18/08/2016

António Cluny

“Enfoque na criminalidade torna MP menos eficaz”
O procurador-geral adjunto de Portugal, António Francisco de Araújo Lima Cluny, 61, compreende que a atuação do Ministério Público não deve ser restringida apenas ao combate e prevenção da criminalidade este enfoque torna as atividades da instituição menos efetivas, inclusive no âmbito da Justiça Criminal. Nesta entrevista à MPD Dialógico, o magistrado português discorre sobre fatores relevantes ao exercício da função ministerial a partir da experiência europeia e na observação do desempenho brasileiro. Segundo afirma, a própria prevenção da criminalidade se envolve no controle da legalidade em outras áreas que envolvem conflitos laborais, sociais e também financeiros.
O conferencista de abertura do 5º Congresso Nacional do MPD é o atual membro nacional de Portugal na Agência da União Europeia para Cooperação Judiciária (Eurojust), criada em 1999 para estimular e aprimorar a coordenação de investigações e prossecução entre as autoridades competentes de seus estados membros. Também expõe a preocupação com o atual estágio de desenvolvimento da Procuradoria Europeia (European Public Prossecutor’s Office – EPPO), em que a atual proposta prevê a total subordinação dos procuradores europeus adjuntos e os procuradores delegados a nível nacional à Procuradoria Europeia. Conforme explica, o verdadeiro poder sobre o andamento e destino do processo passará a competir numa câmara de procuradores de diversos países. “O poder difuso dessas câmaras propicia, porém, todo um tipo de decisões pactuadas e, por isso, pouco transparentes.”
O ex-presidente da MEDEL (Magistrats Europées pour la Démocratie et les Libertés – associação que congrega entidades de magistrados e procuradores de diversos países em prol da democracia e das liberdades) percebe que o modelo brasileiro não se reteve em atribuições clássicas as quais remetem a função do MP como titular da ação penal. Para António Cluny, a atuação brasileira para o efetivo respeito da lei e da Justiça é dinâmica, ampla e imaginativa, mas ainda precisa assegurar, no plano da ação penal, maior controle e defesa dos direitos humanos, tanto das vítimas quanto dos acusados.


MPD Dialógico: Na posição de observador, como avalia o desempenho do Ministério Público brasileiro nos últimos anos?

António Cluny: Uma das características mais significativas do MP brasileiro é, como destacou já Luigi Ferrajoli, o famoso jurista italiano, o fato de os seus agentes se intitularem “promotores”. A forma dinâmica, ampla e imaginativa como o MP brasileiro tem, de fato, “promovido” a efetivação do respeito da lei e da Justiça, é a característica distintiva que o destaca no seio das instituições públicas brasileiras e mesmo em relação à ação dos MP de outros países. O fato de o modelo de MP brasileiro não ter ficado refém das atribuições clássicas, que, em regra, remetem o MP para o papel – mais ou menos ativo – de titular da ação penal, mostra bem como o MP brasileiro terá entendido que a melhor maneira de lidar com a defesa da legalidade democrática é agir em diferentes planos. Desta forma, agindo na defesa da legalidade em áreas diferentes, tem impedido, quando possível, que as diferentes manifestações de ilegalidade possam, elas mesmas, ser geradoras das condições propícias ao crime. Neste sentido, creio que está de parabéns o MP brasileiro: não conheço melhor exemplo. Tem-me parecido, porém – não sei se com razão, ou sem ela – muito menos conseguida a preocupação do MP brasileiro em assegurar, no plano da ação penal, o controle e a defesa dos direitos humanos, tanto das vítimas como dos delinquentes.


MPD Dialógico: Neste aspecto, o que pode dizer sobre a experiência portuguesa e europeia?

António Cluny: O MP português, não tendo no campo da defesa dos direitos de cidadania e do controle da legalidade administrativa uma ação tão lata quanto a do MP brasileiro, não se encontra, também, limitado exclusivamente ao exercido da ação penal, como acontece com outros MP europeus. Há que reconhecer, todavia, que a atividade primordial dos MP europeus, incluindo a do português, é dirigida à área da criminalidade. Este enfoque muito restrito do campo de ação dos MP europeus acaba, contudo, por os tornar menos eficientes, inclusive na área da justiça criminal.Como antes referi, a própria prevenção da criminalidade trava-se, desde logo, no controle da legalidade em outras áreas: na área dos conflitos laborais e sociais, na área da defesa do ambiente, na importante área da legalidade financeira. Nesse aspecto, o MP português encontra-se mais bem apetrechado do que a maioria dos MP europeus. Infelizmente ainda não se conseguiu uma total coordenação do conjunto dos seus órgãos tendo em vista agir em todos os planos concertada e eficazmente.


