22 de janeiro de 2018

Por André Luis Alves de Melo

A Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas, mas é importante que estados e municípios publiquem suas próprias leis, conforme a realidade local.
O acesso à informação pública é uma medida importante para controle social, mas não pode servir como meio para abusos por parte daqueles que solicitam informações sem finalidade pública. Embora a lei federal não estabeleça sanções para abusos no uso desses dados, outras leis federais, como o Código Civil e o Penal, permitem o controle dos abusos. No entanto, os estados e municípios podem também criar sanções administrativas como advertências, multas e até suspensão temporária de alguns direitos de cidadãos e pessoas jurídicas que solicitem informações e desvirtuam o teor das mesmas.
Também é preciso coibir abusos, como pedidos desconexos, abusivos, sem finalidade alguma, pois tem sido comum pessoas fazerem até mais de 300 pedidos sobre temas diversos, e nada informam sobre o que fizeram como esses dados. Ou seja, consumiram tempo do serviço público, papéis ou mídia digital e não trouxeram nenhum retorno social. Isto é, agiram justamente ao contrário do que alegaram, ou seja, agiram contra o interesse público, embora usando uma roupagem da boa ética.
Há casos notórios de que estariam recebendo ajudas de grupos políticos, com o intuito de apenas gerar tumulto ou mesmo desgaste partidário. Agindo assim, como oposição disfarçada. Em alguns casos até fazem alianças com alguns grupos, embora tenham pretensão de alçarem voos políticos próprios, e atuam de forma obscura, apesar de alegarem defenderem a transparência dos outros.
Não raro tentam usar o Ministério Público e o Poder Judiciário para ringue de suas pretensões políticas partidárias, atuando com pressão de mídia e internet, querendo que o Ministério Público seja o advogado de suas pretensões e casos meticulosamente selecionados. Em algumas situações, até fazem dossiês de seus adversários ou mesmo de aliados temporários, para que sejam usados oportunamente, em uma verdadeira extorsão romanceada com formato de moralidade pública. Em suma, querem apenas provocar a inelegibilidade dos concorrentes, sem melhorar o sistema em nada. No entanto, o Ministério Público não pode ser advogado, pois não age com representante processual da parte, mas como agente político, ou seja, elegendo as suas prioridades, sem prejuízo de as pessoas ajuizarem as suas ações judiciais por meio de seus advogados ou assistência jurídica, não sendo o Ministério Público a única via.
Lado outro, com o montante de informações que se obtém, e algumas vezes com comportamentos agressivos e antissociais, e selecionando os seus alvos, acabam muitas vezes apresentando uma falsa imagem de preocupação social. Geralmente não querem dinheiro, mas apenas espaço político que almejam obter através de ataques e intimidações através das informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação. Mas, este espaço político pretendido também pode ser considerado uma vantagem por meios ilícitos, e permite ser caracterizado como crime de extorsão pelo artigo 158 do Código Penal, o qual é crime tecnicamente formal e consuma-se com a mera proposta, tendo previsão de uma pena alta. Quanto aos delitos de crimes contra a honra, têm penas pequenas e geralmente são da competência do Juizado Especial, exceto se cometido contra servidores públicos no exercício da função.
Em outros casos, o que querem mesmo são cargos para parentes, amigos e até si próprios, usando como moeda de barganha pressões e informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação. Para disfarçar essa pretensão, algumas vezes conseguem esses empregos em empresas terceirizadas ou ONGs que prestam serviços à administração pública.
Em regra, não têm nenhuma medida propositiva, apenas buscam erros para ataques, não procuram soluções, mas apenas culpados, pois assim tentam mostrar poder e pressionar para que sejam ajuizadas ações por improbidade para tentarem afastar eventuais concorrentes políticos. E não se sabe as informações que têm, uma vez que agem às ocultas.
Até mesmo ex-maridos e ex-mulheres têm tentado usar a Lei de Acesso à Informação como instrumento de vingança, e há casos de uma pessoa que fez mais de 300 pedidos na área federal e nada demonstrou sobre o que fez com essas informações, apesar de ter tomado tempo e custo enormes da administração pública para lhe entregar esses dados.
Uma medida necessária é fixar um prazo para o requerente da informação esclarecer o que fez com a mesma. Ou seja, não há necessidade de informar o objetivo da informação no momento do requerimento, conforme expresso no artigo 10, parágrafo 3º da citada lei. Mas isso não impede que se imponha ao cidadão o dever de informar o que fez com a informação, pois isso evita uma conduta que vem sendo observada em alguns casos consistente em meramente medida de extorsão política ou extorsão comum, o que é crime, apesar da dificuldade de se provar, uma vez que a vítima fica receosa de que também seja punida. Neste caso, a melhor forma é a vítima gravar a suposta chantagem feita e buscar alguma forma de delação premiada com o Ministério Público. Caso a gravação seja feita diretamente entre vítima e chantagista, não há necessidade de autorização judicial prévia para validade da gravação. Para caracterizar a extorsão, basta que a chantagem vise vantagem, tanto podendo ser dinheiro, cargo ou qualquer outro benefício.
