(10/04/17)

Clipping MPD – Gazeta do Povo (PR): Que lei de abuso de autoridade é essa?
Por Ricardo Prado Pires de Campos
Muito se tem criticado o projeto do Senado Federal que trata dos abusos de autoridade. Por quais razões há tanta ojeriza, má vontade, aversão, antipatia ao projeto? Promotores e procuradores, juízes e delegados querem ficar impunes? Querem abusar do poder sem limites? Não foi essa a intenção do procurador-geral da República e do juiz Sergio Moro ao apresentarem sugestões para sua melhoria.
A ojeriza ao projeto decorre do objetivo, do intuito pelo qual ele veio a lume. Não é uma proposta de lei qualquer, pois por meio dela se pretende impedir as investigações e punições envolvendo o desvio do dinheiro público.
Pelo substitutivo ao projeto, os policiais cometerão crimes de abuso de autoridade em inúmeras situações, das quais destaco duas: se deixarem de identificar-se ao preso, por ocasião de sua captura ou do interrogatório (artigo 16); ou se submeterem o preso ao uso de algemas (artigo 17). Para tirar as algemas dos políticos, estão tirando as algemas de todos. Dias atrás, um preso, mesmo algemado, conseguiu tomar a arma do policial e o baleou. Como ficará a segurança dos policiais? Eles vão poder trabalhar? O policial vai precisar pedir comprovante de que se identificou no momento da prisão? E se o preso recusar?
Pelo projeto de lei, um juiz pode cometer crime de abuso de autoridade ao determinar uma prisão preventiva (artigo 9.º) ou se não soltar um preso (§ único); se decretar uma condução coercitiva (artigo 10), e ao decretar ou levantar uma hipótese de sigilo (artigos 33, § único, e 29). Promotores e procuradores podem incidir em crimes ao requisitarem a instauração de um procedimento investigatório (artigo 28), mas também se deixarem de fazê-lo (artigo 36). Dar início a persecução penal, com abuso de autoridade, é crime (artigo 31), mas o projeto não esclarece o que considera como abuso.
Há, ainda, outras pérolas: haverá crime se o réu não puder se sentar ao lado do advogado (§ único do artigo 20), ou se o preso for fotografado ou filmado (artigo 14).
O crime previsto no artigo 13, inciso III, proíbe o réu de produzir provas contra si ou contra terceiros e, portanto, enterra as delações premiadas. Aqui fica muito nítido o objetivo principal do projeto.
Outras duas condutas empregadas ao longo da Operação Lava Jato também passarão a ser proibidas: a já mencionada condução coercitiva de investigado e a divulgação de gravação ou trecho de gravação (artigo 29). Querem criminalizar a conduta do magistrado que ousou aplicar a lei aos poderosos, apenas porque entendeu que todos deveriam ser tratados igualmente, como afirma a Constituição.
Este projeto não busca apenas punir os abusos de autoridade; busca proteger os responsáveis pelo desvio do dinheiro público, intimidando policiais, juízes e promotores para que não executem suas funções.
Não há problema em votar uma lei de abuso de autoridade, desde que essa lei não seja feita pelos investigados e acusados da Operação Lava Jato. Aliás, não há nenhum artigo que preveja crime de abuso de autoridade para membros do Poder Legislativo – embora o projeto os mencione na introdução (artigo 2.º, II), deles esquece quando estabelece os crimes. Votar leis em causa própria, em detrimento do dinheiro público e contra os direitos da população seriam bons motivos para lembrar.
Ricardo Prado Pires de Campos, procurador de Justiça, é 2.º vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

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