiu, por meio de seu artigo 4º, sete parágrafos ao artigo 17 da Lei 8.429/1992.
Com tal alteração, criou-se uma fase preliminar no respectivo processo: antes de receber a ação, o juiz deve determinar a notificação dos réus para que se manifestem acerca dos fatos imputados. Somente após tal diligência ocorrem o recebimento da ação e a citação dos réus para que ofereçam contestação.
Porém, a fase preliminar de notificação prévia traduz-se em verdadeira teratologia procedimental, pois na prática a mesma peça é apresentada duas vezes pelos réus, apenas com nomenclaturas diversas: manifestação prévia econtestação. Com efeito, o conteúdo é o mesmo, não havendo inovação fática ou jurídica, uma vez que inexistem novos argumentos a serem aduzidos.
Desse modo, nota-se a flagrante inconstitucionalidade do dispositivo legal sob comento (artigo 4º da Medida Provisória 2.225-45/2001), já que todo um ciclo procedimental é desnecessariamente repetido: intimação pessoal dos réus, juntada da manifestação prévia ou contestação, abertura de vista ao autor da ação e, finalmente, conclusão para a decisão do juiz.

A notificação prévia, por conseguinte, afronta o artigo 5º, caput, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, que determina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
A fase preliminar criada pela referida medida provisória chega a retardar em anos o trâmite dos processos judiciais que visam a reprimir, na seara cível, a corrupção e os demais atos de improbidade administrativa. Como consequência, geram-se atraso e deficiência incomensuráveis na proteção do patrimônio público e do erário, prejudicando sobremaneira a defesa dos direitos dos cidadãos quanto a possuir uma Administração Pública livre de improbidade.

São incontáveis os exemplos em concreto da situação inconveniente ao interesse público causada por tal norma — após anos, milhares de processos ainda não puderam desenvolver-se regularmente, em razão notadamente das alterações empreendidas pelo artigo 4º da Medida Provisória 2.225-45/2001, gerando prejuízos incalculáveis à sociedade.

Convém registrar, por oportuno, que a diminuta eficiência da notificação prévia também é constatada pela jurisprudência, conforme o seguinte entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça[1] (grifos nossos):

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DEIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO DECLARADA. QUESTÃO PRECLUSA COM A SENTENÇA CONDENATÓRIA. (…). 1. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça prevalece o entendimento de que, em ação civil pública na qual se apuram atos de improbidade administrativa, a ausência da notificação do réu para a defesa prévia, prevista no art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/1992, só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo (pas de nullité sans grief). Nesse sentido: AgRg no REsp 1225295/PB, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 06/12/2011; REsp 1233629/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14/09/2011; REsp 1184973/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21/10/2010; REsp 1134461/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 12/08/2010. 2. Ademais, tendo havido sentença condenatória, esvazia-se a tese de que seria necessária a observância da fase preliminar de defesa, em razão de possível e eventual prejuízo, uma vez que esta tão somente tem a finalidade de evitar a propositura de ações temerárias. A respeito, dentre outros: STF, HC 111711, Relatora Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe-238; HC 89.517/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso; HC 115520, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-095. (…). 4. Recurso especial não provido.
Por todos esses motivos, é extremamente importante a alteração pretendida pelo artigo 12 do Projeto de Lei 4.850/2016 (10 Medidas Contra a Corrupção), o qual objetiva simplificar o procedimento das ações de improbidade administrativa, in verbis:

Art. 12. Os §§ 7º, 8º, 9º e 10 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art.17… § 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a citação do requerido para responder à ação e oferecer contestação, no prazo de quinze dias. § 8º Juntada a contestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. § 9º Da decisão que determinar o prosseguimento da ação, caberá agravo retido. § 10. Presumem-se válidas as intimações e notificações dirigidas ao endereço no qual se deu a citação do réu, cumprindo à parte atualizá-lo sempre que houver sua modificação temporária ou definitiva.” (NR)

Com a aprovação dessa importante proposta, a fase de notificação prévia será extinta, mas a avaliação de efetivo recebimento deverá ser realizada pelo Juiz de acordo com a contestação apresentada pelos réus, nos moldes do processo penal hodierno (artigo 396, caput, do Código de Processo Penal), evitando-se eventuais lides temerárias — as quais, consigne-se expressamente, são exceções.
Em resumo, os processos tramitarão mais rapidamente com a aprovação do referido dispositivo do projeto de lei em apreço, apresentando à sociedade uma resposta mais célere na repressão da corrupção e dos demais atos de improbidade administrativa na área cível – tudo isso sem deixar de observar os direitos e as garantias constitucionais dos réus.
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[1] Recurso especial 1101585/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 21/11/2013, publicado em 25/04/2014.
Renato Kim Barbosa é promotor de Justiça em São Paulo e membro do Ministério Público Democrático (MPD)
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