As medidas protetivas de urgência, em razão de seu caráter assistencial, deveriam ser objeto de tramitação em Vara Cível e não em uma Vara Criminal, a qual tem que lidar com organizações criminosas, facções criminosas, casos de violência como homicídios

Por Andre Luis Alves de Melo, 14/11/2024 08h10

As Medidas Protetivas de Urgência estão previstas nos arts. 18 a 23 da Lei 11340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, e foram um significativo avanço na proteção. Contudo, com o tempo e alterações legislativas acabaram banalizando o uso das mesmas, o que pode gerar prejuízo para quem realmente precisa.
Uma das alterações recentes no art. 18 da citada lei trouxe um risco até mesmo ao contraditório judicial, pois ao prever a Medida Protetiva sem a necessidade de ser acessória a outro processo de instrução, impede até mesmo que se comprove o que a vítima alega, ou o suposto agressor. E embora não seja a regra, há casos em que há mentiras ou até mesmo interesse em utilizar em disputas familiares. Alguns julgados defendem que há necessidade de instrução em Medida Protetiva, o que seria o caos na Vara Criminal, pois não tem pauta de audiências para instrução em menos de 03 anos, em regra, e nem se sabe qual rito seria, pois no processo penal não tem previsão para resposta e certamente arrolarão testemunhas e a Vara Criminal não terá condições de gerir tais problemas, os quais deveriam ser analisados por Varas Cíveis.

O art. 18 § 5º da Lei 11340 passou a contar com a seguinte redação: “As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência. (Incluído pela Lei nº 14.550, de 2023)”
Pela legislação temos as Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor, no artigo 22 da Lei, e as Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida no art. 23, da Lei Maria da Penha, estas últimas têm mais um caráter de proteção social à vítima.

Portanto, o ponto que dificulta é o fato de que inicialmente as Medidas Protetivas eram expedidas geralmente por Varas Criminais em razão de serem acessórias a processos penais, onde neste é que se provava o alegado pela vítima. Contudo, com esta medida de tornar a Medida Protetiva um processo autônomo, não faz sentido que ainda continuem como medidas expedidas apenas por Varas Criminais, que exercem cumulativamente a função de Combate à violência doméstica contra mulher, onde não existe vara especializada, sendo que estas últimas são raras.
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Ainda há até julgados que entendem que Varas Criminais devem julgar divórcios, inventários, guardas, em vez de Varas Cíveis, o que acaba sobrecarregando ainda mais, as já sobrecarregadas Varas Criminais, e que atuam também em casos como, furtos, roubos, tráficos, homicídios.

Apesar de o STJ já ter decidido que as Varas Cíveis podem expedir Medidas Protetivas, ainda há resistência. De fato, as Varas Cíveis estão muito mais preparadas para atuarem nestes casos familiares de violência doméstica, inclusive resolvendo questões como divórcios, alimentos, guarda, isto tende até a diminuir as hipóteses de violência doméstica, pois geralmente decorrente de problemas de relacionamentos familiares e questões patrimoniais.

Outrossim, as Varas Cíveis contam com centrais de conciliação, e estão sendo desoneradas de várias matérias que estão indo para os cartórios extrajudiciais como Divórcios, Retificações de nomes, inventários, e as estaduais já não mais julgam questões do INSS e do DPVAT, mas continuam com a mesma estrutura anterior.

Também há casos em que ocorreram, por exemplo, há mais de 03 anos, e que vítima nem vê mais o agressor, mas ainda quer a Medida Protetiva sem apontar um risco atual e concreto, sendo que isso prejudica o atendimento a quem realmente precisa. Portanto, é preciso fazer uma triagem, mas mesmo quando se arquiva, em alguns casos, o Tribunal reativa em recurso, pois é mais fácil conceder e fechar os olhos para a falta de estrutura e também para as necessidades de risco atual e concreto.

Importante tocar nesta questão de proteção social, pois o Governo FEDERAL faz muita panfletagem sobre leis para proteger as vítimas, mas a pensão para os filhos de vítima de feminicídio está sendo negada pelo INSS por falta de apontamento de onde viriam os recursos, e o Aluguel social também não tem uma verba específica, sendo que o Governo Federaial quer que se aproveite as verbas que os Municípios já tinham nos orçamentos, mas neste caso já estavam destinadas, ou seja, se criou um benefício novo, então deve haver um aporte maior de verba. Essas situações apenas reforçam a diferença entre a expectativa e a realidade.

Outro ponto real é muito comum que se movimente toda a máquina pública para concessão de Medidas Protetivas de Urgência em até 48 horas, inclusive com cumprimento de mandados, e logo em seguida, a vítima peça para retirar as Medidas, pois estão reatando o relacionamento.

As medidas protetivas de Urgência à ofendida, em razão de seu caráter assistencial, deveriam ser objeto de tramitação em Vara Cível e não em uma Vara Criminal, a qual tem que lidar com organizações criminosas, facções criminosas, casos de violência como homicídios, logo é preciso que tramitem em outra modalidade de Vara, quando não existir a Vara Especializada.

