Por Adriana Barrea e Ivan Carneiro Castanheiro*
15/12/2022 | 05h00

A discussão sobre o uso da inteligência artificial(IA) vem ganhando destaque exponencial.

Com a Revolução 4.0, em que a maior riqueza são os dados lançados nas plataformas digitais, as novas tecnologias, dentre as quais, a inteligência artificial, ganharam espaço em todos os ramos da sociedade: nas redes sociais, no e-commerce, nos serviços de saúde, chatbots, nas finanças, em que o usuário se serve dos serviços em on-line e no serviço público, a exemplo da plataforma “gov.com.br”.

Nesse sentir, a relação homem-máquina vem transformando o modo como as pessoas se comunicam, consomem, e pensam, como se alimentam, se vestem.

Na visão de Dora Kaufmann:

“Na última década, a IA tornou-se a tecnologia de propósito geral do século XXI. A tendência é que a lógica da IA torne-se hegemônica na geração de riqueza, criando um valor econômico sem precedentes. Estamos migrando, aceleradamente, para a Economia de Dados, ou Capitalismo de Dados, ou Capitalismo “Dadocêntrico”, termos que expressam um modelo econômico, cuja matéria-prima estratégica são os dados”. [1]

A grande quantidade de dados disponíveis nas redes sociais e nas plataformas digitais, associada à velocidade com que as informações permeiam o mundo faz-nos pensar: as máquinas substituirão as atividades humanas?

JackCopeland detalha o uso de IA em nosso cotidiano. Em uma tradução livre, diz ele:

“Os aplicativos de IA incluem mecanismos avançados de pesquisa na web (por exemplo, Google), sistemas de recomendação (usados pelo YouTube, Amazon e Netflix), compreensão da fala humana (como Siri e Alexa), carros autônomos (por exemplo, Tesla), tomada de decisão automatizada e competir no mais alto nível em sistemas de jogos estratégicos (como xadrez e Go).[3] À medida que as máquinas se tornam cada vez mais capazes, as tarefas consideradas como exigindo “inteligência” são frequentemente removidas da definição de IA, um fenômeno conhecido como efeito IA.[4] Por exemplo, o reconhecimento ótico de caracteres é frequentemente excluído de coisas consideradas IA,[5] tendo se tornado uma tecnologia de rotina.[6][2]

A exemplificar, os aplicativos de IA aglutinam mecanismos de pesquisa que utilizamos ao acessar o Google, Youtube, Amazon e Netflix, sem os quais não pensaríamos em viver.

Com a velocidade e a quantidade de dados que permeiam o mundo, maiores serão os desafios para que consigamos explorar tecnologias e fazer uso delas em atividades delegáveis.

Na visão de Dora Kaufman:

Para resolver esses problemas, os pesquisadores de IA adaptaram e integraram uma ampla gama de técnicas de resolução de problemas – incluindo busca e otimização matemática, lógica formal, redes neurais artificiais e métodos baseados em estatística, probabilidade e economia. A IA também se baseia na ciência da computação, psicologia, linguística, filosofia e muitos outros campos.

(…) Cientistas da computação e filósofos sugeriram desde então que a IA pode se tornar um risco existencial para a humanidade se suas capacidades racionais não forem direcionadas para objetivos benéficos.

Os filmes futuristas projetam a substitução do homem pela máquina de forma integral. Na atualidade, algumas atividades, tanto no âmbito privado quanto no público,já vêm sendo substituídas.

Porém, diante de tantos desafios  a enfrentar (questões éticas, regulação, vazamento de dados, crimes cibernéticos) há atividades que são roboticamente indelegáveis, pelo menos do ponto de vista da integralidade, a exemplo da atuação dos profissionais nas áreas de saúde, financeira e jurídica.

Há que se considerar sempre que as máquinas necessitam de alimentação de dados oriundos do raciocínio humano, o que nos assegura, no futuro próximo, a importância da discussão dos caminhos da  regulação e da ética no uso das tecnologias para enfrentarmos a transformação digital como prática benéfica e inclusiva.

Por fim, em que medida as máquinas nos substituirão?

Como nos ensina Dora Kaufman:

“As profissões-chave no mercado de trabalho dos próximos anos, segundo as consultorias especializadas, são analistas de dados, cientista de dados, desenvolvedor de software e aplictivos, especializada em comércio eletrônico(…) especialista em big data(…) .Até 2030, mais de um terço das habilidades eseenciais para a maioria das ocupações será composto por habilidades que ainda não são cruciais para o trabalho atual”. [3]

Como ressaltado por Aline Macohin:

O crescente emprego de sistemas digitais inteligentes para a tomada de decisões traz uma série de desafios e questões acerca da interação homem-máquina.

Sistemas que empregam ‘machine learning’ apoiam-se em modelos matemáticos (estatísticos, redes neurais, etc.) para estabelecer classificações sobre enormes quantidades de dados (Big Data Analysis), encontrando padrões e correlações que determinam o ‘output’ do sistema. A escala de dados e os modelos empregados muitas vezes tornam difícil a explicação do resultado de uma forma compreensível para o homem, com premissas, critérios acessíveis, argumentos e conclusões.

Como tais sistemas têm sido utilizados para tomada de decisões com impacto significativo sobre direitos e o patrimônio dos indivíduos (por exemplo, classificação de riscos para seguros, empréstimos bancários, risco de reincidência para concessão de liberdade condicional, contratação de força de trabalho, etc.) a capacidade de explicação das decisões automatizadas é fundamental para o exercício de direitos.

Por esse motivo, hoje tornou-se foco de atenção em pesquisa em Inteligência Artificial o desenvolvimento de sistemas inteligíveis (‘Explainable Artificial Intelligence — XAI’) capazes de integrar a extração de informação e classificação de dados pelos métodos de ‘machine learning’ aos métodos de representação de conhecimento, nos mais diferentes domínios.

(…)

O desenvolvimento de ferramentas nesse sentido é de fundamental importância não só para aumentar a eficácia e aplicabilidade de sistemas inteligentes ao direito, como também para propiciar métodos de geração automatizadas de explicações de decisões, que as legitimem. Como esse é um tema recente de pesquisa em IA, é importante que as ‘lawtechs’ e investidores em tecnologia aproximem-se das universidades. A aliança entre os métodos empíricos de predição e o método normativo de justificação de decisões é o verdadeiro graal da IA aplicada ao direito.[4]

Em suma, pode-se dizer que substituir o homem pela máquina, de forma integral, seria igualar a inteligência humana às redes neurais artificiais e aos algoritmos, o que não é razoável, tampouco lógico sob vários pontos de vista.

Até porque sempre existe parcela de subjetividade nas tomadas de decisões a serem sopesadas na dinâmica socioeconômica. Por exemplo: A máquina detém a capacidade de aprendizagem para reconhecer um cachorro pela combinação e interpretação dos pixels. Diferente é desenvolver o aprendizado de máquina capaz de distinguir o cachorro do gato.

Ainda persiste a questão: você acredita na substituição das mentes humanas pelas máquinas?

[1] Desmistificando a Inteligência Artificial, Ed. Autêntica, 2022, p. 24.

[2] Fonte: Artificial intelligence From Wikipedia, the free encyclopedia (Redirected from Artificial Intelligence. Disponível em . Acesso em 13.dez.2022.

[3] Desmistificando a Inteligência Artificial, Ed. Autêntica, 2022, p. 50 e 51. Vide

[4] A importância da inteligência artificial inteligível no Direito. Disponível em https://lawgorithm.com.br/biblioteca/a-importancia-da-inteligencia-artificial-inteligivel-no-direito/ Acesso em 13.dez.2022.

 

*Adriana Barrea, juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nas Varas Cíveis de Campinas. Cursando especialização em Direito Digital pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).  Juíza Auxiliar no DIPO – Departamento de Inquéritos Policiais – SP – de julho 2020 até abril 2022. Graduada em Letras pela UNIP. Graduada em Direito pela Universidade Vale do Paraíba. Formação em Justiça Restaurativa  pela Escola Paulista da Magistratura e pela ENFAM. Especialista em  Serviço Social, Ética de Direitos Humanos pela Faculdade Unylea. Integrante do Convênio de Combate à Violência Doméstica contra a Mulher –  UNIARAS e Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo – 2017-2019. Coordenadora do Grupo de Estudos de Justiça Restaurativa  e Implementação do Pólo  Irradiador na Comarca de Leme – 2018 e 2019

*Ivan Carneiro Castanheiro, promotor de Justiça – MPSP (GAEMA PCJ-Piracicaba). Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Ambiental e Urbanístico na ESMP-SP. Membro da Associação “Movimento do Ministério Público Democrático” (MPD). Professor Direito Ambiental, Administrativo e Constitucional, na UNIP/Limeira. Membro do Conselho Consultivo do Projeto “Conexão Água” (MPF). Coordenador do 17º Núcleo da ESMP (Piracicaba). Diretor de Publicações da ABRAMPA – Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público. Autor de capítulos de livros e artigos jurídicos na área ambiental e urbanística. Membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAM)

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Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica