Por Charles Hamilton dos Santos Lima

Dentre os desafios postos à democracia brasileira, sem dúvida o enfrentamento da corrupção é um dos mais urgentes e importantes a ser encarado. Não só no campo repressivo, mas sobretudo na prevenção. Não roubar e não deixar roubar, conforme advertiu Ulysses Guimarães quando da promulgação da Constituição da República em 1988.

No campo da prevenção, ganha destaque a construção de mecanismos que permitam o efetivo controle social (ou accountability vertical, posto que exercido diretamente pelo cidadão) sobre os gastos públicos e no alcance das metas traçadas pelas diversas esferas governamentais.

É certo que temos pelo menos dois fortes fatores que inibem ou retardam o alcance desse objetivo. De um lado, toda a nossa herança patrimonialista, que se traduz no trato da coisa pública como se privada fosse. Mera extensão da casa grande e destinada a atender os anseios dos setores desde sempre privilegiados.

Noutra perspectiva, as desigualdades que nos acompanham historicamente também dificultam a construção de uma sociedade democrática. Seja ela regional, social, educacional ou de renda, a desigualdade limita o exercício pleno da cidadania.

Na contramão desses influxos, temos uma verdadeira revolução da informação carreada pelas novas tecnologias. Essa revolução barateou o acesso à informação e permite o acesso a vastos conhecimentos. Do ponto de vista técnico, é possível a qualquer cidadão, a partir de algum dispositivo conectado à internet, obter e analisar uma larga gama de dados referentes aos orçamentos públicos e sua execução.

É nesse contexto em que larga parcela da cidadania brasileira almeja construir, como bem sintetizou Norberto Bobbio, um governo verdadeiramente democrático. Para tanto, devemos buscar ter um governo do poder público em público. Nesse aparente jogo de palavras, temos o “público” com dois significados diversos, conforme venha contraposto a privado ou (então) a secreto.

Importante destacar que, para termos um sistema de governo público (aqui no sentido oposto ao secreto), é essencial a participação do cidadão desde a elaboração até a execução de políticas públicas.

Para tanto, parte-se do acesso à informação. Acesso esse que é garantido, seja pelo direito de petição consagrado constitucionalmente (CR, artigo 5º, XXXV), seja pelos mecanismos previstos na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11).

Mais. Há também a previsão de conselhos com participação de representantes da sociedade civil e que subsidiam, analisam e fiscalizam a elaboração e execução de políticas públicas. Entre tais conselhos destacam-se os referentes à educação, saúde, cultura, política urbana, política criminal, criança e adolescente etc.

Outro espaço significativo de controle social são as audiências públicas — previstas e obrigatórias legalmente em algumas situações — estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 9º, parágrafo 4º, e artigo 48, parágrafo 1º, I), Lei de Licitações (artigo 39), Estatuto das Cidades (artigo 40, parágrafo 4º, I, artigo 43, II e 44) e Lei de Gestão do Sistema Único de Saúde (artigo 31, parágrafo único, e artigo 36, parágrafo 5º).

Dentre os instrumentos possíveis para correção de eventuais desvios por parte do gestor público, destacam-se as ações mandamentais (ação popular e o mandado de segurança).

Pari passu ao manejo dessas ferramentas, pode também o cidadão provocar o controle através dos meios de accountability horizontal. A saber: o controle interno do ente público; o controle externo — Poder Legislativo com o auxílio dos tribunais de contas; e o Ministério Público.

Em suma, a construção de um governo do poder público em público, conforme proposto por Bobbio, é uma forma de se distanciar do secretismo e também um modo — ante as condições da modernidade — para responder à questão proposta por Platão na passagem referente ao Anel de Giges: os homens são bons por escolha própria ou simplesmente porque temem ser descobertos e punidos?

 é procurador de Justiça do MP-PE e 1º vice-presidente do MPD.

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