“No julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, reconhecendo a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra, proibiu-a em processos que versem sobre a agressão ou morte de mulheres por seus atuais ou ex-companheiros, por contrariar os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana.

O voto condutor — que foi proferido pelo ministro Dias Toffoli — deixa claro que, ao acolher essa inteligente construção, o Supremo Tribunal Federal buscou resgatar a dignidade da mulher, principal vítima desta forma de violência, tão arraigada na nossa sociedade, que sempre foi tolerante com a agressão e o assassinato de mulheres, para cuja permanência foram criadas sucessivas teses, entre as quais, a legítima defesa da honra, para aqueles casos em que a mulher, exercendo o direito legítimo de seguir a vida — sozinha ou em novo relacionamento — coloca fim à vida comum, ou mesmo em casos de adultério ou busca de um novo relacionamento. Para isso, nossa Suprema Corte fez uma leitura criativa das formas tradicionais da organização familiar, marcada pela assimetria e autoritarismo, amparada na discriminação abusiva e de subalternidade, que torna a violência doméstica uma das maiores feridas que a sociedade contemporânea suporta.

Essa decisão e os termos em que foi proferida representam um marco no sistema jurídico nacional, mas, tão somente, por sua simbologia, pois, na vida real, provavelmente não terão nenhum efeito prático. A razão é de fácil apreensão: a criatividade dos profissionais do Direito no exercício constitucional da ampla defesa não tem limites e, portanto, o autor de um feminicídio — consumado ou tentado — poderá ser absolvido com base em outras teses, como, por exemplo, a conhecida causa supralegal da inexigibilidade de conduta diversa, sem que se faça, em plenário, nenhuma alusão à “defesa da honra”. E também não será com a extinção do Tribunal do Júri, como muitos preconizam que, como por encanto, nunca mais um matador de mulheres será absolvido por ter agido em legítima defesa da honra.”

Valderez Deusdedit Abbud, procuradora de Justiça e vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, publicou na coluna MP no Debate na ConJur, no dia 26 de março, o artigo intitulado “Supremo Tribunal Federal, feminicídio e legítima defesa da honra”. O texto ressalta que a decisão de banir a legítima defesa da honra do ordenamento jurídico nacional tem um imenso valor simbólico — o de personificar o caminho que tende a enveredar a Justiça brasileira

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