17 de setembro de 2018

Por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

Engana-se quem pensa que o combate à corrupção eleitoral e à defesa da legislação nessa matéria é apenas tarefa dos que militam junto à Justiça Eleitoral. Esbanjando proatividade e eficiência, no mês de agosto, a procuradora-geral da República assinou protocolo com o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC) .

O pacto se baseia em um tripé de ações. Por primeiro, entende-se que é de suma importância que os procuradores eleitorais tenham ciência de forma ágil sobre as decisões dos tribunais de contas que possam impactar as eleições, sendo, portanto, essencial o compartilhamento de informações em tempo real, tornando mais rápida a identificação de candidatos inelegíveis. Por segundo, busca-se a primazia da ética na disputa, tanto que entre as medidas previstas, no acordo, também está o apoio mútuo na fiscalização das condutas dos agentes públicos, identificando, por exemplo, irregularidades eleitorais, como caixa dois, abuso de poder e uso da máquina. Por terceiro, as duas instituições também se comprometem a realizar ações educacionais, além de adotar medidas preventivas de combate à corrupção, estimulando a participação da população nesse controle social.

A relevância dessa iniciativa é incontestável, demonstrando, portanto, que o combate à corrupção, inclusive eleitoral, é tarefa não só de uma, mas de várias instituições e de toda a sociedade, que, por esse modo, devem trabalhar para que o pleito eleitoral permita uma disputa honesta por todos aqueles que almejam alcançar um cargo eletivo.

O Ministério Público de Contas do DF vem, também, desempenhando trabalhos nesse campo há algum tempo. Em 2006, na elaboração de seu primeiro planejamento estratégico, elencou, como ação prioritária, a análise de atos, contratos e processos que possam ter reflexo em ano eleitoral, atitude que não visa qualquer candidato ou partido, mas, sim, todos os que, de alguma forma, devem cumprimento à legislação em período eleitoral. A experiência levou a Procuradoria-Geral de Contas do DF a repetir a ação, agora em 2018. Além disso, o caos orçamentário e financeiro, experimentado em Brasília, em 2014, também um ano eleitoral, demonstrou que é necessário tempestivo controle no exercício em que as eleições vão ser realizadas.

Visando discorrer a respeito, o presente texto destina-se a expor as múltiplas frentes que se abrem ao controle externo, que pode e deve, também, contribuir com subsídios à Justiça e ao Ministério Público Eleitoral, trazendo maior efetividade ao conjunto normativo em vigor.

  1. O julgamento de contas e a sua influência no período eleitoral: análise crítica da lei e de sua aplicação
    Como é sabido, a Lei Complementar 64/90, no artigo 1º, I, alínea g, dispõe sobre a inelegibilidade daqueles que tiverem suas contas, relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente. Em interpretação recente, o STF confere ao Poder Legislativo competência a respeito, em relação aos chefes do Executivo, que, no precedente, era o prefeito (RE 848.826). No entanto, todos os demais agentes públicos continuam subordinados ao julgamento dos tribunais de contas, para esse efeito — da inelegibilidade.

Mas é preciso que se diga que nem todo aquele que tem suas contas julgadas irregulares é inelegível, já que o ato praticado terá que ser considerado como doloso e de improbidade pela Justiça Eleitoral.

A lei representa um avanço, mas pode e deve ser melhorada, pois acabou limitando a sua incidência, sem aparente justa causa. De fato, há processos, julgados regulares com ressalvas, que contêm atos praticados com falhas que não são de menor monta, mas que não são comunicados ao MP Eleitoral, porque não são julgamentos pela irregularidade de contas, e, ainda, há casos em que são julgados gestores, condenados e multados, mas não em processos de tomadas e prestações de contas, deixando-se de incidir os efeitos da norma, para fins de inelegibilidade. A respeito, o TCE-SC é autor de boa prática, pois possui normativo prevendo que “serão também incluídos na relação prevista no caput, os responsáveis por irregularidade insanável apurada em outros processos que não os de Prestação ou Tomada de Contas” (Resolução 0096/2014).

Outra questão correlata refere-se também à qualidade e à composição da lista, pois muitas vezes o problema está em quem deixa de ser inserido ou das condutas que deixam de ser julgadas.

É que há tremendo descompasso entre os prazos e ritos no ambiente dos tribunais de contas e os praticados na Justiça Eleitoral. Uma impugnação ao registro de candidatura, por causa de inelegibilidade, por exemplo, precisa ser ajuizada em dias, de modo que esse tempo é insuficiente para que o TC, somente a partir do registro, analise e julgue processos e recursos de eventuais candidatos.

Visando inverter essa lógica, o MPC-DF entende que é necessário mapear a situação dos processos nos tribunais de contas e, com isso, aposta em julgamentos céleres e efetivos, já que de nada adiantará, para efeitos de inelegibilidade no presente, proferir decisões após o pleito. Ou seja, decisão pela irregularidade de contas tardia é meramente prospectiva, com efeitos para uma nova eleição, que pode nem ter o apenado como candidato.

Pensando nisso, o MPC-DF analisou centenas de documentos, de forma eletrônica, a fim de verificar quais são, de fato, os seus estágios, para comunicação tempestiva à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público Eleitoral, se for o caso, antes mesmo do prazo final para registro da candidatura.

