Carlos Cardoso de Oliveira Júnior*
21 de outubro de 2022 | 05h00

A poucos dias do segundo turno da eleição presidencial do próximo dia 30 de outubro, considerada pela unanimidade dos analistas, cientistas e jornalistas políticos como o mais importante pleito desde a eleição de 1989, que coroou o processo de redemocratização do país, não há como deixar de trazer algumas reflexões sobre o momento histórico que estamos a vivenciar.

No início do atual processo eleitoral, considerava-se que os temas econômicos seriam predominantes sobre todos os demais. Principalmente pelos números relativos ao desemprego, inflação e taxa de crescimento da economia brasileira.

Entretanto, embora a questão econômica continue a ser o principal pano de fundo da nossa atual realidade, a dinâmica da disputa eleitoral acabou por colocar em evidência outras questões, com destaque para a corrupção, a democracia e o papel do Supremo Tribunal Federal.

A exemplo do que aconteceu nas eleições de 2018, o tema corrupção voltou com muita força ao centro da disputa política. As duas coalizões partidárias concorrentes disparam sucessivas e recíprocas salvas de disparos morais, atribuindo umas às outras fatos envolvendo supostos ou comprovados atos de malversação de recursos públicos.

Os episódios que ficaram conhecidos como Mensalão, Petrolão e Rachadinhas ganharam espaços nas campanhas que inundam as redes sociais, a propaganda de rádio e televisão e os debates organizados pelas mídias tradicionais.

Ainda em relação a esse tema, está ganhando popularidade o chamado Orçamento Secreto, verdadeiro paradoxo republicano, mais uma jabuticaba exclusivamente brasileira, que consiste na destinação de bilhões de reais (a soma de 2020, 2021 e 2022 já passou da casa dos 50 bilhões) a estados, municípios e organizações sociais para finalidades um tanto quanto obscuras, uma vez que não precisam de projetos previamente elaborados e aprovados para ser financiados por essas fortunas orçamentárias.

Pior que isso. Essas destinações orçamentárias são feitas sem que se saiba o nome dos parlamentares por elas responsáveis, daí a natureza secreta dessas verbas.

Para o exercício de 2023, elas representarão 40 % (!) de todos os recursos financeiros do governo federal destinados a investimentos não obrigatórios. Isto é, ganhe quem ganhar, o próximo presidente da república herdará uma crise de governabilidade de grandes proporções, pois não terá recursos suficientes para concretizar adequadamente as suas políticas públicas.

Por aí se verifica que estabeleceu-se no país uma espécie de parlamentarismo à revelia da sociedade, onde parlamentares governam em grande medida, em detrimento do poder executivo e sem quaisquer ônus políticos, como ocorrem nos regimes propriamente parlamentaristas. E a figura da presidente da república vai ficando cada vez mais decorativa.

Registre-se que a previsão do orçamento secreto na lei orçamentária contou com o apoio da esmagadora maioria dos parlamentares, de quase todos os partidos políticos com assento no Congresso Nacional, inclusive da chamada oposição, que, hipocritamente e por razões eleitoreiras, posa, para os incautos, de vestal da moralidade pública.

Nas últimas semanas, a polícia federal já realizou operações que identificaram vários casos de corrupção praticados com verbas do orçamento secreto, ilustrando o que disse a senadora Simone Tebet, para quem essa aberração orçamentária poderá ficar conhecida como o “maior esquema de corrupção do planeta terra”.

Isso não passa de captura privada de recursos públicos.

Neste passo, cumpre assinalar que o STF vem apresentando uma postura muito comedida e pouco eficiente na contenção dessa sangria de recursos públicos. É evidente que esse Orçamento Secreto é absolutamente inconstitucional, na medida em que viola os princípios basilares da administração pública, notadamente o princípio constitucional da publicidade, insculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

A suspensão do repasse desses recursos públicos já deveria ter sido liminarmente determinada no caso que está tramitando na suprema corte.

Urge, pois, que o STF, pelo seu plenário, proclame essa obviedade jurídica e anule todos os atos legais e administrativos patrocinados sob a égide desse absurdo jurídico. Está em jogo a própria autoridade do STF como guardião da Constituição Federal.

Esse panorama parcial do tema corrupção permite entrever que esse problema não só não sairá da pauta política mais importante do país, como ganhará ainda mais corpo no futuro próximo.

Entre outras coisas, é de evidência solar que a corrupção, em especial a corrupção impune que se espraia pelo Brasil de maneira endêmica, compromete os fundamentos da democracia, favorecendo uma elite de saqueadores do dinheiro público nas disputas eleitorais, corroendo e desmoralizando a democracia por dentro do seu organismo.

Definitivamente, o Brasil não merece como destino projetar-se no concerto das nações como a maior Cleptocracia do Ocidente.

*Carlos Cardoso de Oliveira Júnior, procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo

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