19 de novembro de 2018
Por Mário Sérgio Sobrinho
Álcool é droga, tal qual o tabaco e outras substâncias, cujo consumo é muito bem aceito pela sociedade e, por isso, sua comercialização é fortemente incrementada por diversas estratégias, como oferta em massa e anúncios atraentes. No Brasil, provavelmente, estabelecimentos comerciais que oferecem bebida alcoólica à venda sejam numericamente superiores a outros ramos do comércio varejista de produtos de consumo, enquanto a sociedade é exposta a ondas criativas de anúncios que estimulam consumir bebida.
Também o álcool, tal qual o tabaco e outras substâncias, pode causar mortes e doenças, por isso a bebida alcoólica e o cigarro não são substâncias neutras ou inofensivas. Assim, a humanidade, no exercício do natural interesse da proteção individual e coletiva, se preocupa em selecionar, restringir, regular e proibir o consumo dessas substâncias para determinadas pessoas e situações.
O Brasil assumiu enfrentar os efeitos do consumo do tabaco mostrando ser essa substância muito prejudicial à saúde, tanto que mantém o Programa Nacional de Controle do Tabagismo patrocinado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). No site do Inca é possível encontrar seis leis, três decretos, 12 portarias e oito resoluções que, de modo principal ou secundário, tratam questões ligadas aos malefícios do tabaco.
Houve visível mudança de paradigma em relação ao tabaco no Brasil, substância cujo consumo por longo tempo fora associado pela maior parte da população como capaz de aproximar ou sociabilizar pessoas e gerar momentos de relaxamento. Referida reação se fundou na forte confrontação dos efeitos do cigarro à vida e à saúde. Lembrar desse recente percurso da política do tabaco anima considerar, intuitivamente, que em relação ao álcool é necessário percorrer trajeto semelhante, isto é, demonstrar sem receio o prejuízo causado pelo consumo do álcool para provocar mudanças.
Embora governo e sociedade ainda não produzam ações significativas para enfrentar situações graves relacionadas ao álcool, como uso precoce pela população, consumo exagerado e associar álcool e direção de veículo, é preciso considerar que, pelo menos, no campo da regulamentação já existe um arcabouço que indica para aonde o país deveria ir.
No Brasil, o Decreto 6.177, de 22 de maio de 2007, aprovou a política nacional sobre o álcool, dispôs sobre as medidas de redução ao uso indevido de álcool e sua associação com a violência e a criminalidade e deu outras providências prevendo que a implantação dessa política nacional deveria ser iniciada justamente com medidas opostas ao uso indevido do álcool e que enfrentassem a associação do consumo dessa substância à violência e à criminalidade.
No campo da associação do álcool com violência e criminalidade já havia esforço iniciado pela edição do Código de Trânsito Brasileiro ao criminalizar e punir com maior rigor o beber e dirigir, lei que sofreu alterações que procuraram destacar o risco desse comportamento e aperfeiçoar a correspondente punição.
Entretanto, no campo da redução geral do uso do álcool, para aonde é que o texto do Decreto 6.177/2007, que aprovou a política nacional sobre o álcool, pretendeu remeter a sociedade?
Em resposta cabe notar que, primeiro, esse decreto fixou a competência do exercício dessa atribuição na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, talvez de modo semelhante, mas ainda bastante tímido, ao papel que o Inca exerce no campo da saúde para a política do tabaco.
Segundo, é possível verificar ter sido indicado pelo decreto que o objetivo da política nacional sobre o álcool é o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, considerando a intersetorialidade, integralidade de ações para a redução de danos sociais, danos à saúde e à vida causados pelo consumo dessa substância. Nos dois anexos desse decreto foi tratado, também, sobre a informação e a proteção da população quanto ao consumo do álcool, sobre o conceito de bebida alcoólica e apresentadas, ainda, 20 diretrizes para a Política Nacional sobre o Álcool.
O quarto tópico do Anexo I do Decreto 6.177/2007 descreveu quais são as diretrizes para a política nacional sobre o álcool. Referidas diretrizes podem ser consideras como um conjunto de ações que governo e sociedade devem realizar para tirar do papel e tornar real essa política nacional.
As diretrizes número 1 até 5 são de natureza político administrativa; as diretrizes 6 até 9 abordam questões da rede de saúde e do treinamento; as diretrizes 10 e 12 se voltam para as questões da propaganda; enquanto a diretriz número 11 fala em alternativas culturais ao uso do álcool; seguida das diretrizes de 13 até 18, que cuidam de práticas altamente eficazes para gerar efeitos desejados pela política do álcool; finalizando com as diretrizes número 19 e 20, que cuidam da pesquisa científica, da tecnologia e da avaliação que devem ser aplicadas à política do álcool.
Diversas diretrizes práticas contidas no decreto aguardam cumprimento, mas, provavelmente, a medida menos observada nos diversos níveis governamentais, nos órgãos públicos em geral e mesmo pela sociedade é a diretriz que prevê “estimular e fomentar medidas que restrinjam, espacial e temporalmente, os pontos de venda e de consumo de bebidas alcoólicas, observando os contextos de maior vulnerabilidade às situações de violência e danos sociais”.
Provavelmente com base na ideia exteriorizada por essa diretriz, a sociedade brasileira devesse refletir cuidadosamente acerca das ideias ou das ações que estimulam a venda ou a oferta de bebida alcoólica em praças esportivas, entre eles estádios de futebol ou, também, nas imediações de escolas e determinados estabelecimentos públicos, bem como esse ponto do decreto poderia inspirar os órgãos públicos a se animar ao controle e à fiscalização efetivas da comercialização de bebida alcoólica na via pública ou em estabelecimentos incompatíveis para vender essa substância, como são as lojas de conveniência ou os quiosques instalados em postos nos quais motoristas abastecem seus carros com combustível.
O Decreto 6.177/2007 é uma referência suficiente para todos, em qualquer momento, saberem para aonde devem ir para adotar ações consequentes voltadas a dar colorido e eficácia à política nacional sobre o álcool, cujo texto estimula enfrentar situações relativas ao uso precoce de álcool pela população e o consumo exagerado, situações que causam enormes prejuízos à adolescência e juventude, bem como o texto do decreto revigora enfrentar a arriscada associação entre o álcool e a direção de veículo automotor.
Mário Sérgio Sobrinho é procurador de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
Clique aqui e leia o original no Conjur
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