Atuação do Supremo Tribunal Federal sob a perspectiva dos direitos fundamentais

convidados

Por Bianca Stella Azevedo Barroso e Hermes Zaneti Jr.

27/02/2025 | 12h20

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem realizado julgamentos paradigmáticos acerca dos direitos das mulheres, por meio de decisões que lhes garantem direitos fundamentais, trazendo em seus argumentos a igualdade material, o combate à discriminação e a vida livre de violência. Essas decisões são orientadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana como expressão da Constituição Federal e estão em consonância com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH).

Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o STF e o Max Planck Institute, publicou a coletânea de casos relevantes julgados, intitulada Cadernos de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – Concretizando Direitos Humanos, dedicando um exemplar aos direitos das mulheres, com 13 processos julgados entre 2008 e 2021.

As decisões apresentadas na referida obra envolvem casos emblemáticos que perpassam por questões como a utilização de células-tronco embrionárias, a interrupção da gestação em casos de anencefalia, discriminação nas relações de trabalho, identidade de gênero e participação política das mulheres.

Para problematizar o tema proposto neste artigo, destacamos quatro ações constitucionais:

Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 19: Violência Doméstica

O STF reconheceu a legitimidade e constitucionalidade do tratamento diferenciado entre homens e mulheres, especialmente pelo reconhecimento do histórico de discriminação e da cultura de subalternidade das mulheres em relação aos homens, decorrente de fatores culturais, econômicos e sociais.

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.617: Financiamento Eleitoral de Candidaturas Femininas

O STF considerou a importância da participação das mulheres na política em condições de igualdade material de oportunidades, garantindo um percentual mínimo de 30% do Fundo Partidário para candidaturas femininas, assegurando um percentual maior caso o número de mulheres candidatas superasse o patamar mínimo. A Corte reconheceu a omissão legislativa que privava as mulheres do acesso a recursos públicos em suas campanhas, dificultando seu empoderamento para ocupar cargos eletivos.

Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 738: Candidaturas de Mulheres Negras

Foi deferida medida para reconhecimento e imediata aplicação dos efeitos da consulta do TSE, garantindo a aplicação de regras diferenciadas para incentivar candidaturas de mulheres negras. Vale destacar que, embora a ementa do julgado mencione “ações de natureza estrutural” ao defender políticas afirmativas, não há, ainda, a determinação de explícita de medidas estruturais para resolver a questão da ausência de mulheres negras no Congresso Nacional. A aplicação das regras diferenciadas é o começo, serve para reconhecer o problema, mas existem muitos passos a serem dados.

Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) nº 779 MC: Legitima Defesa da Honra

O STF afastou a tese jurídica da “legítima defesa da honra”, frequentemente utilizada pela defesa nos tribunais do júri. A Corte reconheceu a inconstitucionalidade dessa tese, consignando a “notória epidemia de crimes violentos contra mulheres”.

Esses casos ilustram como a recorrente violação dos direitos das mulheres chega ao Supremo Tribunal Federal, evidenciando uma problemática jurídica complexa que afeta o equilíbrio da sociedade e ilumina a existência de um problema estrutural na busca pela existência digna das mulheres na sociedade contemporânea.

A permanência da violência contra a mulher, a afronta aos direitos sexuais e a ausência, ainda hoje, de mulheres nos espaços públicos de poder e decisão revelam uma inobservância sistêmica dos princípios da igualdade material e da dignidade da pessoa humana.

Neste contexto, considerando a teoria do processo estrutural defendida pelos professores Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira, é possível afirmar que as violações dos direitos das mulheres possuem características de problemas estruturais, por apresentarem complexidade e situações recorrentes que configuram um estado permanente de desconformidade com as normas constitucionais e os princípios basilares dos direitos humanos na ordem internacional. Essa realidade demanda a adoção de ações múltiplas e soluções concretas.

Por outro lado, são evidentes as falhas e omissões graves do Estado brasileiro na adoção de medidas eficazes para enfrentar essa disfunção política, a implementação desses direitos de caráter contra majoritário, visando reestruturar as organizações sociais públicas e privadas médio e longo prazo, exige o compromisso significativo de todos os envolvidos.

O problema estrutural da desigualdade de gênero e da cultura discriminatória de subalternidade perpetua a violência contra a mulher, sendo ora tolerado socialmente, ora legitimado por decisões judiciais que evitam medidas estruturantes.

Neste cenário, o reconhecimento de que as infrações recorrentes aos direitos das mulheres constituem um problema estrutural pelo Supremo Tribunal Federal, de forma explícita e altiva, significaria a abertura de uma janela de soluções para o fenômeno social da violência e da desigualdade de gêneros, através da implementação de medidas estruturantes de transformação social e normativa.

Caminhar neste sentido significa viabilizar juridicamente o estado de conformidade social das coisas, promovendo uma situação social de adequação material com a Constituição Federal, com as manifestações do Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH, e com os objetivos de desenvolvimento sustentável das Organizações das Nações Unidas – ONU, constantes na Agenda 2030.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica