Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Publico dos Estados e da União expede Nota Técnica manifestando sua discordância ao projeto de lei n. 5.282/2019 que pretende alterar o artigo 156 do Código de Processo Penal, o qual trata das investigações realizadas pelo Ministério Público.
Confira abaixo a nota na íntegra:
O Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, através do presente instrumento de NOTA TÉCNICA, vem a público, nos termos seguintes, externar pronunciamento desfavorável ao Projeto de Lei n.º 5.282/2019, de autoria do Senador Antônio Anastasia, que propõe alteração do art. 156, do Código de Processo Penal:
A Constituição de República Federativa do Brasil de 1988, dispõe sobre o Ministério Público:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O art. 1.º,[1] da Lei n.º 8.625/1993 (LONMP), reproduziu conteúdo do art. 127, caput, da CRFB/88, dada a eloquente mensagem do constituinte ao fixar as incumbências do Ministério Público no Brasil.
Não foi por acaso, tampouco por descuido, que a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público trouxe conteúdo idêntico àquilo que já havia sido enunciado pela CF/88. É que o tanto o Constituinte de 1988, quanto o legislador infraconstitucional (em 1993), esforçavam-se em rechaçar quaisquer dúvidas acerca da nova roupagem e da atribuição maior que passava, doravante, a ser conferida ao Ministério Público.
Para que se tenha um claro entendimento sobre o tema, a Constituição de 1967, aprovada sob grande pressão do Executivo e votada por um Congresso privado de suas principais lideranças,[2] apresentava o Ministério Público forma muito diversa, situando-o, inclusive, em Seção dedicada ao Poder Judiciário e se limitando a traçar regras gerais de organização.[3] A EC n.º 01/1969, por seu turno, inseriu o Ministério Público em Seção integrante do Poder Executivo (CAPÍTULO VII), nos termos do caput, do art. 94.[4]
A partir da CFRB/1988, em capítulo próprio, dedicado às funções essenciais à justiça, o Ministério Público transmudou-se para Instituição permanente cujas atribuições primordiais passaram a ser a defesa de bens jurídicos intangíveis, como a ordem jurídica, regime democrático, assim como interesses sociais e individuais indisponíveis.
A Constituição de 1988 não distinguiu onde ou quando o Ministério Público deveria atuar como guardião de tais valores. Daí entender-se que toda e qualquer atuação deveria ser informada por tal direcionamento constitucional, por considerá-lo vetor de obediência obrigatória.
O projeto de lei, nos moldes em que foi proposto, pretende “estabelecer a obrigatoriedade de o Ministério Público buscar a verdade dos fatos também a favor do indiciado ou acusado”. Tal pretensão carece de utilidade, tendo em vista que esta já é atribuição do Ministério Público, desde quando a CFRB/1988 lhe impôs a salvaguarda da ordem jurídica.
O PL n.º 5.282/2019, tenciona inserir o seguinte texto no art. 156, do CPP:
- 1º Cabe ao Ministério Público, a fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito ou procedimento investigativo a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com este Código e a Constituição Federal, e, para esse efeito, investigar, de igual modo, na busca da verdade processual, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa.
- 2º O descumprimento do § 1º implica a nulidade absoluta do processo.
O § 1.º impõe desmedida exigência de alargamento de Inquérito Policial ou Procedimento Investigativo, a fim de se buscar provas (que mais se identificam como elementos informativos) de interesse da defesa, impondo ao Ministério Público uma atividade infindável de investigação, pois indica que deverão ser buscadas provas sobre as quais sequer houve referência ou relação com o que já foi produzido.
Enseja ainda maior preocupação o fato de que o § 2.º impõe nulidade absoluta do processo caso desatendida a busca infindável por provas em favor da defesa, daí se podendo imaginar quantas medidas jurisdicionais passariam a ser manejadas com o escopo de trancamento de Inquéritos Policiais ou Ações Penais em curso, ao singelo argumento de inexistência de justa causa, por inércia do MP em buscar a prova x ou y, mesmo que inexistentes ou anteriormente não imaginadas.
Ademais, é de duvidosa constitucionalidade a proposta, tendo em vista que há claro aviltamento da independência funcional do membro do Ministério Público quando se impõe a este a prática de atos ligados a situação sobre a qual já está suficientemente convencido. É dizer, noutras palavras, que tanto na hipótese de haver justa causa para a imputação, quanto para o pedido de arquivamento (ou absolvição) assim o Parquet procederá, já que lhe cabe a defesa da ordem jurídica.
É de ressaltar, também, que na leitura dos 811 artigos do Código de Processo Penal, não se encontra qualquer passagem onde se discrimine prima facie, caso de nulidade absoluta ou relativa (papel do qual se encarregaram doutrina e jurisprudência), já que tal conceituação não se pode, segundo a técnica, se dar ope legis, mas sim ope judicis, segundo a casuística.
Imagine-se, por exemplo, a hipótese de uma prova que interesse à defesa (e também à acusação – “comunhão da prova”), mas que é despicienda ao esclarecimento dos fatos e de sua falta não se tenha experimentado qualquer prejuízo. A partir daí, poder-se-ia impor nulidade absoluta pelo simples fato de que o Ministério Público não a buscou em um dado momento? A partir da leitura da proposta de lei, a resposta é positiva, o que viola qualquer juízo de adequação, necessidade e proporcionalidade.
Por não indicar dados ou estudos acerca do tema, não se sabe, até o presente momento, quais são os fatos exatos que motivaram a proposta do PL, mas reclama imediata atenção de que em determinada passagem, há a pretensão de colocar o Ministério Público no mesmo perfil pensado para a Magistratura, retrocedendo-se ao que vigorava em 1967 (e de onde preferiu se afastar o Constituinte de 1988), como se lê, ipsis litteris:
“Parece óbvio que o poder investigatório do Ministério Público deve servir também para a absolvição de inocentes. Tal circunstância colocará o MP ao patamar de uma magistratura, porque lhe impõe a obrigação de ser imparcial, do mesmo modo que um juiz deve se conduzir com imparcialidade.”
Outrossim, não se pode perder de vista que, em certa medida, o PL põe em dúvida a capacidade dos demais atores do sistema de justiça, aí se incluindo os advogados e os defensores públicos, que têm desempenhado satisfatório papel na defesa dos interesses de seus constituintes e assistidos, sem olvidar dos magistrados, que, ao final, é quem decidem mediante livre convencimento motivado.
Por tais fundamentos, o Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, à vista de questão de grande relevância ao interesse do Ministério Público, exterioriza e enfatiza publicamente sua discordância com o Projeto de Lei n.º 5.282/2019, que propõe alteração do art. 156, do Código de Processo Penal.
São Paulo, 12 de fevereiro de 2020.
Tereza Cristina Maldonado Katurchi Exner
Presidente do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União
[1] Art. 1º O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
[2] Barroso, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 6ª Ed. – São Paulo. Saraiva, 2017, p. 487.
[3] “Art 137 – A lei organizará o Ministério Público da União junto aos Juízes e Tribunais Federais”. (CF de 1967)
[4] “Art. 94. A lei organizará o Ministério Público da União junto aos juízes e tribunais federais”. (CRFB, de 1967)
Deixar um comentário