MPD Dialógico: Como está evoluindo a implantação da EPPO – Ministério Público Europeu? Quais os principais obstáculos e a quais temas se dedicará?

António Cluny: A questão do MP Europeu é complicada. No início, existia um projeto da Comissão Europeia que preconizava um MP verdadeiramente independente dos órgãos da União Europeia (UE) – Comissão, Conselho e Parlamento – e dos próprios Estados membros. Tal projeto concebia, de fato, uma instituição independente e responsável, mas centrada apenas no desempenho pessoal do próprio Procurador Europeu. Tal projeto, não conseguia, no entanto, fugir aos cânones napoleônicos de um MP totalmente hierarquizado, ficando os procuradores europeus adjuntos e os procuradores delegados a nível nacional totalmente subordinados e na dependência hierárquica do Procurador Europeu. O Conselho, porém, conseguiu, ainda assim, desequilibrar mais o projeto inicial. Hoje, de acordo com as alterações introduzidas por este último órgão da UE, o verdadeiro poder sobre o andamento e destino do processo passará a competir a uma câmara de procuradores de diversos países. O poder difuso dessas câmaras propicia, porém, todo um tipo de decisões pactuadas e, por isso, pouco transparentes. Isso pode diminuir a independência do MP europeu em relação às interferências dos Estados membros. Tal solução torna ainda os procuradores delegados a nível nacional em autênticos mandatários, retirando-lhes qualquer autonomia quanto ao destino dos autos, o que contraria a sua posição de autoridades judiciais a nível nacional. Tal circunstância pode limitar, de acordo com a jurisprudência europeia e de certos Estados membros, as próprias competências dos procuradores delegados, afetando sem dúvida a eficiência da sua ação. Por outro lado, dado o fato de as deliberações de tais câmaras serem colectivas fica também esvaziada a responsabilidade do Procurador Europeu pelas decisões que este tomar, responsabilidade que seria o contraponto da sua independência: no fundo o PE deixa, no projeto do Conselho, de ter verdadeiro poder decisório sobre o destino dos autos e será então absurdo responsabilizá-lo por eles. Enfim, o projeto não foi ainda aprovado e veremos o que se segue. As competências previstas nos projetos são também limitadas aos crimes que atentem contra os interesses financeiros da União Europeia, mesmo que o Tratado de Lisboa, que consagrou a figura do EPPO, admita, que, no futuro, ele possa ver alargado o seu âmbito de competências a outros delitos.


MPD Dialógico: Quais são os pontos em que o MP da Europa mais precisa avançar? Como tem lidado com o duplo e incompatível papel de simultaneamente defender o Estado e, ao mesmo tempo, a sociedade?

António Cluny: Como antes disse, o MP na Europa está, em regra, cingido ao exercício da ação penal. O exercício da ação penal na acepção europeia contempla, porém, a direção do inquérito criminal. Mesmo no Reino Unido – uma excepção europeia nesta matéria – o Crown Prosecutor Service pode hoje influenciar decisivamente a polícia no desenvolvimento e condução das investigações. A limitação das funções dos MP europeus à área criminal não é, todavia, uma boa solução, porque, entre outros aspectos, restringe a sua capacidade para conhecer a realidade institucional e social que envolve a grande criminalidade, designadamente a de colarinho branco. Portugal é no contexto europeu uma exceção, pois o seu MP reúne um conjunto de competências no âmbito da defesa da legalidade, dos direitos sociais e dos direitos difusos e coletivos. Além disso, o MP português funciona também como advogado do Estado; o que também é caso único e uma solução questionável. Contudo, os procuradores que exercem tais funções organizam-se, em regra, em procuradorias autônomas. Este papel pode ser, no entanto, contraditório com as outras funções, mas até agora tem realmente sido possível conjugar tais funções evitando conflitos insanáveis. Para tanto, tem ajudado o sentido de defesa da legalidade estrita que o MP português cultiva, mesmo quando tem de agir como advogado do Estado. Talvez por isso, em alguns casos “mais sensíveis”, a administração pública prefira contratar advogados particulares.


