É preciso educar para a tolerância e paz!
“Posto que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens onde devem erigir-se os baluartes da paz” (ONU)

 

*Sueli Riviera, procuradora de Justiça dos Direitos Difusos e Coletivos
A intolerância que presenciamos atualmente no Brasil e no mundo com suas profundas desigualdades educacionais, sociais, culturais, econômicas, violência e opressões de todo gênero nos desafia a buscar novos caminhos, métodos de ensino, investimento no preparo dos educadores do país, fortalecimento das famílias, da democracia, da redução das desigualdades sociais, dos espaços de convivência comunitários com a implementação de políticas públicas sérias e eficientes que cumpram as recomendações da Declaração de Princípios sobre Tolerância, da UNESCO, aprovada em 16 de novembro de 1995 e incorporem a Cultura de Paz.
Qual é o significado de tolerância? A resposta está no seu art.1º – intitulado Significado da tolerância, descreve no item 1.1 “A tolerância é o respeito, a aceitação e apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz.”
No seu art. 4º – intitulado Educação – prevê em seu item 4.1 que “A educação é o meio mais eficaz de prevenir a intolerância. A primeira etapa da educação para a tolerância consiste em ensinar aos indivíduos quais são seus direitos e suas liberdades a fim de assegurar seu respeito e de incentivar a vontade de proteger os direitos e liberdades dos outros.” Ressalta, portanto, que o meio mais eficaz à prevenção de intolerância é a educação.
Visando a implementação da Cultura de Paz no mundo, e levando em conta todos os tratados internacionais afins, em 20 de novembro de 1997,a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução 52/15, na qual elegeu o ano de 2000 como o “Ano Internacional da Cultura de Paz” e, na sequência, aprovou a Resolução 53/25, de 10 de novembro de 1998, em que proclamou o período 2001-2010 a “Década Internacional para uma Cultura de Paz e não-violência para as crianças do mundo”.
Em 6 de outubro de 1999, por meio da Resolução   53/243, aprovou solenemente a Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz  que em seu artigo 1º, letra ”a” reza: “Uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados:  a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;”
No item “9” firmou as Medidas para promover uma Cultura de Paz por meio da educação, dentre elas, a) Revitalizar as atividades nacionais e a cooperação internacional destinadas a promover os objetivos da educação para todos, com vistas a alcançar o desenvolvimento humano, social e econômico, e promover uma Cultura de Paz; b) Zelar para que as crianças, desde a primeira infância, recebam formação sobre valores, atitudes, comportamentos e estilos de vida que lhes permitam resolver conflitos por meios pacíficos e com espírito de respeito pela dignidade humana e de tolerância e não discriminação.”

 

O movimento Cultura de Paz foi iniciado oficialmente pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, em 1999, e visa prevenir situações que possam ameaçar a paz e a segurança, dentre elas, o desrespeito aos direitos humanos, discriminação, intolerância, exclusão social, pobreza extrema e degradação ambiental, valendo-se, para tanto, utiliza ferramentas  como a conscientização, a educação e a prevenção.  De acordo com a UNESCO, a cultura de Paz “está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não violenta de conflitos” e fundamenta-se nos princípios de tolerância, solidariedade, respeito à vida, aos direitos individuais e ao pluralismo.
Por aí se vê, que não basta fornecer educação para todos para se alcançar a tolerância e paz. É preciso que a educação seja de qualidade e para a paz, ou seja, que incorpore uma cultura de paz, efetivando, pois, as recomendações encartadas nas Resoluções da ONU e Declaração da UNESCO para a paz. Estamos falando apenas de uma das recomendações para a promoção da paz que é a educação, claro que ela deve ser implantada em conjunto com todas as demais medidas recomendadas: promover o desenvolvimento econômico e social sustentável e o respeito a todos os direitos humanos; garantir a igualdade entre mulheres e homens; promover a participação democrática; promover a compreensão, a tolerância e a solidariedade, destinadas a apoiar a comunicação participativa e a livre circulação de informação e conhecimento; e, para promover a paz e a segurança internacionais.

 

Cultura de paz exige, portanto, mudança de paradigmas já que os praticados nas últimas décadas revelaram-se equivocados, na medida em que a humanidade e o planeta estão em colapso. É tempo de mudança para que juntos possamos reinventar uma nova forma de viver que nos traga a paz e parte dela já foi delineada pela ONU em seus tratados, Resoluções e Declarações.
É preciso educar nossas crianças para a convivência em sociedade no regime democrático e isso passa pela obrigatória inclusão de matérias como política e cidadania no currículo escolar.  É preciso resgatar a história política do Brasil nas escolas para que as crianças saibam que tudo foi construído com muito sacrifício de pessoas corajosas que enfrentaram os regimes ditatoriais. Não é possível avançar sem resgatar a verdade e instruí-las de molde a que possam entender e vivenciar a democracia com o objetivo de que os regimes de exceção não voltem nunca mais, bem como para que vivam de forma adequada e equilibrada em sociedade. Cada criança brasileira deve se sentir parte de uma grande nação que ainda está em construção com a participação e colaboração de todos, para que tenham um futuro decente e sem violência.

 

Importante que se resgate e se fortaleça o valor das diferentes famílias, nas escolas e na sociedade em geral na educação das crianças. Toda a sociedade participa dessa educação. Um ser humano não se faz sozinho! Se faz com a participação e o amor da família;  com o empenho, preparo e dedicação dos professores e com o compromisso pela paz da sociedade em geral.

 

A cultura de paz nas escolas e na sociedade, portanto, nada mais é do que o ensino da vida democrática de um povo e do resgate da ética, da moralidade, da igualdade, da honestidade, dos direitos humanos, da cidadania, do respeito às diferenças, da resolução pacífica dos conflitos e da convivência ambientalmente sustentável em sociedade. É a valorização do SER humano em desprestígio do TER humano; a valorização de um estilo de vida fraterno e solidário! É, em última análise, a formação de um ser politizado apto a viver de acordo com os dogmas impostos pela nossa Constituição Federal, autoconfiante para se expressar e conhecedor dos limites legais e das consequências dos seus atos, podendo assim conviver em sociedade com todas as diferenças de cor, raça, credo, sexo, gênero e etc., de molde a não agir com violência, respeitando a si mesmo e aos outros.
Vale lembrar a famosa frase de Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.” (“Long Walk to Freedom”, Nelson Mandela, 1995).
O Ministério Público erigido como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF) tem um relevante papel que lhe foi reservado pela Carta Cidadã de 1988 e deve envidar todos os esforços necessários à efetiva implantação da Cultura de Paz nos moldes recomendados pela ONU. Acredito que podemos ensinar a PAZ. Esse é o grande desafio do nosso século e a melhor herança que poderemos deixar às futuras gerações.
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