Por Mário Sérgio Sobrinho e Luís Roberto Jordão Wakim

É praticamente consensual que o aumento significativo dos investimentos nas áreas da educação, da tecnologia, da ciência e da pesquisa resultam na melhoria das condições de vida, de saúde e de bem-estar da população de determinada localidade. Taiwan e Coreia, entre os países chamados tigres asiáticos, provavelmente não alcançariam desenvolvimento econômico sem investimentos consistentes e contínuos nos campos da educação e da qualificação profissional.
Quando se pensa em educação no Brasil, é comum considerar o ensino do português e da matemática, sem imaginar que transmitir valores para a vida é papel da família, da escola, da comunidade e do governo, orientados pelos padrões culturais e pelas leis vigentes. Habilidades para a convivência entre os pares e estratégias para manter o bem-estar são valores importantes para o desenvolvimento do indivíduo que podem ser estimulados e transmitidos pelos pais, parentes, educadores e servidores públicos.
Além de educar, manter e preservar a saúde das crianças, dos adolescentes e dos jovens evita problemas e seus prejuízos na idade adulta. Cuidados gerais (como coleta de lixo e vacinação) e individuais (boa alimentação e carinho) são importantes por prevenir muitas doenças. Evitar o consumo prematuro do álcool por crianças e adolescentes e desestimular o consumo excessivo da bebida pelos jovens e adultos também são importantes mecanismos protetores de muitos problemas de saúde e diversos efeitos negativos.
Alguns pais e, muitos adolescentes e jovens, subestimam o impacto que o consumo danoso ou precoce do álcool pode causar ou estimular, tais como violência, intoxicação grave, suicídio, homicídio, afogamento, negligência com crianças, abuso doméstico, gravidez indesejada, maior exposição a doenças sexualmente transmissíveis, mau rendimento escolar e profissional. Além disso, especialistas advertem que a exposição intensa e frequente ao álcool é capaz de tornar a pessoa mais propensa a muitas doenças crônicas, como diversos tipos de câncer no aparelho digestivo, câncer de mama, hipertensão arterial, cirrose e doenças do sistema nervoso, sem falar na dependência ao álcool.
É necessário despertar a atenção de todas as pessoas, algumas ainda inebriadas pelas estratégias de marketing das cervejarias que produzem bebida bastante apreciada e muito consumida no Brasil, destacando que ações de prevenção ambiental são capazes de reduzir a oferta e o consumo excessivo das bebidas alcoólicas.
O objetivo deste texto é descrever, de modo panorâmico, algumas dessas estratégias de prevenção ambiental para o álcool e apontar o prognóstico favorável que surge a partir da sua implantação e fiscalização, aumentando fatores de proteção e reduzindo fatores de risco referentes ao uso precoce e ao abuso dessa substância. Outro objetivo é destacar o potencial de cada pessoa ao compartilhar responsabilidades para tratar desse assunto e sensibilizar autoridades para formulação, aprovação e fiscalização de estratégias que gerem respostas capazes de alterar o cenário da glamurização do consumo do álcool pela sociedade brasileira, evitando a instalação ou o agravamento de situações problemáticas altamente impactantes para o indivíduo, sua família e sociedade.
Diferentemente do que ocorreu nos últimos anos com a forte campanha nacional para a redução do consumo de tabaco, que proporcionou resultados vitoriosos e de grande destaque como a queda do percentual de fumantes em 46%, no período de 1989 a 2010[1], com a promoção de ambientes livres de fumo, a implantação de projetos para cessação de fumar na rede de SUS, a restrição da propaganda e regulamentação das embalagens e, principalmente, o ajuste na política de preços e impostos para o setor do fumo, a redução ao consumo do álcool não parece fazer parte da agenda do governo, muito embora o grave problema de saúde pública já constatado.
O álcool permanece como uma prioridade de menor destaque nas políticas públicas, incluindo as de saúde, apesar do inquestionável custo social, sanitário e econômico associado ao consumo nocivo.
A redução do consumo do álcool depende principalmente de medidas regulatórias adotadas pelos governos, sem falar na necessidade do enfrentamento do poder das indústrias de álcool e associados.
No momento atual, o Brasil dispõe de legislação que trata da vedação à comercialização de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos e da proibição da combinação de beber e dirigir (Lei Seca). Ambos os temas são fundamentais para reduzir os danos sociais decorrentes do descumprimento da proibição, mas enfrentam os desafios da insuficiente fiscalização e do baixo engajamento por parte da população.
Sem dúvida, deve-se buscar o fortalecimento das ações governamentais para garantir o cumprimento das leis citadas e, paralelamente, oferecer à população campanhas educacionais que tratem das consequências do consumo precoce de bebidas alcoólicas pelos adolescentes e das nefastas consequências da condução de veículos sob efeito de álcool.
Outro tópico que merece atenção é o da incoerente possibilidade de ampla veiculação de propagandas de cervejas, mesmo quando existe conhecimento científico de que as campanhas publicitárias são forte indutor de consumo, principalmente da população mais jovem.
A implantação de outras medidas preventivas poderia fazer parte da agenda nacional, dentre elas a regulação do horário de venda de bebidas alcoólicas, a regulação da densidade espacial dos pontos de vendas de álcool, a proibição de eventos festivos com a prática de “open bar”, a vedação da comercialização de bebidas para pessoas intoxicadas, a restrição do consumo de bebidas alcoólicas no espaço público e o alinhamento da política de preços e impostos aos objetivos da saúde pública.
Essas medidas, se adotadas, teriam forte potencial para fazer frente ao grave problema de saúde pública decorrente do consumo abusivo de álcool no país.
A importância da ampliação das ações de advocacy — com objetivos de influenciar as políticas públicas e a opinião pública — são fundamentais para a implementação de um novo cenário em relação ao consumo imoderado de bebidas alcoólicas no país e, sobretudo, para fazer frente aos interesses da indústria nacional. É urgente a mudança de entendimento sobre o tema, que não mais comporta a compreensão de que os danos são meramente individuais de quem consome álcool, mas de toda a coletividade que sofre as consequências sociais (como as vítimas de acidentes de trânsito e as de violência doméstica), extremamente danosas para o país.
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[1] Conforme <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/dados_numeros/prevalencia-de-tabagismo>. Acesso em 15 de dezembro de 2017.

Mário Sérgio Sobrinho é procurador de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
Luís Roberto Jordão Wakim é promotor de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

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