MPD Dialógico: O quanto o corporativismo e a burocracia têm prejudicado a eficiência na atuação do MP? Em sua visão, como isto ocorre?

António Cluny: Corporativismo e burocracia não são necessariamente causa e consequência um do outro, embora o primeiro possa, na realidade, contribuir para a sedimentação do segundo. O corporativismo traduz-se numa visão fechada e autocentrada nos interesses institucionais e por vezes egoístas de uma dada categoria de profissionais. Podem existir várias razões de ser para o desenvolvimento de tal fenômeno. Uma delas assenta na sensação de cerco que entidades como, por exemplo, o MP possam sentir por parte de outros poderes que são afetados pela ação que lhe está constitucional e legalmente cometida. Em minha opinião, todavia, as principais razões para o desenvolvimento do corporativismo têm a ver mais com a perda de referências democráticas e do sentido do bem comum na prossecução das funções públicas por parte de quem exerce funções públicas. Daí o corporativismo poder traduzir-se em atitudes burocráticas no exercício dessas funções e na própria organização das estruturas funcionais de um dado serviço público.


MPD Dialógico: Afinal, as instituições responsáveis por defender a sociedade, bem como os direitos fundamentais e conquistados possuem as ferramentas e condições ideais para realizar tal tarefa?

António Cluny: Vejamos! Nunca, em nenhuma situação, tais instituições estão totalmente apetrechadas para o fim para que foram criadas. De um lado, a realidade social é dinâmica e as instituições tendem a perpetuar procedimentos que, por fim, se mostram desadequados aos seus objetivos. De outro, a capacidade e a força das instituições destinadas à defesa da sociedade, depende muito da mobilização cidadã em torno dos direitos fundamentais e do impulso que nelas se possa refletir. Desacompanhadas dessa mobilização as instituições de defesa da sociedade – que por natureza devem ser incômodas para os outros poderes – perdem capacidade de intervir: isto, tanto no plano financeiro e portanto do seu apetrechamento, como no plano da sua legitimidade política no confronto com os poderes eletivos.


MPD Dialógico: Como o Ministério Público deve agir nos casos em que a administração pública não cumpre com o devido papel, relegando direitos fundamentais dos cidadãos?

António Cluny: A resposta a essa questão depende muito do âmbito das funções do MP e da sua organização: depende do modelo constitucional e legal que para ele foi definido. Em todo o caso, considero que o MP deve poder contar com poderes de investigação amplos tanto no domínio da ação penal, como no plano do inquérito civil ou administrativo. Toda essa panóplia de instrumentos de investigação deve, contudo, ter unicamente como destino – esgotadas as possíveis vias conciliatórias legalmente previstas e reguladas – a propositura de ações junto das diferentes jurisdições: só aos tribunais deve competir dizer o direito e impor a reposição da legalidade.


MPD Dialógico: Portanto, quais devem ser as estratégias adotadas pelo Ministério Público ao longo da investigação criminal para garantir o devido processo legal.

António Cluny: Esta é uma boa questão; uma questão que em Portugal tem feito correr muita tinta. Qualquer que seja o modelo de processo penal adotado, mas acima de tudo se tal modelo se integrar num processo de tipo inquisitório que dê expressão ao princípio do acusatório, a estratégia do MP para a investigação deve dirigir-se sobretudo à possibilidade de concretizar em juízo as provas recolhidas ou a concluir, com objectividade, rigor e transparência pela improcedência da queixa ou denúncia. Quero com isto dizer que o MP deve investigar com sentido de objetividade; mas, quando se convencer da culpabilidade dos suspeito, com o pragmatismo necessário à produção de provas válidas em julgamento. Não lhe deve bastar formular para si uma convicção de culpabilidade do investigado que saiba insusceptível ou de difícil comprovação em julgamento. Nos dias de hoje – e creio que no Brasil entendem bem o que estou a dizer – a atividade investigatória é usada demasiada vezes com intuitos propagandísticos: a notícia da investigação e da identidade do investigado produzem por si sós efeitos públicos, mesmo que, depois, os resultados de tais investigações não sejam conclusivos ou venham a decair em tribunal. Impõe-se pois, por parte do MP, uma avaliação constante da viabilidade da investigação. Sem tais cuidados, o MP pode cair no arbítrio e na denegação do que deve ser o devido processo legal e, pior ainda, pode ser instrumentalizado para fins alheios ao seu múnus constitucional.