Nessa pesquisa, o MPC-DF acabou se deparando com grave questão: processos com tramitação excessivamente morosa, muitos relacionados com fatos ocorridos há mais de uma década, sem conclusão. Outros estavam parados, à espera, até mesmo, do trânsito em julgado de ações judiciais, que, como se sabe, apenas ocorre quando já não cabe mais recurso, o que pode demorar bastante. Isso quer dizer, então, que quando o TC decide aguardar o trânsito em julgado de uma ação judicial, para agir em relação a alguma questão, pode estar selando de vez a possibilidade de responsabilizar o agente público envolvido no ambiente do controle externo.

O efeito de tudo isso é muito ruim, não só porque a função das cortes de contas é decidir, mas porque também a não decisão acaba permitindo que o agente público não tenha suas contas julgadas, e com isso concorra livremente ao pleito eleitoral, como também pode gerar a ocorrência de prescrição.

Recentemente, o TC-DF decidiu que as sanções que pode aplicar prescrevem em cinco anos (Decisão 2.836/15), havendo processo, pendente de decisão, que quer discutir o prazo máximo de 10 anos para que se possa cobrar o ressarcimento dos prejuízos, no âmbito do controle externo (Processo 32.351/2017).

Não se pode deixar de mencionar, também, que o julgamento não determina o bom êxito do processo, pois é lavrado acórdão que, via de regra, é enviado à Procuradoria-Geral do ente para cobrança judicial da dívida ou da multa. Mas isso ainda não quer dizer a quitação do débito, pois não é incomum que a cobrança nem seja ajuizada, diante dos baixos valores e/ou da dificuldade de se obterem bens ou até de se localizarem os responsáveis, alguns falecidos, sem que seja possível alcançar seus espólios etc.

No TC-DF, há estudos que comprovam que a recuperação do patrimônio público, por esse modo, é inexpressiva. Conforme relatório de controle, com posição em 9/11/2016, àquela altura, o tribunal havia aplicado sanções pecuniárias correspondentes a R$ 84.835.231,58, com recolhimento de R$ 1.726.042,74, ficando evidente a discrepância entre o total imputado e o montante ressarcido aos cofres públicos (Representação 22/07, processos 750/08 e 2.154/2016).

  1. Outras ações e medidas podem ser adotadas em matéria eleitoral no ambiente do controle externo: publicidade e Lei de Responsabilidade Fiscal
    Além da hipótese de julgamento de contas, os tribunais de contas possuem outro vasto campo de atuação em matéria eleitoral, como, por exemplo, a fiscalização das despesas com publicidade. Sobre a questão, a Lei Federal 9.504/97 dispõe no rol de condutas vedadas de seu artigo 73 um limite para os gastos com publicidade, em face do pleito eleitoral. A nova Lei das Estatais, idem, artigo 93, parágrafo 2º.

Outro bom exemplo de controle é a possibilidade de fiscalização que se abre diante da Lei de Responsabilidade Fiscal, em pelo menos duas hipóteses: o artigo 21, parágrafo único da LRF, segundo o qual é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento de despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final do titular do respectivo poder ou órgão, e o artigo 42, que veda ao titular do Poder ou órgão, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentre dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para esse efeito.

Por fim, os tribunais de contas podem e devem fiscalizar as condutas administrativas, para que não se contenham no campo da legalidade, isto é, práticas que desestabilizam a concorrência, como o eventual uso da “máquina” pública; da propaganda com recursos públicos em violação à impessoalidade; a disposição dos recursos públicos com fins eleitoreiros etc.

  1. Considerações finais
    A experiência pioneira que, no corrente ano de 2018, uniu MPC brasileiro e MP Eleitoral pelas mãos da atual Procuradora-Geral da República deverá dar bons frutos. A todo momento, notícias alvissareiras trazem agradáveis exemplos em um ambiente em que pouco se ouvia falar de cooperação.

Recentemente, o MPC do PA e de Tocantins, juntamente com o MP Federal e respectivos MPs estaduais, uniram-se para cobrar dos candidatos compromisso com a educação, oferecendo-lhes carta por um ensino de qualidade no Estado.

No Rio Grande do Norte, o MPC e o MPF assinaram importante recomendação conjunta, em junho, dirigindo-a ao presidente do TCE-RN para que faça o envio ao MP Eleitoral, como informações necessárias, de todas aquelas que dizem respeito a todos os ocupantes de cargos e funções públicas, e outros ordenadores de despesas, cujos processos, no âmbito do Tribunal de Contas, e envolvendo qualquer matéria de controle externo, independente da denominação específica do procedimento (auditoria, tomada de contas etc.), tenham transitado em julgado com contas desaprovadas, rejeitadas ou irregulares.

No DF, o MPC-DF informou ao MP Eleitoral a relação de todos os processos que tramitam e envolvem candidatos ao pleito eleitoral, além de enviar suas representações e pareceres a respeito de temas como publicidade, concessão de aumentos e vantagens e suficiente disponibilidade de caixa ao final do exercício.

Dessa forma, espera-se que o controle externo contribua para que estejam aptos a concorrer ao pleito eleitoral candidatos que tenham tido suas contas julgadas, e não aqueles que se beneficiam com a morosidade dessas decisões.

Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira é procuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, vice-presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas e membro do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

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