Recentemente, o caso de um grupo de empresários que teriam tomado a vacina ilegalmente em Belo Horizonte, em Minas Gerais ganhou as manchetes de todo o país. O que as pessoas não contavam – inclusive os golpistas – era que o imunizante não passava de, na verdade, soro fisiológico, segundo revelou laudo pericial. Além da hipótese da vacina falsa, a Polícia Federal trabalha com as linhas de investigação que apuram se as doses foram importadas ilegalmente ou desviadas do Ministério da Saúde.

Para explicar o grande problema da comercialização de vacinas, Ricardo Prado, presidente do Ministério Público Democrático (MPD) escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo um artigo intitulado “Crimes e malandragem na comercialização de vacinas”.

Leia abaixo um trecho da publicação:

Com a falta de vacinas, agora, surge o famoso jeitinho brasileiro de resolver os problemas, contornando as barreiras legais. A imprensa toda noticiou o caso dos empresários de Minas Gerais que adquiriram a vacina no mercado paralelo, e foram vacinados furando a fila.

Quando a burla às regras legais se faz presente, o ordenamento jurídico traz soluções. Embora possa haver alguma incerteza em alguns casos, na maioria das hipóteses, a legislação é muito clara.

Se a pessoa interessada em se vacinar fizer afirmação falsa ou apresentar documento falso para demonstrar condição de preferência que não possui, estaremos diante dos crimes de falsidade ideológica ou uso de documento falso, se praticados pelo usuário do serviço público.

Já o funcionário da saúde poderá cometer os crimes de prevaricação ou peculato, se descumprir a ordem de vacinação intencionalmente ou desviar as doses da vacina para uso próprio ou de pessoas de seu interesse. Como a vacina, adquirida com o dinheiro dos impostos passa a ser um bem público, é perfeitamente possível interpretar que o desvio da vacina tipifique o crime de peculato, pois, terá ocorrido desvio ou apropriação do bem público.

No caso dos empresários de Minas Gerais que teriam adquirido as vacinas furando a fila, a Polícia foi chamada para apurar a ocorrência, e, ao que se descobriu, a enfermeira não passava de cuidadora de idosos e as vacinas não eram mais que soro fisiológico. Ou seja, as pessoas que imaginavam estar enganando às autoridades, ou burlando às normas do país, em verdade, estavam sendo enganadas pela falsa enfermeira e as falsas vacinas. Na época das fake news, vacinas fake não chegam a ser uma novidade completa.

Se os empresários efetivamente receberam apenas soro fisiológico, produto de comercialização liberada no país, não haverá crime, não da parte deles. A conduta pode ser eticamente censurável, mas não havendo desvio ou apropriação de bem público, o comportamento passa a ser atípico, como dizemos juridicamente. Isto é, a conduta não se amolda, não se enquadra nos limites da descrição legal, portanto, não pode ser considerada criminosa. Não estarão sujeitos sequer a processo criminal, dado que no lugar de agirem criminosamente (a lei penal não pune a mera intenção, ao contrário das normas religiosas, se a conduta não chega a se realizar), eles acabaram sendo vítimas de outras pessoas “mais espertas” do que eles.”

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