MPD Dialógico: A sociedade vê o MP criminal como um vingador?

António Cluny: Tudo depende do modelo e da atitude dos diferentes MP. Não creio, contudo, que deva ser essa imagem que o MP deva prosseguir. O MP existe precisamente para evitar a vindita privada e a manipulação interessada da acusação pública. O MP existe para tomar a iniciativa de fazer valer a lei, sobretudo quando aqueles que sofrem os efeitos dessa violação não podem, por razões legais ou de recursos financeiros, exigir que a legalidade seja reposta. Neste sentido, o MP contribui para a reposição da igualdade cidadã, que é violada quando a legalidade democrática é infringida. Daí que não entenda o MP como um perseguidor implacável; antes como um agente da legalidade democrática, objetivo e ponderado.

MPD Dialógico: Qual a melhor estratégia para a instituição agir nos casos de corrupção em especial e no combate ao crime organizado em geral?

António Cluny: A melhor estratégia é sempre a preventiva. Ou seja, criar mecanismos de controlo que dificultem, ou rapidamente detectem os esquemas de corrupção. Num mundo em que os interesses públicos e privados se confundem de forma absolutamente excessiva, em que as administrações públicas delegam no setor privado muitas das suas funções originárias, só um apertado controle preventivo e um controle sucessivo, exaustivo e rápido do uso dos dinheiros públicos podem condicionar a corrupção. A corrupção, hoje, não se traduz sempre num pacto corruptor explícito e na troca de vantagens materiais imediatas: ela ocorre nos casos mais relevantes através de um intrincado jogo de influências e contrapartidas subentendidas, de difícil detecção.As auditorias de legalidade sobre os atos geradores de despesa pública, mas também sobre a eficiência e economicidade dos contratos públicos podem, neste campo, ter um papel decisivo na detecção e na denúncia dos casos mais graves de corrupção. A conjunção de tal actividade com a ação penal permite fechar o círculo: evitar danos, reparar os já produzidos e punir os infratores. No mais, impõe-se cooperação ativa entre os MP de todos os países fundada numa confiança mútua assente numa cultura de direitos humanos e que permita a sua ação coordenada e eficiente.


MPD Dialógico: Quais casos emblemáticos de Portugal podem servir de exemplo ao Brasil?

António Cluny: Como se compreenderá e até pelo dever de reserva a que estou obrigado, e que entendo dever ser sempre escrupulosamente respeitado, prefiro não falar de casos concretos.


MPD Dialógico: O que o MP brasileiro pode tanto aprender quanto contribuir com o português nesta questão?

António Cluny: Os sistemas penais e processuais penais são bastante diferentes. Em todo o caso, creio que seria bom incentivar a troca de experiências e a criação de redes de estudo e cooperação especializadas e permanentes entre os MP dos dois países e entre eles e os outros países que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A minha experiência na Eurojust ensina-me que tal tipo de redes especializadas por tipos de criminalidade e o estabelecimento de pontos de contacto também eles especializados a que os diferentes MP possam recorrer favorece enormemente a eficácia das investigações. De um lado, favorece a confiança mútua; de outro desenvolve a partilha de conhecimentos.

MPD Dialógico: Quais instrumentos legais à disposição do MP podem ser aperfeiçoados e como isso pode ser feito?

António Cluny: Há muitos instrumentos que podem ser aperfeiçoados: uns de natureza legislativa, outros ao nível das metodologias de trabalho. Um trabalho em equipe que se inicie com a investigação e se dirija desde logo à acusação e à sustentação da mesma em juízo é, a meu ver, um dos instrumentos organizativos mais eficientes. Porém, também aqui, há que vencer preconceitos corporativos e burocráticos. No que se refere à corrupção, a minha experiência ensina-me que a colaboração entre os MP da justiça penal e os dos Tribunais de Contas pode ser fulcral. Quanto à outra criminalidade importa sobretudo saber partilhar informação em tempo e organizar a coordenação das investigações que decorram em diversos departamentos, mas que visem os mesmos fatos ou fatos conexos. Há, em todo o caso, que evitar, em nome de uma “sacrossanta guerra” contra a corrupção, como contra a droga ou o terrorismo, que os nossos Estados se transformem em estados autoritários e policiais. Se isso acontecer, ganham sempre os que atentam contra a sociedade democrática.


