MP NO DEBATE O PL do licenciamento ambiental e suas propostas devastadoras
Por Ivan Carneiro Castanheiro, Luís Fernando Cabral Barreto Júnior e Sandra Akemi Shimada Kishi
Há vários projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado versando sobre o licenciamento ambiental, com graves riscos de comprometimento ao desenvolvimento econômico em bases ambientalmente sustentáveis, conforme preconizam os artigos 170 e 225 da Constituição Federal.
O assunto licenciamento ambiental já foi tratado neste espaço1, mas volta-se ao tema diante da iminente votação do PL 3.729/04, o principal deles e com reais chances de aprovação, quer na versão do governo (5/4/2017), quer na piorada versão do projeto do deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS), apoiado pela CNA e pela CNI (19/4/2017), agora enfocando outros aspectos em maiores detalhes. Faremos menções específicas a artigos numerados no projeto do deputado Mauro Pereira.
O PL 3.729/04 traz normas gerais sobre licenciamento ambiental. Suas disposições são graves e preocupantes. Traz um verdadeiro retrocesso do ponto de vista da preservação, conservação e promoção do meio ambiente. Busca-se a flexibilização das exigências do licenciamento ao invés de seu aperfeiçoamento, sob o argumento de uma simpática e desejável diretriz de agilização dos procedimentos, via simplificação e desburocratização.
Trata-se de um grave retrocesso institucional, com menosprezo ao licenciamento, principal mecanismo do controle do risco ambiental, este mais amplo que o princípio da precaução, por não abranger apenas o meio ambiente, mas também a vida e a qualidade de vida, com previsão no art. 225, caput, c.c. § 1º, IV e V, da CF e no art. 5º da Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção (muito dos atos com ou contra a Administração Pública envolvem aspectos ambientais e integram o patrimônio público). Sem controle nas propostas de alterações normativas no licenciamento, a vulnerabilidade acaba intensificando o perigo e contribui para a concretização dos riscos. O princípio do controle do risco pode ser expresso na equação: “Hipervulnerabilidade + riscos – governança = necessidade de novas salvaguardas mais rigorosas”. As propostas que analisaremos, infelizmente, vão na contramão desse comando constitucional do artigo 225, § 1º, V, aceitando risco desnecessários.
É preciso frisar que o meio ambiente não pode pagar, uma vez mais, a conta dessa crise, pois esta, mais cedo ou mais tarde, passará e os danos ambientais, se autorizados pelos órgãos ambientais via simplificação excessiva no licenciamento ambiental, sem critérios técnicos e cautela, de modo a possibilitar mitigação e compensação dos danos ambientais, deixarão consequências somente reversíveis a longo prazo, sendo algumas delas irreversíveis, atingindo as presentes e futuras gerações, as quais todos têm o dever constitucional de proteger, bem como ao ecossistema.
