Por Airton Florentino de Barros

No último dia de setembro deste ano a ANS definiu algumas novidades para a área da saúde privada, entre elas, a cobertura para o tratamento de pacientes com doença hepática contemplados com a disponibilização do órgão, através da fila do SUS.

Nem tanta novidade assim. Cabe-nos ressaltar que tal procedimento já vinha acontecendo. O Judiciário há mais de uma década vem concedendo liminares e julgando ações de cobertura de procedimentos ajuizadas por centenas de pacientes, obrigando as operadoras a cobrirem o custeio médico-hospitalar, em especial, neste caso, o transplante de fígado, quando a necessidade é atestada pelo médico do segurado. Além disso, decisões de Tribunais regionais e estaduais, nesse sentido, já chegaram ao STJ, que as têm confirmado, na maioria das vezes.

Ao consumidor, desconhecedor de tantas idas e vindas nessa seara, pode parecer que a ANS, por essas novas providências, o esteja protegendo. Mas não está. Continua a ANS sendo absolutamente inoperante. E, quando toma alguma medida ou é para fazer o que o Judiciário já vem determinando ou para prejudicar o segurado.

Por exemplo, quando ela suspende a venda de determinados planos em razão do número de reclamações de segurados, o Judiciário já julgou milhares de causas contra a operadora em razão do abuso praticado em relação a certos planos de saúde. Quando, ainda, inclui no seu rol novos procedimentos e medicamentos cobertos pelas operadoras, é porque o Judiciário, em centenas de causas, já vem determinando o fornecimento desse serviço.

Importante frisar, que o Judiciário não é a salvação do segurado nem está protegendo o consumidor a contento. Basta ver os recentes julgamentos do STJ, ora homologando resoluções da ANS que aprovam exorbitantes reajustes anuais acima da inflação e, além disso, muito acima da remuneração de qualquer outra atividade econômica e do salário do consumidor comum, mesmo para planos individuais.

Desacertado, quando libera maiores índices de reajuste a planos de saúde coletivos, cuja operacionalização, em razão da economia de escala, não tem os custos da administração dos planos individuais. E, ainda, quando admite a inclusão de reajustes baseados numa alegação unilateral da operadora do suposto aumento de sinistralidade, invertendo o risco da seguradora para o segurado, como se não se cuidasse de contrato de seguro, que o consumidor adere justamente para ver-se livre dos riscos de eventual sinistro.

Cumpre-nos informar que, também, não é nenhuma novidade da ANS a proibição de venda de 70 planos de saúde que decorre de milhares de reclamações de segurados. O fato se deu depois de centenas de decisões judiciais em demandas que os pacientes foram obrigados a promover em razão da inércia fiscalizatória da ANS. Se tivesse ela adotado as providências em tempo, evitaria muitos danos a milhares de segurados. Aliás, o ideal seria a efetiva punição das operadoras pelos costumeiros abusos praticados contra os consumidores em todo e qualquer plano de saúde.

Para verificar que a medida é ineficaz, senão lesiva ao interesse público, basta ver que, na maioria das vezes, as operadoras acabam se beneficiando dessas periódicas proibições, visto que se veem livres para lançar no mercado novos planos com menor cobertura e maiores preços, aliás, muito mais elevados.

Dessa forma, os segurados, na verdade, têm muito pouco a comemorar. Não que não seja positiva a medida da ANS nesse sentido, pois isso pode reduzir ou evitar burocracia, dependendo a fiscalização.

O ideal seria que a ANS se antecipasse e, considerando que o plano de saúde e os contratos correspondentes passam pela sua aprovação, obrigasse as operadoras a oferecerem planos de saúde com a maior cobertura possível, sem grande margem para a divisão em diversas classes econômicas, como se a saúde pública, ainda que suplementar, pudesse se converter em investimento especulativo. Ou então, melhor seria que entregassem logo esse “investimento” aos banqueiros.

Concluo, que, primeiro, o ideal seria que o serviço público de saúde fosse realmente universal, suficientemente correto e eficiente, administrado por agentes honestos, com destinação do seu orçamento sem desvios decorrentes de desperdícios ou corrupção, de modo a tornar o SUS capaz de colocar à disposição do cidadão todos os mais complexos e atualizados procedimentos médico-hospitalares, tratamentos e medicamentos, investindo recursos incessantemente em pesquisas para a permanente incorporação de novas e mais avançadas tecnologias.

Segundo, seria melhor que não houvesse qualquer lista de procedimentos autorizados e muito menos rol de procedimentos excluídos, pois se o Estado não assegurar nem a vida com saúde ao cidadão não justifica a sua própria existência.

Terceiro, para aqueles que por escolha ou qualquer circunstância viessem a se utilizar de planos privados de saúde, melhor seria que a agência reguladora não admitisse abusos, seja na exclusão de procedimentos, tratamentos e medicamentos, seja na cobrança de prestações reajustáveis acima da inflação.

Quarto, não poderia faltar uma séria e rigorosa fiscalização para que agentes dos serviços públicos ou privados de saúde nunca praticassem, como têm praticado a desumana omissão de socorro aos pacientes, como tem ocorrido já há muito tempo.

Quinto, não deveria o Poder Executivo agir como se nada tivesse a ver com a composição da agência reguladora e com a fiscalização dos serviços públicos de saúde.

Sexto, inadmissível a postura do Poder Legislativo que, ao invés de aperfeiçoar a regulação da prestação dos serviços de saúde, suprimindo e prevenindo problemas no setor, sempre beneficiando o interesse público, prefira se omitir ou, quando muito, dar ao povo a falsa impressão de estar atento, como, por exemplo, na edição da recente Lei 14.454/2022, que apenas homologou a última lamentável decisão do STJ, ou seja, tornando taxativo o rol de procedimentos da ANS.

De se esperar que os projetos de lei ainda em trâmite tanto no Senado como na Câmara dos Deputados se tornem leis mais favoráveis aos cidadãos.


*Airton Florentino de Barros é advogado, professor de Direito Empresarial, fundador e ex-presidente do MPD – Movimento Ministério Público Democrático.