Fabiana Dal’Mas Rocha Paes*
Amanda Carvalho viu o pai atear fogo na mãe, numa tentativa desesperada de tirá-lo de cima dela, acabou sendo atingida pela gasolina também. A mãe de Amanda faleceu e Amanda, com apenas 17 anos de idade, teve 57% do corpo queimado.
Nestes 11 anos temos muito a comemorar, pois sabemos que vidas foram salvas em razão da existência desta lei. Assim, por exemplo, dados do IPEA indicam que a LMP fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências. Essa diminuição, embora significativa, não foi suficiente para retirar o Brasil da vergonhosa posição do 5º país que mais mata mulheres no mundo. São 13 mulheres assassinadas por dia, uma a cada duas horas, em grande número constituído pela população economicamente desfavorecida e negra. Com efeito, para a plena efetivação da legislação, o caminho ainda é longo.
A legislação nacional brasileira contempla a proteção da mulher quanto à prática de violência na esfera privada. A pergunta que fica no ar é a seguinte: se temos uma das melhores legislações de combate à violência doméstica do mundo, em especial porque foi construída coletivamente, pelo movimento de mulheres, academia e bancada feminina, o que justifica a continuidade dos elevados índices de morte de mulheres no Brasil?
A questão, muito além dos aspectos jurídico normativos, diz respeito a aspectos sócio culturais de uma sociedade patriarcal e de origem escravocrata. Enquanto não transformarmos a cultura, dificilmente diminuiremos a contento os altos índices de violência contra as mulheres. Nem tudo esta perdido, há uma fresta de esperança, houve algumas conquistas.
Entre estas conquistas podemos elencar algumas: a Lei Maria da Penha engloba importantes aspectos preventivos e repressivos; constitui um diploma legal muito divulgado e conhecido por parte significativa da população. Destacamos, ainda, que o agressor será sempre processado, se houver indícios de autoria e prova da materialidade, não sendo mais possível a transação penal ou suspensão do processo.
A lei contempla, ainda, as medidas protetivas de urgência, que são importantíssimas para prevenir crimes mais graves. Lembremos, também, que a lei determina o desenvolvimento de políticas públicas para o integral atendimento da vítima, inclusive, com o abrigamento, encaminhamento ao mercado de trabalho e atendimento psicossocial. Além disso, em razão da lei, Promotorias de Justiça especializadas em violência doméstica foram criadas, Varas e Defensorias especializadas.
Também foram criados grupos multisetoriais para o debate e a implementação da legislação com participação de diversas esferas do Ministério Público, Poder Judiciário e Poder Executivo. Por fim, foram desenvolvidos projetos de sensibilização da polícia, de agentes de saúde, de acolhimento de vítimas e ressocialização do agressor. Todos estes elementos de luz possuem uma grande sombra e muitos desafios.
Os desafios pendentes são inúmeros: presenciamos atônitos, quase sem reação, um momento muito triste no Brasil, onde a corrupção tomou conta de todas as esferas de poder, sendo que as mulheres detém uma participação insignificante no Congresso Nacional.
As legislações editadas pelos parlamentares são cada vez mais conservadoras, prejudicando muitas conquistas femininas, representando um verdadeiro retrocesso.
No âmbito dos Poderes Executivos, sob a desculpa de que inexiste orçamento suficiente pela crise financeira, verificamos um desmonte dos serviços de atendimento à mulher vítima de violência, com fechamento de serviços, desaparelhamento e falta de investimentos.
O compromisso com o combate à violência doméstica deve envolver toda a sociedade, mulheres e homens, o sistema de justiça e os poderes de Estado. As mortes e o sofrimento de muitas vítimas, como Amanda, poderiam ter sido evitados. Se não queremos mortes evitáveis no Brasil, para isso temos que não apenas desconstruir os estereótipos de gênero, mas também combater a tolerância social à violência doméstica, por meio da educação de gênero. Temos que seguir lutando contra todas as formas de violência contra a mulher, discriminação, em especial a doméstica, desenvolvendo políticas públicas sérias, pois as mulheres não se contentarão com uma simples “maquiagem”.
*Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, promotora de Justiça do MP/SP, do GEVID/Santana, associada do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático, vice-presidente da ABMCJ –SP, Mestre em Direitos Humanos e Justiça Social pela UNSW, Sydney, Austrália e Doutoranda em Direito pela Universidade de Buenos Aires, Argentina
Clique aqui para ler o original no Blog do Fausto Macedo
Clique aqui para ler o artigo na Agência Patrícia Galvão
Clique aqui para ler o artigo no Coletivo Não me Kahlo
Clique aqui para ler o artigo no Congresso em Foco
Clique aqui para ler o artigo no Migalhas
Clique aqui para ler o artigo no Empório do Direito
Imagem: Arquivo/Pixabay
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