MPD Dialógico: Qual o papel que a sociedade civil poderia desempenhar para contribuir com o cumprimento pleno das funções ministeriais?

António Cluny: À sociedade civil cabe sobretudo uma função de mobilização e vigilância democrática: inclusive sobre a atuação do MP. Isso pode ser feito a nível processual através de mecanismos que designamos por ação popular”: são iniciativas processuais em que um cidadão ou uma associação cívica se substitui ao MP quando este não atua, demandando os tribunais diretamente. Quanto ao mais, há que saber respeitar os diferentes planos de intervenção: à cidadania cabe no essencial exprimir-se politicamente através dos meios legais conquistados pela democracia. A confusão de planos pode originar situações de “justiça popular”, que por norma nem é justiça e muito menos popular, por ser mais atreita a manipulações políticas. Só exercendo corretamente a justiça como a Constituição prevê se podem evitar fenômenos e derivas populistas: essa a grande responsabilidade dos profissionais da Justiça.


MPD Dialógico: Como se daria uma cooperação da sociedade na construção político-administrativa do Ministério Público? Isto não fere a autonomia e independência da instituição?

António Cluny: Creio ter, em parte, respondido à primeira parte da questão no ponto anterior: criando condições processuais para uma intervenção subsidiária dos cidadãos junto dos tribunais quando se verifique uma injustificada inactividade do MP. Creio, também, que nada nisso provoca danos ou confusões quanto ao princípio da autonomia do MP. Este princípio existe apenas para garantir que o MP não age e não deve agir condicionado por outros valores que não os da lei: não é e não deve ser visto como um instrumento de nenhum poder para a realização de objectivos estranhos aos objectivos da lei e à realização do direito. É por isso que o MP deve agir com cuidado para não ser instrumentalizado por aqueles que, afinal, dele apenas esperam que realize os objetivos que a democracia lhes não consente. Serão esses que, logo depois, se encarregarão de cercear a “autonomia do MP”.


MPD Dialógico: Quais os caminhos para moralizar a administração pública e controlar a corrupção tanto no Brasil, em Portugal quanto no mundo? O MP tem trabalhado bem na defesa da sociedade em relação às consequências sociais da globalização?

António Cluny: A resposta a esta pergunta daria quase um tratado.Além disso temos todos que ter em conta que, em todas as circunstâncias, os poderes do MP, como da Justiça, são acima de tudo reativos e limitados. Só a ação política – e aqui falo de política como atividade nobre direcionada à realização do bem comum – pode, na verdade, criar condições para conter a corrupção. Jamais o sistema de Justiça, por mais que se esforce, poderá, por si só, fazê-lo. A corrupção moderna é congênita ao sistema político e econômico dominante. Por isso, o fenômeno da corrupção é transversal, mesmo que afete mais certos Estados do que outros. Acontece, até, que aqueles Estados que internamente são menos afetados pela corrupção são, por vezes, aqueles que mais favorecem ou beneficiam da corrupção existente em outros Estados. Ter consciência disto não significa que não devamos assumir – enquanto cidadãos e também enquanto profissionais da Justiça – um envolvimento cívico para controlar esse fenômeno a nível nacional, alterando, no que pudermos, a cultura e os mecanismos que favorecem a corrupção. Temos, porém, de ter consciência de que só a alteração política e econômica da sociedade e da organização dos Estados em que vivemos poderá contribuir decisivamente para reduzir a corrupção a uma dimensão marginal. A globalização – que em si não é boa nem é má, existe – constitui apenas o quadro de fundo em que devemos, também, desenvolver essa ação política. Por outro lado, é precisamente porque os interesses globais que geram e favorecem a corrupção são capazes de determinar os destinos dos países à margem dos poderes políticos legitimados e democraticamente constituídos que é necessário, também, desenvolver um esforço suplementar de coordenação das instituições judiciárias e do MP encarregadas de fazer valer a lei e o direito em todo o mundo.


MPD Dialógico: O que pode ser dito sobre o tema que ainda não foi abordado e que merece atenção?

António Cluny: Falta dizer que para controlar a corrupção é necessária, acima de tudo, vontade política; vontade e coragem para prosseguir o bem comum e não os interesses que a promovem e alimentam.
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Imagem: Nuno Ferreira/Público.PT