Mário de Magalhães Papaterra Limongi*

26 de março de 2019

Com o ambicioso e genérico nome de projeto de lei anticrime, o ministro Moro apresentou, em cerimônia concorrida, anteprojeto contendo um conjunto de medidas que altera mais de uma dezena de leis e que, no dizer do seu artigo 1.º “estabelece medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa”.

A reação ao pacote, como hoje é comum neste país tão dividido, varia do apoio incondicional ao repúdio veemente.

Os admiradores do ministro, certamente em razão de sua postura na Operação Lava Jato, afirmam que agora os criminosos serão tratados com o rigor que merecem, que a impunidade acabará e, em consequência, a violência vai diminuir.

Já os adversários do ministro, pela mesma razão- postura de Moro como juiz- afirmam que nada mudará e que o endurecimento levará a um aumento inútil na população carcerária e só afetará aos pobres e adversários políticos. Também o novo conceito de legítima defesa (o MPD já se posicionou em nota pública contra a mudança), faz com que alguns considerem imprestável todo o projeto.

A toda evidência, as duas posições são indefensáveis.

Como é sabido, o endurecimento da lei penal, por si só, não redunda em diminuição da violência, o que não significa, no entanto, que a legislação dispense atualização.

Não é de hoje que o legislador tem estabelecido normas mais duras para a repressão penal.

No já distante ano de 1990, surgiu a Lei dos Crimes Hediondos, estabelecendo penas mais duras para determinados crimes, tornando-os insuscetíveis de anistia e indulto, além de estabelecer maior rigor para a progressão de regime. Não se pode dizer, apesar dos méritos da lei, que houve expressiva diminuição na prática de latrocínios, homicídios qualificados, sequestros e estupros, todos crimes hediondos.

Dois anos depois, surge a chamada Lei de Improbidade Administrativa com a ambição de combater atos de corrupção. Também aqui, apesar dos méritos da lei, não se pode dizer que o receio de punições (suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com a Administração, entre outras) tenha acarretado a diminuição da corrupção.

A interceptação telefônica, prevista como excepcional na Constituição Federal, foi regulamentada em 1996 e, sem dúvida alguma, deu aos órgãos responsáveis pela investigação criminal, melhores meios para a apuração de crimes gravíssimos.

Pouco depois, em 1998, surgiu a primeira lei que tipificou a conduta de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores com a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), curiosamente hoje criticado por muitos dos que insistem no endurecimento das leis.

Já no século 21, foram editados o Estatuto do Desarmamento- 2003-, que criminalizou o porte e posse de arma de fogo, a Lei de Drogas- 2006-, que passou a punir com mais rigor os traficantes e, principalmente, em 2013 a Lei que ampliou o conceito de crime organizado e introduziu a polêmica delação premiada.

Pois bem.

Todas as leis mencionadas, pelo projeto apresentado, sofrerão mudanças, o que vale dizer que as mudanças realizadas ao longo dos anos, todas elas voltadas para um melhor combate ao crime, não foram suficientes.

É evidente que todas as leis podem ser aperfeiçoadas.

Mas, também é evidente que a simples mudança da lei, ainda que voltada para uma maior repressão, não trará, necessariamente, diminuição na corrupção, no crime organizado e nos crimes praticados com violência à pessoa.

Todos os estudiosos sérios do fenômeno da violência apontam outras causas para a sua existência. A ideia de que pessoas só praticam crimes porque as penas são leves não se sustenta. As pessoas praticam crimes ou por impulso momentâneo ou porque, em momento algum, imaginam que possam ser sequer processados, quanto mais condenados.

A constatação óbvia de que o pacote de mudanças legislativas apresentadas não é uma panaceia, como apregoam alguns, não significa que não tenha aspectos positivos e que deva ser simplesmente rejeitado.

Ainda que outras medidas não legais (investimento na educação, melhor distribuição de rendas, etc.) sejam necessárias, não há como negar que, em vários aspectos, o projeto apresenta avanços importantes, tais como, por exemplo, a possibilidade de execução provisória da condenação após julgamento em segunda instância, a maior efetividade das decisões do Tribunal do Júri, a possibilidade de introduzir soluções negociadas no processo penal e a realização, como regra, de interrogatório por videoconferência.

O caso do feminicídio é emblemático.

Ninguém contesta o acerto do legislador ao criar a figura do feminicídio e estabelecer penas mais rigorosas contra seus autores. Nem por isso, houve diminuição dos casos de homicídios praticados contra as mulheres por seus maridos ou companheiros.

É possível se afirmar até que nos últimos meses, há uma sensação de que houve aumento nos crimes contra as mulheres.

Ora, o fato de a nova lei não ter, ao menos até agora, causado impacto significativo no combate à violência contra a mulher, não significa que a mudança não seja oportuna.

A violência contra as mulheres, como de resto a violência em geral, tem causas diversas. O estudo dessas causas precisa ser aprofundado, sem prejuízo da modificação da legislação penal.

Esta deve ser a posição dos operadores do direito com relação ao projeto apresentado: sem preconceitos ou posições já estabelecidas, reconhecer seus méritos, seus defeitos e contribuir para seu aperfeiçoamento.

*Mário de Magalhães Papaterra Limongi, procurador de Justiça e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático

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