30 de abril de 2018

Por Mário de Magalhães Papaterra Limongi

A prisão do ex-presidente Lula e a possibilidade de a medida quebrar um paradigma, com novas prisões de políticos e empresários, reavivou a discussão sobre a violação ou não do princípio da presunção da inocência. A questão é discutível, e o Ministério Público já se posicionou institucionalmente, defendendo que a prisão após a manutenção da decisão condenatória em segundo grau não ofende o princípio da presunção da inocência, pois os recursos cabíveis não envolvem o mérito da decisão.
Ao lado da discussão sobre o alcance da presunção de inocência, a questão da superpopulação carcerária passou a ser usada como argumento.
Criminalistas que se insurgem contra a possibilidade de execução da pena a partir da manutenção da decisão condenatória em segundo grau apontam a possibilidade de aumento da população carcerária.
Já os que defendem que a execução provisória da pena não ofende o princípio da presunção da inocência apontam a possibilidade de réus perigosos (estupradores, homicidas, assaltantes etc.) permanecerem por longo tempo em liberdade.
Nenhum dos argumentos me convence.
Somente em 2009, no julgamento de um Habeas Corpus de Minas Gerais, o Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão e proibiu a execução provisória da pena (com os votos vencidos dos ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie). Portanto, de 1988 a 2009, era possível a execução provisória da sentença, e não se tem notícia de que, em razão disso, a população carcerária do Brasil tenha aumentado significativamente. Da mesma forma, a posição que vigorou de 2009 a 2016, a toda evidência, não contribuiu para a diminuição do problema da superlotação carcerária.
Como é sabido, em fevereiro de 2016, o Supremo mudou sua posição e passou a admitir a prisão em caso de condenação mantida em segunda instância.
Basta uma análise do caso concreto apreciado pelo Supremo para se verificar que o princípio da presunção da inocência, adotado de 2009 a 2016, repita-se, não beneficiou todos os acusados, em especial os menos favorecidos financeiramente. Com efeito, o caso que teve como relator o ministro Teori Zavascki não tinha nenhuma relação com a “lava jato”, pois se tratava de réu condenado em São Paulo à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão por um delito de roubo. Assim, a presunção de inocência não beneficiou réu condenado por roubo que teve seu Habeas Corpus denegado.
Em verdade, os criminosos comuns (estupradores, homicidas e assaltantes) com frequência respondiam a processos presos provisoriamente (em flagrante ou preventivamente) e tinham suas prisões mantidas quando de suas condenações em primeiro e segundo grau.
Já os criminosos de colarinho branco raramente eram presos provisoriamente e sempre podiam apresentar os inúmeros recursos previstos em nossa legislação (o caso do deputado Paulo Maluf é emblemático) e alegar a seu favor a presunção de inocência.
Assim, a mudança de orientação jurisprudencial somente trouxe como novidade a possibilidade real de criminosos mais sofisticados (lavagem de dinheiro, corrupção, crimes contra o mercado de capitais) cumprirem penas a partir de suas condenações pelo mérito.
É preciso, pois, pontuar e deixar bem claro que, embora alguns, certamente de boa-fé, argumentem em favor dos menos favorecidos, a pretendida mudança na recente decisão do Supremo (pouco mais de dois anos) não beneficiará os menos favorecidos, não contribuirá para a diminuição da população carcerária, mas apenas contribuirá para a manutenção da impressão de que a Justiça criminal não atinge os poderosos.
Observo, por fim, que esta não é a primeira vez que argumentos aparentemente de vanguarda são utilizados para a manutenção de um estado de coisas que só privilegia os que nunca foram atingidos pela legislação criminal.

Mário de Magalhães Papaterra Limongi é procurador de Justiça e membro do MP Democrático

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