Dentre os vários aspectos negativos, citaremos apenas alguns deles por limitação de espaço. São eles:
1) O texto dispensa a prévia necessidade de emissão da certidão de uso e ocupação do solo urbano pelo Município (art. 11) em clara violação ao art.182 § 2º da Constituição da República e quebra do princípio da segurança jurídica dentre outros, bem como as autorizações e outorgas de órgãos públicos não integrantes do SISNAMA (art. 2º, IV). Nesse sentido, dispensa contribuições técnicas em licenciamentos que não exijam EIA (art. 28), prevendo participação de demais autoridades envolvidas apenas para procedimentos com EIA (art. 29), em caráter opinativo e não deliberativo, tais como FUNAI (30 dias para manifestação– art. 40), Fundação Cultural Palmares (FCP) e gestores de unidades de conservação de proteção integral ou empreendimentos dentro de 3 Km da zona de amortecimento dessas unidades (em 30 dias – art. 39) e autoridades responsáveis pelo patrimônio cultural (art. 29). As comunicações a tais órgãos serão de responsabilidade do órgão licenciador e não do empreendedor (art. 30), sendo que a ausência de manifestação não impede a expedição da licença (art. 31, § 2º- Projeto Governo);
2) Exclusão da previsão de elaboração de mapas de áreas de relevância ambiental, segundo remanescentes de vegetação nativa, áreas úmidas e de recarga de aquíferos, áreas relevantes para espécies ameaçadas de extinção, endêmicas e migratórias, áreas antropizadas, áreas críticas de poluição, áreas urbanas, terras indígenas e quilombolas, tipos de ambientes marinhos e outros atributos ambientais(art. 14, §§ 2º, 4º, 5º e 10);
3) Exclui da Licença de Instalação – LI a análise do potencial degradador do empreendimento (ar. 13, I);
4) Estabelece rol exaustivo para tipologias de empreendimentos ou atividades licenciáveis (art. 7º, IX), excluindo a obrigatoriedade de atualização periódica da lista de tipologias – art. 3º, § 3º. Assim, não estando na lista dos empreendimentos/atividades licenciáveis deles não serão exigidos licenciamento, invertendo-se a lógica do sistema de controle do risco ambiental e do princípio da prevenção;
5) A lista por tipo de empreendimentos e atividades potencialmente poluidores, antes previsto para ser definido por órgão colegiado do SISNAMA (art. 12, § 8º do Projeto do Governo), agora terá a tipologia elaborada a critério da autoridade licenciadora (art. 18 Projeto Dep. Mauro Pereira), permitindo subjetividades e favorecimentos casuísticos, pois a ausência de transparência e critérios relativamente objetivos dificultam impugnações judiciais, possibilitando o argumento da discricionariedade administrativa da autoridade licenciadora na fixação de critérios;
6) No projeto do governo, a Licença Corretiva – LC somente incidiria para empreendimentos implantados até 22/07/08 e no projeto do Dep. Mauro Pereira poderá haver LC para empreendimentos implantados após a vigência da lei (art. 17), incentivando-se a prática de irregularidades para posterior regularização facilitada do empreendimento ou atividade;
7) O descumprimento de condicionantes ambientais não será mais causa de suspensão ou cancelamento de licença ambiental (art. 14, I);
8) Existe previsão de arbitragem para resoluções de conflitos no procedimento de licenciamento ambiental, no que se refere a direitos patrimoniais disponíveis, considerando-se como tal o descumprimento de condicionantes ambientais, bem como a relação de causa e efeito entre os impactos e as condicionantes (art. 38). Passa-se ao julgamento do particular questões ambientais indisponíveis e de interesse coletivo, que são de responsabilidade do Estado;
9) A Responsabilidade dos agentes financiadores de empreendimentos ou atividades que causarem dano ambiental somente incidirá mediante dolo ou culpa e na medida de suas responsabilidades (deixa de haver responsabilidade objetiva), presumindo-se a regularidade quando houver licença ambiental expedida (art. 41, parágrafo);
10) Revoga-se a prática do crime culposo (art. 67 da Lei 9.605/98) cometido pelo servidor público que concede licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais (art. 46);
11) Garantia de apenas uma audiência pública antes do licenciamento, mesmo assim somente para casos de EIA (art. 28 Projeto MMA);
Portanto, o substitutivo do PL 3.729/04 é flagrantemente inconstitucional, quer por se caracterizar como verdadeiro retrocesso em matéria ambiental, colocando-se em risco o equilíbrio do ecossistema, a vida, a saúde e o bem-estar das pessoas ou por seu evidente conflito vertical com dispositivos consagrados na Constituição Federal notadamente os arts.182 §2º e 225, caput,§1º, IV e V e §3º.
1 Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-dez-12/mp-debate-pl-novas-regras-licenciamento-ameaca-meio-ambiente. Publicado em 12/12/2016.
Ivan Carneiro Castanheiro é promotor do Gaema (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente), do Ministério Público de São Paulo e membro do Movimento Público Democrático (MPD).
Luís Fernando Cabral Barreto Júnior é presidente da Associação Brasileira dos Membros Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa).
Sandra Akemi Shimada Kishi é procuradora regional da República (MPF).
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