Ao menos na Comarca de Araguari MG foi criado o CREAS-Mulher, o qual exerce também um papel de CRAS, pois bem ampla a atividade para realmente evitar a agressão, inclusive com trabalhos de terapia de grupo para tentar restabelecer a união familiar ou dar força à autonomia da mulher para escolher o seu caminho. Então este serviço é oferecido para as Mulheres que se interessam, mas a procura ainda é pouca em relação ao número de ocorrências policiais.

Contudo, o que se observa é que com o trabalho conjunto da PPVD (Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica da PM) ocorreu um aumento no número de comunicações por crimes menos graves, e uma redução nos crimes mais graves (como feminicídios), indicando que a atuação preventiva tem inibido, em tese, os crimes mais graves.

Outro aspecto é que transformar as ações penais em meramente ações penais incondicionadas à manifestação da vítima pode ser um risco à autonomia da Mulher, principalmente pelo fato de que no Brasil ainda prevalece o mito da obrigatoriedade da ação penal. E em muitos casos penas ínfimas como as previstas na Legislação não trazem nem segurança à vítima, nem repressão, pois são cumpridas no regime domiciliar. E há casos em que o casal reatou, vive bem, pois o problema era uso imoderado de bebidas e tratado isso a família passa a conviver. Em quase 90% dos casos de crimes está presente a bebida alcoólica, e em menor escala as drogas ilícitas.

No entanto, no processo penal em sede de violência doméstica ainda há quase 80% de prescrições, o que é agravado pelo fato de que a lei veda acordos penais na seara da violência doméstica, o que acaba apenas beneficiando a Defesa com mercado de trabalho para responder à acusação, fazer a instrução em processos em que geralmente prescrevem ou acabam em prisão domiciliar, sendo que uma proposta de suspensão do processo ou um ANPP seria muito mais rápida a audiência e o caso ficaria em observação por anos, com um acompanhamento, o que é mais efetivo do que dias de prisão e domiciliar.

Há alguns casos de abusos nos requerimentos e nas prorrogações, inclusive já teve casos de que vítima alegou ter sido agredida em ponto de ônibus, mas câmeras de rua, comprovaram que suposto agressor estava do outro lado da rua e nem teve contato físico ou visual com vítima. Também há casos de mentira de estupro comprovado por laudo e acesso a celulares, além de vários outros fatores, estas mentiras são minoria em regra. Geralmente as vítimas são verdadeiras nos relatos, mas tem havido prejuízos para quem realmente precisa.

Ademais, o Cadastro de Medidas Protetivas ainda não foi implantado efetivamente e até mesmo acompanhar o andamento das Medidas Protetivas é extremamente difícil, pois decretam o sigilo e nem mesmo a vítima consegue obter informações pelo site ou o próprio Ministério Público, em vez de sigilo apenas dos fatos no processo, também passa a ter sigilo dos nomes, logo até a consulta processual é dificultada.

Além disso, há casos em que querem que as Varas Criminais assumam os processos de violência contra adolescentes do sexo feminino (ainda não são mulheres, pois não têm autonomia, o que ocorre aos 18 anos), mesmo em Comarcas em que há Varas da Infância e Adolescência, e em alguns casos até processos de vítimas adolescentes e crianças do sexo masculino estão obrigando as Varas Criminais que cumulam violência doméstica contra a mulher a atuar, mesmo que exista Vara da Infância e Adolescência, ou seja, querem sufocar as Varas Criminais que já cumulam todos os crimes e mais os de violência doméstica contra a mulher, e ainda querem ampliar.

Lado outro, casos de atendimento em razão de problemas psicológicos e de relacionamento, devem ser atendidas por outras Varas, e não apenas as Criminais, quando não existir Vara Especializada, pois a cada dia aumentam os tipos penais, criam novas modalidades de audiências criminais e sobrecarregam as Varas Criminais, mas depois afrouxam tudo na execução penal, geralmente convertendo em prisão domiciliar ou sursis da pena, embora não aceitem o sursis do processo, ou seja, acabam mantendo o mercado da defesa cativo, pois há um longo processo criminal que se ultrapassar a prescrição, terá uma pena pequena e ainda afrouxada com visões garantistas que estão disseminadas em alguns tribunais e que transformam o apenado em “reeducando” e vítima da opressão estatal.

Geralmente os delitos mais comuns na esfera de violência doméstica são ameaça, vias de fato e lesão corporal, tendo penas que cabem prisão domiciliar por falta de vaga no regime aberto. O que torna o processo penal algo disfuncional, com pouca utilidade e eficácia, logo é preciso investir nos meios de prevenção. Porém, centrais de conciliação atendem pouquíssimos casos, basta comparar o número de audiências de conciliação que fazem em relação ao número de ocorrências que geraram processo criminal na seara de violência doméstica contra a mulher.

Afinal, o Estado não tem estrutura suficiente.

Portanto, as Medidas Protetivas de Urgência que impões obrigações ao Agressor precisam ser racionalizadas para ter maior efetividade, devendo ser mantidas apenas enquanto existir concreto e atual, pois não são medidas de proteção social, inclusive deveria ser estimulada a participação das Igrejas na prevenção à violência doméstica, pois têm diálogo e capilaridade para adentrar nas residências, apesar da resistência de grupos ideológicos que contribuem para a violência doméstica ao sustentar que há oprimido e opressor na relação familiar, o que estimula conflitos e agressões, em vez dialogo e companheirismo sobre a parceria.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica.