Por Roberto Livianu*
04/05/2023 | 05h00

No dia mundial da liberdade de Imprensa, a Repórteres sem Fronteiras divulgou a 21.a edição de seu ranking anual, e finalmente podemos celebrar uma boa notícia. Melhoramos, saímos do nível vermelho (UTI) e retornamos ao laranja, subimos 18 posições.

O estudo levou em conta as condições do exercício do jornalismo em 180 países, sendo este levantamento anual da RSF publicado no 30° Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado neste 3 de maio. Na edição de 2023, a RSF destacou o significativo impacto da desinformação, que permanentemente ameaça o trabalho de jornalistas em todo o mundo.

Além disto, a organização chama a atenção para o tema da propaganda política, para a questão das manipulações econômicas e para a temática das fake news geradas por inteligência artificial em tempos de ChatGBT.

Com esta melhora, ocupamos agora a 92ª posição na classificação geral e indiscutivelmente a evolução do país do país deve ser creditada à não reeleição do postulante, após quatro anos de violências constantes contra jornalistas durante o governo Bolsonaro. Em 2021, o líder brasileiro de extrema direita foi referido como verdadeiro predador da liberdade de imprensa pela RSF.

Importante lembrar que em 2020, após a decretação pela OMS do estado de pandemia, em momento trágico da história da humanidade, inúmeras iniciativas foram empreendidas para enfrentar este drama que tomou conta do planeta. Uma delas, que contou com a adesão da expressiva maioria das nações foi o pacto contra a disseminação de fake News, que teve a assinatura das mais importantes nações democráticas do mundo e de praticamente todos os países da América. Lamentavelmente o Brasil não aderiu ao pacto, juntando-se à Coreia do Norte e a Cuba.

A Noruega se mantém no topo da lista e a Coreia do Norte (não signatária do pacto contra disseminação de fake News), de Kim Jong-un, em último lugar. A queda mais importante este ano foi a do Peru (110°), que recuou 33 posições. Outros países que perderam posições são Senegal (104º, queda de 31 posições), Haiti (99º, queda de 29) e Tunísia (121º, queda de 27). Em dois terços dos 180 países avaliados, os especialistas que ajudaram a elaborar o ranking “relatam o envolvimento de atores políticos” em “campanhas maciças de desinformação ou propaganda”, segundo a entidade. Esse é o caso da Rússia, Índia, China e Mali.

É interessante registrar um paralelismo notável entre os dados da RSF e os do índice de percepção da corrupção da Transparência Internacional. Em ambos a Noruega está no topo positivo e a Coreia do Norte, no negativo e em ambos, 2/3 dos países se situam na porção pior. Obviamente não é coincidência, pois onde há mais liberdade de imprensa normalmente há menos corrupção pois ela garante acesso à informação e transparência.

O relatório da RSF “ressalta também os efeitos impressionantes da indústria da simulação no ecossistema digital”. “É a indústria que permite que a desinformação seja produzida, distribuída ou amplificada”, indicou Deloire, presidente da RSF. “Líderes de plataformas digitais não se importam em distribuir propaganda ou informações falsas”, salientou o secretário-geral da RSF, citando como “exemplo típico” o caso de Elon Musk, proprietário do Twitter, conforme reportagem da UOL

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2023/05/03/brasil-sobe-18-posicoes-no-ranking-da-liberdade-de-imprensa-da-rsf.htm?cmpid=copiaecola

É importante destacar a dimensão nacional que o tema da regulação das fake News vem ganhando, tendo sido pautado um projeto de lei esta semana para votação, com forte apoio governista e resistência oposicionista e das chamadas big techs, que articularam um lobby monumental de resistência à aprovação da proposta, denominada por estes grupos PL da censura.

Indiscutivelmente a disseminação impune de mentiras é algo abominável, da mesma forma que o é a censura. A deliberação mais uma vez pela urgência de votação ceifou o debate e o necessário amadurecimento da discussão em tema tão complexo, com tão sérias repercussões.

Não é razoável impor normas assim, como se tem feito de maneira naturalizada. Com a regulação do lobby se agiu da mesma forma e se aprovou a possibilidade de hospitalidades sem limites, verdadeira aberração – corrupção legalizada.

O Congresso precisa fazer a sua parte – o debate precisa ser aprofundado, para que se legitimem sempre as soluções a serem adotadas, sem violentar a sociedade, que merece respeito. Democracia é poder sempre exercido pelo povo, para o povo e em nome do povo, com verdade, lealdade, transparência e prevalência do interesse público. Sem respeito a este ritual, caminhamos para nos transformar em autocracia, por mais liberdade de imprensa que se assegure.

*Roberto Livianu, procurador de Justiça no MPSP, doutor em Direito pela USP, escritor, professor, palestrante, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica