Andre Luis Alves de Melo*
10 de novembro de 2022 | 05h00

O que aumenta criminalidade é a impunidade.  No entanto, culturalmente somos induzidos a crer que pobreza ou desigualdade social gera crimes, como se todo pobre tivesse tendência criminosa e os mais privilegiados não. Em tese, partem do princípio equivocado de analisar as consequências e não as causas dos crimes.

De fato, temos mais pobres presos e processados, mas isto por dois motivos claros, o primeiro é que temos mais pobres que ricos, o que é natural, pois se uma obra tiver mais engenheiros do que pedreiros algo está errado.  Imaginar o contrário é viver na ilusão de determinada ideologia. O segundo motivo é que pessoas pobres tendem a ter pouco estudo formal, logo cometem crimes menos complexos e são mais fáceis de serem apurados.

Não há dúvida de que o ensino é importante para ascensão social, no entanto, quando a pessoa tem tendência criminosa ou ausência de temor de descumprir as leis penais, o que ocorre é que o menos estudado tende a cometer furtos, enquanto o mais estudado comete estelionato (golpes), e este último por ser mais difícil de processar tende a ficar impune. Logo, não haverá muitos presos por estelionato, embora o crime de estelionato (e demais golpes em geral) seja muito mais comum que o furto.

No Brasil, em caso de crime de estelionato a vítima tem que representar, ou seja, autorizar a Promotoria a ajuizar a ação penal. Já no crime de furto, a ação penal é iniciada de forma direta, sem que a vítima tenha que autorizar, independentemente do valor, o que já mudou nos demais países, menos no Brasil. Portanto, já se vê que o problema também passa pelo Legislativo e não apenas por uma questão social.

Além disso, determinada ideologia ligada à Escola de Frankfurt, a qual segue a tendência de vitimismo social, na qual o criminoso é vítima da sociedade, logo não teria livre arbítrio ao cometer crimes, pois a sociedade o “coagiu” a se comportar assim, acaba por retirar do criminoso a responsabilidade individual pelos seus atos, o que gera uma consequência enorme no aumento de crimes.

Sem aprofundar no tema, em razão do espaço, mas a questão de ideologia conservadora (direita) e ideologia de Esquerda (socialista) diferencia totalmente na visão do papel do Direito Penal, logo é preciso abordar estes aspectos no Direito Penal, o que é considerado praticamente um pecado, pois acredita-se em um falso tecnicismo penalista, ao se adotar ainda no Brasil o finalismo (visão ontológica, vazia de valores e avaliações funcionais).  Nosso país é praticamente o último no mundo civilizado a ainda adotar o finalismo. Todos os demais já evoluíram para o funcionalismo (atuar em casos relevantes).

Por aqui ainda focamos no “mito da ressocialização”, determinada ideologia menos afeta à liberdade de expressão e direitos individuais vai controlando as pessoas e a sociedade através do Direito Penal, inclusive criando tipos penais simbólicos, com penas ridiculamente baixas, e adotando o mito/princípio da obrigatoriedade da persecução penal em vez do princípio da oportunidade da persecução da ação penal e dos acordos penais. Nos demais países até mesmo os acordos penais são tratados como possiblidade de oportunidade, discricionariedade da ação penal, uma vez que há casos que o acordo ou até mesmo a ação penal são muito mais caros do que a própria sanção penal.

Ademais, não se tem como obrigar ninguém a ressocializar, logo não é um efeito da condenação obrigar o condenado a ressocializar. Alguns afirmam que o preso pode sair do presídio e cometer outro delito.  Isto é verdade. Mas, qualquer pessoa, inclusive nós, podemos cometer crimes. Então a solução seria prender todo mundo e passar por prévia “ressocialização” e apenas ser solto quando provar que está “socializado” e não irá cometer crimes, o que é paradoxal.

Apesar de se alegar politicamente que somos um país punitivista com excesso de presos, se medirmos pela proporção de 100 mil habitantes somos o 35º país do mundo em população prisional, embora sejamos o 6º país do mundo em população.

Temos aproximadamente 10 milhões de processos penais ativos no país, e em torno de 600 mil presos. Praticamente todos com sentença condenatória, embora ainda sejam presos provisórios, pois no país da imunidade a defesa tem dezenas de recursos e busca nulidades processuais ou prescrição, em vez da absolvição por falta de provas.  Quanto a provar inocência, isto não é dever da defesa, mas é possível, apesar de muito raro, bem raro mesmo.

Alguns setores adeptos do vitimismo tentam computar como preso em presídios, os que cumprem penas em regime domiciliar ou com tornozeleira, o que é um equívoco.

Estes dados deveriam ser claros no portal da Transparência com base de dados aberta, mas o CNJ ao ser indagado através da Lei de Acesso à Informação sobre estes dados prisionais e que se remetesse por e-mail a informação sobre quantos presos cumprem pena em cada modalidade, limitou-se a informar que cabe ao cidadão analisar todos os dados e concluir, o que é uma maratona praticamente impossível para o cidadão comum fazer como análise estatística.

Portanto, se quisermos realmente reduzir a criminalidade no país, temos que mudar nosso paradigma, e reduzir número de tipos penais para focarmos apenas no mais relevante (atualmente são quase 2 mil tipos de crimes, embora na prática, 80% dos processos judiciais sejam por furto, tráfico e roubo, e geralmente de pequeno valor).  E também abandonar o finalismo penal e focar no funcionalismo (atuação com eficácia e triagem de relevância), além de romper com o mito da obrigatoriedade da ação penal, o qual gera um custo enorme e prescrição de quase 60% dos processos, mas a defesa não reclama disso, pois recebe os honorários ou salários para atuar nestes processos.

Logo, pobreza apenas interfere no tipo de crime e não necessariamente na quantidade de crimes. O que aumenta crimes é a impunidade e não a desigualdade social ou a pobreza.

*Andre Luis Alves de Melo, promotor em MG e doutor pela PUC SP, e associado do Movimento do Ministério Público Democrático

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