Outra necessidade para justificar a regulamentação pelos municípios e estados é definir quais as informações seriam sigilosas, bem como qual a autoridade competente para eventual recurso, o órgão competente para se protocolar o pedido de informação e se o prazo de 20 dias deve ser contado em dias corridos ou em dias úteis, além de outros dados relevantes, como aumentar o rol de informações que constarão do portal como transparência ativa, evitando a necessidade de requerimentos (transparência passiva).
A atuação do Ministério Público decorrente do artigo 32, parágrafo 2º da LAI em relação à improbidade deve ser a última opção, apenas depois de o requerente das informações esgotar a via administrativa. E caso a discordância seja apenas sobre questões técnicas das respostas, cabe ao requerente das informações ajuizar ação judicial sustentando o seu direito, não cabendo ao Ministério Público atuar como advogado, pois é vedado ao MP exercer advocacia, nos termos expressos do artigo 128, parágrafo 5º, II, b da Constituição Federal.
No Brasil, em razão da forte doutrinação de determinada ideologia nas escolas, temos uma tendência em crer que empresas são do mal, pois almejam lucro, e que ONGs seriam do bem, pois são integradas por pessoas desapegadas do lucro. Mas isso nem sempre é uma realidade, inclusive basta citar a dificuldade que se tem para encontrar pessoas que queiram ser síndicas em prédios e condomínios, sem algum retorno financeiro, e isto em um ambiente muito próximo dos interesses das pessoas. Logo, quando se tem ONGs propondo melhorar a vida das pessoas, sem interesse financeiro algum, isto é possível, embora haja exceções.
Porém, para saber a real intenção das pessoas, é preciso analisar as ações de quem alega exercer controle social, isto é, os erros da administração são questionados de forma construtiva? Também elogiam os acertos, como melhoria em determinado setor identificado por algum órgão de controle externo? Focam em fatos ou em pessoas? Se não atuam de forma construtiva, ou não têm uma atuação real, mas apenas reclamam e criticam, e focam em pessoas, possíveis adversários políticos, em vez de fatos sociais, é um indicativo claro de que querem fazer politicagem de oposição, ainda que oposição a todos, em vez de se buscar o bem social e público. Por exemplo, muitos usam o nome de Deus para fazerem guerras e maldades, enquanto outros podem usar falsamente o termo “controle social” para guerras políticas e maldades.
Portanto, é importante que essas pessoas demonstrem se realmente defendem, por exemplo, o meio ambiente, não só criticando, mas divulgando as ações de plantio e cultivo de árvores que já fazem, ou se apenas usam isso como meio de atacar quem está no poder, ou seja, não são movidos pelo bem, mas pelo ódio decorrente da inveja e sede de poder com denuncismo em vez da real preocupação e realização do bem comum.
Uma lacuna no atual modelo de transparência é que publica salários de servidores públicos da administração direta, mas não os de entes com verbas públicas como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras, Cemig e outras empresas ligadas ao Estado, e é justamente nessas que há problemas, pois os vencimentos não dependem de lei, mas apenas de atos administrativos.
Há casos em que é nítida a ligação entre as pessoas que alegam atuar em medidas de controle social com políticos, inclusive com indícios de organização criminosa e atuação de obstrução de Justiça, o que é crime previsto na Lei 12.850/13.
Logo, é preciso que haja uma real forma de maior transparência destas pessoas físicas ou jurídicas que aleguem estar desinteressadas em benefícios pessoais defendendo os interesses públicos. Em especial é preciso atentar:
1) estas entidades que se propõem a exercer controle social devem ter um site com seus documentos cadastrais (ata de posse de diretoria, estatuto) e onde publiquem seus balancetes, incluindo receitas e despesas, bem como atas de suas reuniões, informando o apoio financeiro e político que eventualmente recebam, bem como divulguem eventuais resultados obtidos;
2) ainda, devem informar no site, e no prazo da lei local, o que foi produzido com a informação obtida pela Lei de Acesso à Informação;
3) manter banco público de dados constando todas as respostas que as pessoas jurídica e física obtiveram com base na LAI e o que fizeram com as mesmas, pois isso reduz a possibilidade de extorsão, chantagens e outros desvios;
4) caso a pessoa não tenha um site, o município ou estado disponibilizam um cadastro on-line para registrar esses dados; e obtendo essas informações através da Lei de Acesso à Informação, o cidadão passa a ser responsável tanto por ações como por omissões, pois com essa informação, em tese, passa a ser um agente público temporário. Ou seja, se tiver uma informação obtida sobre eventual dano ao erário e não comunicar ao próprio órgão que a emitiu, poderá responder solidariamente pelo dano como omissão, evitando que se façam dossiês para extorquirem com base nas informações recebidas;
5) o mau uso dessas informações obtidas pode ser caracterizado como crime de extorsão, notadamente em casos de chantagens e montagem de dossiês.
Por fim, a atividade de controle social e a de extorsão política (artigo 158 do Código Penal) têm um liame muito próximo, embora diferentes, sendo necessárias medidas legislativas e administrativas claras e eficazes para diferenciar uma da outra e evitar abusos e desvios de finalidade por parte dos requerentes.

André Luis Alves de Melo é promotor de Justiça de Minas Gerais, doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, mestre em Direito Público pela Unifran e membro do Movimento do Ministério Público Democrático.

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